Since December 25th, 2010

Translate

sexta-feira, 20 de abril de 2018

COMPRAR TEMPO PARA VENDER ILUSÕES

Das várias correntes económicas, há quatro principais: o Marxismo, que defende uma intervenção quase plena do Estado; o Keynesianismo, que postula a intervenção do Estado em momentos de crise, quer ao nível monetário, através dos bancos centrais, quer ao nível orçamental, através dos orçamentos elaborados pelos governos; a Escola de Chicago ou monetarista que tem uma visão quase exclusivamente monetária dos fenómenos económicos; e a Escola Austríaca que advoga o livre mercado e a ausência do Estado em vários domínios económicos e sociais. Os apologistas desta escola têm alertado há muitos anos para a necessidade do reequilíbrio da política monetária, isto é, do balanço dos bancos centrais.

Defendem que as taxas de juro, e a sua formação, devem estar menos dependentes das decisões dos bancos centrais e mais próximas do mercado. As taxas de juro devem refletir as preferências temporais dos agentes económicos entre poupar, consumir, investir, antecipar o consumo e recorrer ao crédito cedido pelos que poupam. Só assim se encontra uma taxa de juro equilibrada e fidedigna.

Ewald Nowotny, presidente do Banco Central Austríaco, e um dos membros mais influentes do BCE, apesar de pertencer ao Partido Social Democrata da Áustria que é de centro esquerda, não deixa de ter uma cultura germânica baseada na poupança e na estabilidade monetária. A 10 de abril Nowotny referiu que era a hora de normalizar a política monetária e que o BCE deveria subir a taxa de juro dos depósitos em 20 pontos base de -0.40% para -0.20%, e apresentar, nos próximos meses, a forma como vai reduzir o programa de estímulo de 2,5 biliões de euros utilizados nos últimos três anos e que quadruplicaram o balanço do BCE.

Foi o primeiro sinal de restabelecimento da política monetária da Zona Euro, com a alteração para uma política contracionista ("tightening") e a redução ou eliminação dos estímulos monetários que permanecem em 30 mil milhões de euros mensais. O Euro subiu de imediato e desceu horas depois, após o porta voz do BCE ter vindo garantir que as palavras de Dowotny tinham sido a título pessoal e não vinculavam o BCE. As obrigações, nomeadamente do tesouro, também reagiram a estas palavras, e a curva de rendimentos será certamente redesenhada num futuro próximo.

Houve uma desautorização das palavras de Ewald Dowotny? Não parece, bem pelo contrário! Este pode ter sido o primeiro sinal de inversão da política monetária do BCE depois de quase 10 anos de política monetária expansionista.

É a Escola Austríaca e o Ordoliberalismo a pressionarem. Mas a corrente Keynesiana, dominante há mais de 70 anos, continua a adiar o ajustamento da política monetária do BCE. Os germânicos da Alemanha e da Áustria são apologistas de equilíbrios monetários via mercado, em detrimento das decisões de taxas por um grupo restrito de pessoas.

Porém, os mediterrânicos, como a Itália (na figura do presidente do BCE, Mário Draghi) e a Espanha defendem o poder quase exclusivo dos bancos centrais na decisão sobre políticas monetárias, no que respeita aos reequilíbrios e estabilidade dos mercados financeiros (na vertente de curto prazo, o mercado monetário; e na vertente de longo prazo, ativos superiores a um ano, o mercado de capitais).

Axel Weber, economista alemão, abdicou de suceder a Trichet na presidência do BCE, em 2010, quando soube que as políticas monetárias que seriam adotadas para ultrapassar a crise financeira de 2008 e das dívidas soberanas em 2010 iriam contra a sua doutrina económica e não resolveriam os problemas financeiros no longo prazo, mas talvez apenas no curto prazo. Comprar tempo sempre foi uma estratégia preferida de quem faz política…
 

Paulo Rosa, In "Vida Económica", 20 de abril de 2017






sexta-feira, 6 de abril de 2018

O FUTURO NÃO ACEITA "VISA"

Os níveis de endividamento dos consumidores são um dos riscos mais negligenciados pelos investidores e analistas para a economia dos EUA, especialmente quando o endividamento das famílias, mesmo excluindo a compra de casas através de hipoteca, sobe para recordes históricos e as compras com cartões de crédito de bancos de reduzida dimensão aumentam, como verificado nos últimos meses.

