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sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Bancos centrais e juros de curto e longo prazo

O mercado antecipa uma alta de 50 pb na reunião do BCE a 15 de dezembro. Está prevista também uma subida de igual dimensão de 50 pb na primeira reunião de 2023, a 2 de fevereiro, seguida de um aumento de 25 pb na segunda reunião de 2023 a 16 de março, fixando-se nessa altura a taxa de juro dos depósitos do BCE nos 2,75%, muito perto da taxa terminal esperada atualmente pelo mercado, à volta dos 2,8%. Este aumento de 50 pb possivelmente estará já descontado, não devendo alterar visivelmente as taxas Euribor. Entretanto, um potencial anúncio do BCE de redução do seu balanço, o denominado quantitative tightening (QT), associado a um compromisso de abrandamento do aumento das suas taxas de juro de referência, poderão aliviar os encargos das famílias que detêm empréstimos associados às Euribor. Como o QT é essencialmente uma redução do balanço, cujo ativo é constituído em grande parte por títulos da dívida pública, a não renovação destes títulos na sua maturidade, ou a sua alienação, pressionarão as taxas de juro de longo prazo, sobretudo de países periféricos da Zona Euro como Portugal, Espanha e Itália, redundando numa indesejável perceção de menor coesão do projeto europeu. Ainda assim, se ao potencial QT do BCE estiver associado um compromisso de desaceleração do aumento das taxas de juro pelo BCE, então poderemos estar diante de um abrandamento das taxas de juro de curto prazo e um aumento das taxas de juro de longo prazo, ou seja, um cenário de reversão da alta das Euribor e um aumento dos juros das dívidas públicas, beneficiando quem tem crédito à habitação indexado à Euribor, mas acabando por penalizar as contas públicas dos governos. Entretanto, o PIB da Zona Euro relativo ao quarto trimestre será divulgado no próximo dia 31 de janeiro e até lá serão ainda apresentados vários dados importantes referentes à atividade económica na área euro, bem como os dados relativos à evolução da inflação. Se os números do PIB da Zona Euro no quarto trimestre confirmarem uma contração económica e a inflação sinalizar uma visível desaceleração, a taxa de juro terminal do BCE deverá cair substancialmente. Todavia, a um mês e meio de distância, e perante a incerteza que ainda persiste e continuará em 2023, é muito difícil prever a evolução das taxas de juro para o próximo ano, sendo que a postura do BCE alterar-se-á de acordo com a evolução dos dados macroeconómicos. Ainda assim, poderemos confirmar que nos últimos tempos as dificuldades nas cadeias de abastecimento têm diminuído consideravelmente, os preços da energia têm descido, a atividade económica tem enfraquecido e a propensão ao consumo está cada vez mais fragilizada, sendo de esperar que esta tendência continue e corrobore uma gradual melhoria dos números da inflação tanto do lado da oferta como do lado da procura, refletida numa previsível queda no índice de preços no consumidor. Se este cenário se materializar em 2023, então o BCE poderá mais cedo do que o esperado reverter a sua atual postura monetária restritiva. É expectável voltarmos a ter num futuro próximo taxas de juro próximas de zero? É um cenário atualmente muito pouco provável, mas tudo dependerá da evolução da inflação nos próximos anos. Cadeias de abastecimento sem problemas e um recuo dos preços dos combustíveis fósseis, dos produtos agrícolas e dos metais industriais, impulsionarão a produção das economias avançadas (com aparelhos produtivos estruturados e excesso de capacidade produtiva instalada), respondendo mais facilmente às encomendas e à procura dos consumidores, culminando numa considerável queda da inflação. Mas a guerra na Ucrânia e a política “covid zero” chinesa teimam em dificultar as cadeias de abastecimento globais, entraves ao abrandamento da inflação.

Nos EUA, a reunião da Fed deverá mostrar uma melhoria do dot plot. Atualmente o mercado prevê uma taxa terminal de 5%, refletida numa alta de 50 pb a 14 de dezembro, 25 pb em fevereiro e 25 pb em março, recuando no 2º semestre de 2023 para 4,5%, com dois cortes de 25 pb. Entretanto, cresce o receio de recessão. O outlook trimestral da Fed deve mostrar uma maior desaceleração do PIB em 2023, de 1,2% em setembro, últimas perspetivas, para um número próximo de zero. No entanto, poderemos ver alguma melhoria na inflação medida pelo PCE core (em setembro foi de 2,8% a previsão para 2023). Tal como o BCE, também a Fed, devido ao receio da inflação, pode acelerar o seu QT, procurando impulsionar novamente as yields das treasuries depois das quedas nas últimas semanas, aumentando as taxas de juro de longo prazo e desacelerando as de curto prazo. Mas acelerar o QT pressiona ainda mais o já depauperado mercado de dívida, retirando-lhe liquidez. Entretanto, nos EUA a inflação abrandou no mês de novembro, sinalizando uma eventual desaceleração dos preços não só nos EUA mas também na Zona Euro nos próximos meses. Estes números penalizam ainda mais o dólar, diminuindo a inflação importada na Zona Euro, e afastando uma crise cambial do euro. Nota: Texto escrito antes das reuniões da Fed e do BCE.

