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sexta-feira, 25 de março de 2011

O mais difícil ajustamento em democracia.

Portugal tem pela frente o mais difícil ajustamento em democracia, sem instrumentos que tinha aquando da crise financeira de 1983, nomeadamente a desvalorização da moeda. O “Katrina” está a formar-se ao largo da costa e já passou para nível 3 perante as repercussões negativas no rendimento disponível das famílias devido à: a) provável subida das taxas de juros por parte do Banco Central Europeu (BCE); b) contínua alta dos combustíveis, fruto da instabilidade nos países do Norte de África e Médio Oriente.
Os gestores de dívida pública portuguesa olham com apreensão para as “previsões meteorológicas” e aguardam a chegada do “Katrina” à costa já em nível 5 em virtude: a) do provável resgate da economia portuguesa ser cada vez mais uma certeza; b) da redução do rating da dívida soberana para BBB pela Standard&Poors - valores de há 30 anos atrás. Em 1992, aquando da recessão económica, Portugal tinha um rating de A+ e manteve-se em AA durante uma década.
Na cidade de “Nova Orleães”, todos os agentes económicos – famílias, empresas e Estado – esperam ansiosos e é importante estarem conscientes e preparados para enfrentar as dificuldades que vão encontrar. Os “diques” estão prontos para proteger a parte baixa da cidade. O ajustamento será feito através da subida do desemprego, aumento da inflação, mais impostos, cortes nas prestações sociais. As empresas com menor exposição ao mercado interno, sem endividamento excessivo, com menor dependência do Estado e com balanços mais sólidos serão as menos penalizadas…

Uma hipotética saída do euro, para ganharmos competitividade através da desvalorização, não passaria disso mesmo, porque jamais compensaria os custos que essa opção acarretaria. Muito provavelmente a nova moeda desvalorizaria cerca de 50%, a inflação aumentaria mais de 100%, os produtos importados, as idas e estadias no estrangeiro veriam o seu custo disparar para o dobro na carteira dos portugueses. A corrida aos bancos seria imediata para manter os depósitos em euros – ou levantá-los – e tentar passar as dívidas para a nova moeda. Seria a bancarrota para o Estado e para as famílias, com consequências impossíveis de mensurar.

Portugal não tem uma bolha imobiliária como a Irlanda e a Espanha e a banca não está tão pressionada como a desses países. O problema português resume-se à fraca produtividade da nossa economia, agravada pelas medidas de austeridade recessivas. O diferencial de cerca de 7% entre as taxas de crescimento da riqueza em termos nominais de 1 ou 2% - com base nas previsões do Governo, Banco de Portugal e instituições internacionais de contracção do PIB – e as taxas de rendibilidade (yields) das obrigações do tesouro (OT) a rondar os 8%, tem que ser colmatado através do crescente endividamento a taxas cada vez mais proibitivas, gerando-se aqui um ciclo vicioso. A competitividade ganha-se com produtos de elevado valor acrescentado. No Séc . XVIII Portugal exportava produtos agrícolas para a Inglaterra e importava lanifícios, estes últimos de elevado valor acrescentado na época porque requeriam Know-How. O tratado de Methuen em 1703 é a prova cabal de que algo está errado há muitos anos. Hoje exportamos lanifícios, que qualquer país produz, e importamos aparelhos hospitalares, medicamentos, telemóveis de elevado Know-How. Estamos sempre atrasados. A aposta passa pelos sectores de valor acrescentado, referido há muito pelos analistas, no entanto com planos a longo prazo…

No Orçamento do Estado para 2011, as despesas sociais – pensões, subsídios – representam 49.8%, os salários 26.6%, juros 8.4% (6326 milhões €, hoje são superiores devido ao agudizar das yields das OT), os consumos intermédios 11.4% e outras despesas correntes 3.8%. Um mero exercício leva-nos a inferir que é impossível atingir as metas para o défice público só com cortes dos consumos intermédios e outras despesas correntes. Por absurdo, um corte de 50% nestas duas rubricas traduz-se numa descida de 3.5 pontos percentuais do défice e à provável deterioração da qualidade da Saúde, da Educação e  de outras áreas. As ambulâncias ficavam no meio da estrada com os doentes, os autocarros deixavam os alunos a meio do caminho da escola, faltavam detergentes para limpar as salas de aula. Não invalida, no entanto, um esforço maior para racionalizar estes gastos. Em suma: a) é impossível consolidação orçamental só do lado da despesa, sem cortes também nos salários e nas prestações sociais; b) Só cortes nos consumos intermédios, implica um acréscimo significativo da carga fiscal. Este raciocínio é levado a cabo sobre a premissa “ceteris paribus”, sem contracção económica significativa. 

Paulo Monteiro Rosa, economista, 25 de Março de 2011

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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.