A combinação de salários estagnados, taxas de juro crescentes (impulsionadas pela política monetária contracionista da FED) e aumento do endividamento dos consumidores pode ter consequências explosivas para a economia dos EUA. O aumento da dívida com cartões de crédito pode causar problemas num futuro não muito distante, uma vez que a tendência das taxas de juro é de alta. Sempre que os consumidores estão excessivamente confiantes, os problemas com os cartões de crédito começam a aparecer e a procura por serviços de aconselhamento de crédito tem aumentado nos últimos tempos.

Os gastos com cartões de crédito nos EUA subiram 9,4% no ano passado, para 3,5 biliões de dólares, cerca de 18% do PIB norte-americano. O sucessivo aumento dos empréstimos a estudantes e o crédito automóvel em segmentos mais baixos (clientes "subprime"), ao longo da última década, estão prestes a causar problemas na economia. Entretanto, a crescente subida da taxa Libor do dólar causará dificuldades às empresas, nomeadamente as que têm uma classificação de crédito mais baixa. Uma boa parte dos contratos são baseados na Libor.

As empresas com classificação de dívida de triplo B apresentam um risco que tem sido negligenciado pelos mercados de dívida dos EUA. A dívida BBB tem um desempenho inferior a outras classes de dívida com grau de investimento. Se a expansão económica diminuir, a dívida de triplo B é a mais vulnerável, algo que o FMI apontou num relatório recente sobre estabilidade financeira.
Muitos dos novos empréstimos estão vinculados a taxas de longo prazo, que se têm mantido mais ou menos estáveis relativamente à forte subida das taxas de juro de curto, refletidas na Libor, e um alisar da curva de rendimentos. Existem também empréstimos com taxas fixas e estas famílias não estão a sentir a drástica subida das taxas de juros de curto prazo…

Porém, os consumidores com hipotecas de taxa variável, precisamente aqueles que desempenharam um papel crucial no desencadeamento do colapso do mercado imobiliário em 2008, podem apresentar problemas quando os seus empréstimos vinculados à Libor do dólar a 12 meses forem atualizados, o que acontece uma vez por ano. Felizmente, existem bastante menos empréstimos do que durante a crise de 2008.

A maioria das taxas de juro do cartão de crédito está ancorada às "FED Fund Rate". Embora uma subida de um quarto de ponto para 1.75% no passado 21 de março não faça muita diferença, com os aumentos esperados pela Reserva Federal até 2020, a dívida de cartão de crédito representa o maior risco para a economia. Perto de 40% dos consumidores paga regularmente as suas faturas de cartão de crédito. De acordo com os últimos dados, a dívida total do consumidor tem subido a uma taxa anualizada de 8,8%, ou seja, cerca quatro vezes mais rápido que o ritmo de crescimento do PIB.

Ao mesmo tempo, a taxa de poupança dos consumidores dos EUA diminuiu para o nível mais baixo de sempre, nos 2.4% do rendimento disponível. O anterior valor mais baixo de sempre era de 2.8% em 2007 antes da crise financeira e económica de 2008/2009. Este valor tem vindo a cair sistematicamente desde finais de 2015 quando se encontrava nos 6%. A dívida vai ser um dos principais catalisadores para a próxima crise. A drástica subida das taxas de juro de curto prazo, espelhada na Libor do dólar, não deixa dúvidas.

Paulo Rosa, in Vida Económica, 6 de abril de 2018


Arquivo do blogue

Seguidores

Economista

A minha foto
Naturalidade Angolana
Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.