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sexta-feira, 4 de março de 2022

Aumentam os receios de estagflação

A invasão da Ucrânia pela Rússia está a reverter muitas das atuais políticas externas da Europa. A título de exemplo, a União Europeia, agora, procura diminuir a sua dependência energética para mitigar futuros cenários de estagflação, ou seja, estagnação económica associada a elevada inflação.

Petróleo, gás e eletricidade têm um peso relevante na formação de preços no IPC das economias avançadas. O aumento dos preços da energia respondeu por 25% da subida dos preços no consumidor nos EUA em janeiro e mais de metade na Zona Euro.

Há 15 dias, o futuro do gás natural TTF Holandês para entrega em abril cotava à volta de 70 euros o MWh. No passado dia 2 de março, o preço alcançou os 193 euros o MWh.

Na década de 1970, os sucessivos aumentos dos preços do petróleo redundaram numa crise energética, numa subida significativa da inflação e, consequentemente, recessão económica. É nessa altura que é cunhado o termo estagflação. As economias avançadas procuraram alternativas ao petróleo e intensificaram os seus projetos nucleares. Na década de 1980, a energia nuclear fornecia uma parte significativa da eletricidade na Europa e nos EUA, mas os movimentos ecologistas e os acidentes em Chernobyl em 1986 e Fukushima em 2011 travaram novos projetos nucleares e reduzem gradualmente o peso do nuclear no ‘mix’ energético. Mesmo nos EUA, desde o ano 2000 a produção da energia nuclear estagnou nos 800 terawats hora (TWh) e responde por 20% da produção de eletricidade no país. Em França, o nuclear representa 70% da eletricidade produzida no país. A França tem 56 reatores nucleares, o maior número a seguir aos EUA com 93. O presidente francês Emmanuel Macron pretende implementar no país reatores atómicos de nova geração, os pequenos reatores modulares avançados (Advanced Small Modular Reactors, os SMR), enquanto o país procura reduzir as emissões de CO2.

A natureza intermitente das energias renováveis, tais como a eólica, a solar e a hídrica, não responde cabalmente às constantes necessidades energéticas da economia. Na prossecução do objetivo de descarbonização, a energia nuclear poderia complementar a produção de eletricidade, mas há uma perceção negativa quanto à utilização desta energia. A mente humana foca-se mais na concentração do risco do que na sua dispersão. O acidente nuclear de Fukushima em 2011 impulsionou os preços da eletricidade no Japão nos anos seguintes e ditou o encerramento de parte das centrais nucleares a nível global.

A intensificação dos preços do petróleo e do gás natural com a invasão da Ucrânia pela Rússia de Putin, realça bem a tibieza da economia europeia em termos energéticos e a significativa dependência do gás natural russo. Tal como na década de 1970, agora os países europeus procuram diminuir a sua dependência energética face ao exterior e o hidrogénio e o nuclear são alternativas que cumprem os objetivos de descarbonização até 2050.

A aceleração da inflação nos EUA e na Europa poderá ser uma realidade impulsionada pela subida das cotações do petróleo. O peso da energia é significativo no índice de preços no consumidor. Os bancos centrais procuram mitigar os efeitos da inflação com uma política monetária contracionista, subindo os juros e acabando com os estímulos monetários. Mas esta postura poderá redundar numa forte desaceleração económica. Há um ‘trade-off’, consubstanciado na curva de Philips, entre combater a inflação e manter o pleno emprego. É muito difícil travar a atual inflação, em parte energética, com uma subida de taxas, sem penalizar o crescimento económico. Os mercados já antecipam, agora, menos subidas de juros. Os futuros negociados na bolsa derivados de Chicago indiciam apenas 5 subidas de juros este ano, para o intervalo [1,25% a 1,50%] em dezembro. Há um mês eram pelo menos 7 subidas.

A elasticidade da procura de energia é muito rígida, isto é, a subida dos preços dos combustíveis, do gás e da eletricidade trava pouco o consumo destes produtos energéticos, vitais para o funcionamento da economia. A subida das taxas de juro pelos bancos centrais vai diminuir o rendimento e abrandar o consumo de outros bens menos essenciais. Mas são os rendimentos baixos e médios que influenciam a evolução da inflação, rendimentos que são gastos, em boa parte, com bens de primeira necessidade. As políticas contracionistas dos bancos centrais podem ser inócuas e conduzirem a uma recessão económica face à dependência energética.

Paulo Monteiro Rosa, In Vida Económica, 2 março 2022





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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.