PMR In VE 13 dezembro 2022




segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Globalização tende a recuar em recessão



Centrado na maior integração e interdependência das economias de todo o mundo, o nível de globalização económica tem crescido a um ritmo considerável nas últimas quatro décadas, impulsionado pela significativa redução dos custos de transporte, sobretudo com o aparecimento do avião e dos voos comerciais, e pelos consideráveis avanços das telecomunicações, nomeadamente da internet nos últimos anos, corroborando assim o conceito de aldeia global. Já Adam Smith no século XVIII, teoria das vantagens absolutas, e David Ricardo no início do século XIX, teoria das vantagens comparadas, haviam realçado os benefícios do comércio internacional. A teoria das vantagens comparadas de Ricardo representa um forte argumento a favor do livre comércio e da especialização entre os países.

Mas nos últimos anos muito se tem falado da reversão desta tendência, sobretudo desde 2016, aquando do Brexit. Também a política comercial do presidente norte-americano Donald Trump a partir de 2017, iniciando uma guerra comercial e tecnológica com a China, e a ascensão dos nacionalismos regionais em 2018 continuaram a ameaçar o grau de globalização. No entanto, seria o confinamento generalizado na primavera de 2020 ditado pela pandemia, culminando numa recessão económica, que inverteria o nível de globalização. Contudo, a reversão foi efémera e a tendência de globalização viria a ser retomada em 2021 com a gradual reabertura da economia mundial. Entretanto, a guerra na Ucrânia em 2022 ameaça novamente a inversão desta trajetória de maior integração económica mundial, ressurgindo os receios de maior protecionismo, nomeadamente de segurança energética e alimentar, sobretudo dos países europeus. Na realidade, a “desglobalização” só tem existido em períodos de recessão económica mundial, determinada pela queda da procura global em alturas de crise económica, penalizando as exportações e importações. Por exemplo, desde o início do milénio apenas em três momentos existiu reversão da tendência de globalização, foram eles na recessão que seguiu à bolha das “dotcoms” em 2001, na grande recessão em 2008-09 e na recessão forçada pela pandemia de covid-19 em 2020. Todavia, após as recessões seguem-se períodos de retoma e de crescimento económico, regressando também o nível de integração económica global e o comércio mundial alcança sucessivamente novos máximos históricos, tal como refletem os números da Organização Mundial do Comércio.

A globalização é tendencialmente um conceito económico, tal como constatado nos últimos 40 anos, mas, mais recentemente, os interesses políticos emergiram. Separar a política da economia é importante para entender o quão pouco relevante tem sido o impacto da “desglobalização” nos portefólios dos investidores. Certo é que a política tem tido pouco impacto no comércio internacional, apesar das notícias e dos alertas das autoridades e de algumas instituições financeiras, não sendo um cabal motivo para os investidores “desglobalizarem” os seus investimentos. Apesar de uma relativa divergência política, os EUA e a China permanecem fortemente interligados economicamente. Mesmo a Rússia que parecia ter sido desterrada ao isolamento e a vários anos de autarcia devido à invasão da Ucrânia, continua a exportar, sobretudo petróleo e gás natural, com algum rearranjo de geografias de destino dos seus produtos. Em suma, apesar da “desglobalização” política, não há um aumento visível de construção de novas fábricas domésticas para permitir a “desglobalização” económica. De facto, a ideia de globalização económica baseada em mão de obra barata está ultrapassada com os avanços da robótica e de outras tecnologias de produção. Se antes os bens representavam a maior parte do comércio internacional, hoje os serviços como software, videojogos e música podem ser produzidos e distribuídos virtualmente em qualquer lugar. A economia digital impulsiona a globalização. As multinacionais veem cada habitante do planeta como um potencial cliente ou parceiro de negócio, sendo as suas vendas e lucros cada vez mais diversificados geograficamente, impulsionados pelo crescimento do investimento direto estrangeiro de empresas chinesas, japonesas, sul coreanas, alemãs, francesas, norte-americanas. Porém, a “desglobalização” política pode implicar algum “reshoring” em setores considerados essenciais, sobretudo empresas ligadas à segurança nacional, como atualmente a indústria de “chips”. Entretanto, o volume do comércio mundial de mercadorias pode abrandar ou mesmo cair em 2023, se as incertezas quanto ao crescimento económico no próximo ano se materializarem, devido à política monetária restritiva nas economias avançadas e à natureza imprevisível da Guerra na Ucrânia. Recessão económica é sinónimo de recuo do comércio internacional, mas a “desglobalização” é conjuntural, sendo a globalização estrutural.

PMR In VE 7 dezembro 2022






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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.