A invasão da Ucrânia pela Rússia está a reverter muitas das
atuais políticas externas da Europa. A título de exemplo, a União Europeia,
agora, procura diminuir a sua dependência energética para mitigar futuros
cenários de estagflação, ou seja, estagnação económica associada a elevada
inflação.
Petróleo, gás e eletricidade têm um peso relevante na formação de preços no IPC
das economias avançadas. O aumento dos preços da energia respondeu por 25% da
subida dos preços no consumidor nos EUA em janeiro e mais de metade na Zona
Euro.
Há 15 dias, o futuro do gás natural TTF Holandês para
entrega em abril cotava à volta de 70 euros o MWh. No passado dia 2 de março, o
preço alcançou os 193 euros o MWh.
Na década de 1970, os sucessivos aumentos dos preços do
petróleo redundaram numa crise energética, numa subida significativa da
inflação e, consequentemente, recessão económica. É nessa altura que é cunhado
o termo estagflação. As economias avançadas procuraram alternativas ao petróleo
e intensificaram os seus projetos nucleares. Na década de 1980, a energia
nuclear fornecia uma parte significativa da eletricidade na Europa e nos EUA,
mas os movimentos ecologistas e os acidentes em Chernobyl em 1986 e Fukushima
em 2011 travaram novos projetos nucleares e reduzem gradualmente o peso do
nuclear no ‘mix’ energético. Mesmo nos EUA, desde o ano 2000 a produção da
energia nuclear estagnou nos 800 terawats hora (TWh) e responde por 20% da
produção de eletricidade no país. Em França, o nuclear representa 70% da
eletricidade produzida no país. A França tem 56 reatores nucleares, o maior
número a seguir aos EUA com 93. O presidente francês Emmanuel Macron pretende
implementar no país reatores atómicos de nova geração, os pequenos reatores
modulares avançados (Advanced Small Modular Reactors, os SMR), enquanto o país
procura reduzir as emissões de CO2.
A natureza intermitente das energias renováveis, tais como a
eólica, a solar e a hídrica, não responde cabalmente às constantes necessidades
energéticas da economia. Na prossecução do objetivo de descarbonização, a
energia nuclear poderia complementar a produção de eletricidade, mas há uma
perceção negativa quanto à utilização desta energia. A mente humana foca-se
mais na concentração do risco do que na sua dispersão. O acidente nuclear de
Fukushima em 2011 impulsionou os preços da eletricidade no Japão nos anos
seguintes e ditou o encerramento de parte das centrais nucleares a nível
global.
A intensificação dos preços do petróleo e do gás natural com
a invasão da Ucrânia pela Rússia de Putin, realça bem a tibieza da economia
europeia em termos energéticos e a significativa dependência do gás natural
russo. Tal como na década de 1970, agora os países europeus procuram diminuir a
sua dependência energética face ao exterior e o hidrogénio e o nuclear são
alternativas que cumprem os objetivos de descarbonização até 2050.
A aceleração da inflação nos EUA e na Europa poderá ser uma
realidade impulsionada pela subida das cotações do petróleo. O peso da energia
é significativo no índice de preços no consumidor. Os bancos centrais procuram
mitigar os efeitos da inflação com uma política monetária contracionista,
subindo os juros e acabando com os estímulos monetários. Mas esta postura
poderá redundar numa forte desaceleração económica. Há um ‘trade-off’,
consubstanciado na curva de Philips, entre combater a inflação e manter o pleno
emprego. É muito difícil travar a atual inflação, em parte energética, com uma
subida de taxas, sem penalizar o crescimento económico. Os mercados já
antecipam, agora, menos subidas de juros. Os futuros negociados na bolsa
derivados de Chicago indiciam apenas 5 subidas de juros este ano, para o
intervalo [1,25% a 1,50%] em dezembro. Há um mês eram pelo menos 7 subidas.
A elasticidade da procura de energia é muito rígida, isto é,
a subida dos preços dos combustíveis, do gás e da eletricidade trava pouco o
consumo destes produtos energéticos, vitais para o funcionamento da economia. A
subida das taxas de juro pelos bancos centrais vai diminuir o rendimento e
abrandar o consumo de outros bens menos essenciais. Mas são os rendimentos
baixos e médios que influenciam a evolução da inflação, rendimentos que são
gastos, em boa parte, com bens de primeira necessidade. As políticas
contracionistas dos bancos centrais podem ser inócuas e conduzirem a uma
recessão económica face à dependência energética.
Paulo Monteiro Rosa, In Vida Económica, 2 março 2022
Sem comentários:
Enviar um comentário