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quinta-feira, 5 de maio de 2011

A frieza da lei da natureza.



As pessoas com saúde fragilizada estão mais vulneráveis aos vírus. Os indivíduos fortes por natureza, os que cuidam da sua saúde, os que não fumam, os que fazem exercício físico e vão regularmente ao médico não estão ao alcance dos vírus…

A dívida externa bruta portuguesa corresponde a 230% do PIB, mas a líquida é de 100%, porque Portugal tem activos sobre o exterior. A dívida pública (conhecida) é de 97% do PIB. No entanto não é só o Estado que está descapitalizado. As famílias e as empresas e por seu intermédio a banca, que faz a ponte dos empréstimos concedidos às famílias e às empresas com capital da banca estrangeira, também estão descapitalizadas. A banca ficou como avalista desses empréstimos e responde por eles. Os bancos nacionais assumem o ónus de honrar os compromissos perante os credores estrangeiros, independentemente das famílias, empresas e Estado (empresas do sector público e municipais) falharem nos pagamentos à banca nacional. E perante a anunciada recessão de 2% em 2011, 2% em 2012, subida do desemprego para 13%, com a consequente falência de empresas, a diminuição do rendimento disponível por via das medidas de austeridade e da subida das taxas de juro do BCE, o futuro apresenta-se adverso para a economia portuguesa e para a banca nacional... 

A dívida privada correspondia em 2009 a 215% do PIB. As dívidas das famílias equivaliam a 100% do PIB e das empresas a 115%. Os portugueses, famílias e empresas, aproveitaram a oferta de crédito barato, fácil e de elevados montantes depois da adopção do euro como unidade de conta portuguesa e endividaram-se desenfreadamente, vivendo além de suas possibilidades. Podemos imaginar o tamanho aperto que Portugal vai sofrer para baixar esta dívida, seja através da redução do consumo ou através do aumento do crédito malparado dos Bancos. Os bancos financiaram uma economia que consumia aquilo que não produzia. Como a poupança nos bancos portugueses é insuficiente para colmatar os pedidos de crédito, os bancos portugueses tiveram que se endividar no estrangeiro e hoje estão com dificuldades para honrar os seus compromissos. A vida dos bancos não vai ser fácil…

O resgate - bailout - de 78 mil milhões de euros, serve para sanear as contas públicas e dar liquidez aos bancos. Cada qual pagará os juros correspondentes ao seu empréstimo. Parte do empréstimo é para dar liquidez aos bancos, cerca de 12 mil milhões. Estes não conseguiam ir ao mercado desde Maio de 2010. Foi o BCE que cedeu liquidez aos bancos durante o último ano. O acesso ao mercado estava vedado aos bancos portugueses, motivado pelo descrédito e descontrolo da despesa pública e dos défices públicos, que aumentaram a desconfiança na dívida pública soberana, culminando na venda massiva de Obrigações do Tesouro português (OT) e na subida das taxas de juro implícitas. Portugal não foi vítima dos mercados. Foi vítima de si próprio, do seu endividamento (público e privado). Os mercados só atacam presas fragilizadas, indefesas, e Portugal com o crescente descontrolo das suas contas, ficou sem defesas, perdeu os ”anti-corpos” e claro a doença atacou com facilidade. As pessoas com fragilidades de saúde (economias com endividamentos descontrolados e sem moeda para se socorrerem para ganhar competitividade) são vítimas fáceis para os vírus (especuladores).

No entanto os especuladores são necessários, procuram oportunidades, financiam as economias, dão liquidez e profundidade aos mercados. Mas, por vezes, são desestabilizadores do sistema. Os arbitragistas são sempre estabilizadores do mercado. Existem ainda investidores de longo prazo (aforradores) e aqueles que utilizam o mercado para cobrir o risco - hedgers. No caso das obrigações do tesouro português, os especuladores só conseguiram ganhar dinheiro recorrendo ao "short selling", pedindo títulos emprestados para vender e recomprar mais tarde a um preço mais baixo, porque as obrigações não param de cair. Os especuladores só ganharam dinheiro apostando na subida da taxa de juro implícita da OT - yield. Aqueles especuladores que compraram títulos com yields de 5% há um ano atrás, ou a 8% há 2 meses, perderam dinheiro, contudo deram liquidez aos mercados e as taxas de juro muito provavelmente seriam hoje mais elevadas sem as suas compras. Os que hoje compram com taxas de juro de 11%, provavelmente perderão dinheiro, porque eventualmente daqui por uns tempos esses títulos estarão com uma yield de 15%. Na Grécia, esta semana, foram negociadas obrigações que tinham implícitas taxas de juro de 25%. Ninguém tem ganho dinheiro a comprar dívida pública portuguesa...   

A dívida pública portuguesa, apesar de muitos não residentes terem alienado OT no último ano, continua em grande parte na mão de estrangeiros. A dívida pública belga e Italiana é de 120% há mais de 15 anos, e como é detida por residentes e a economia destes países tem um crescimento sustentável, os seus ratings e as yields das suas OT encontram-se num patamar que não inspira cuidados. Na realidade o grande problema português resume-se ao crescimento económico e enquanto a economia não entrar outra vez no trilho do crescimento, todos os empréstimos e resgates financeiros cairão em saco roto. O incumprimento será inevitável…

O último incumprimento - default - foi em 1892, derrubou um regime, e manteve Portugal longe dos mercados durante 50 anos. Nessa época o endividamento público era de quase 100% do PIB. Só depois da segunda guerra mundial, Portugal conseguiu voltar a financiar-se através dos mercados financeiros. O rendimento per capita, em 1926, era 28% da média europeia. Um incumprimento, uma reestruturação da dívida, manterá Portugal longe dos mercados durante décadas. Se eu pedir um empréstimo a alguém e não conseguir pagá-lo integralmente, dificilmente essa pessoa, por mais boa vontade que tenha, me voltará a emprestar dinheiro. Os tempos são de muita dificuldade e é imperativo colocar Portugal a crescer sob pena de não conseguir honrar os seus compromissos. As consequências seriam gravíssimas para a economia nacional e provavelmente grande parte de nós não estaria vivo até que Portugal reentrasse nos mercados...
Paulo Monteiro Rosa, economista. 5 de Maio de 2011

2 comentários:

  1. "Os indivíduos fortes por natureza, os que cuidam da sua saúde, não fumam, fazem exercício físico e vão regularmente ao médico não estão ao alcance dos vírus…"

    Os indivíduos que têm esses cuidados todos não são fortes por natureza, são fortes por educação. Ser forte por natureza significaria não ter cuidado com nada disso mas mesmo assim continuar resistente.

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  2. Boa tarde Sr. João Bispo,

    Agradeço o seu comentário. Efectivamente ser forte por natureza, é não precisar de fazer nada disso. Realmente tem toda a razão. Obrigado pelo seu reparo.

    Melhores cumprimentos,
    Paulo Rosa

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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.