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segunda-feira, 7 de maio de 2012

As “Eurobonds”: Implicitamente existiram de 1999 a 2008.


1) As “Eurobonds implícitas”.

A palavra “Eurobonds” tem sido ventilada com frequência nos últimos 3 anos. Mas o que são ou seriam as “Eurobonds”? Obrigações do Tesouro europeias emitidas pela União Europeia (UE) e que substituiriam a emissão, isolada, de Obrigações do Tesouro (OT) de cada Estado-membro. Todos os países da UE se financiariam a taxas idênticas e recorreriam a elas de acordo com as suas necessidades de financiamento. A Alemanha e Portugal financiar-se-iam às mesmas taxas, provavelmente neste momento, cerca de 3% nas emissões a 10 anos. O rating de crédito dificilmente seria de “AAA”, talvez de “AA+” que é a classificação atribuída pela Standard&Poor’s ao Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF). Seria uma média ponderada dos cerca de 6 países com rating de “AAA”, dos países periféricos com ratings de “BBB” e junk bonds (títulos não aconselháveis a investimento) e dos restantes países membros. 

No entanto, implicitamente as “eurobonds” existiram desde a criação do euro a 1 Janeiro de 1999 até 2008, aquando do agudizar da crise financeira iniciada em Julho de 2007. Existiram “eurobonds implícitas” via mercado. Os alemães financiaram-se, durante esse período, a taxas de juro mais elevadas para compensar as baixas taxas de juro portuguesas, gregas, etc. Nessa altura o spread entre a taxa de juro alemã e grega era quase inexistente, financiavam-se a um custo semelhante. A Grécia entrou no euro em 2001, porque as suas contas públicas não cumpriam os requisitos em 1999. No gráfico 1 observar-se-á que as yields gregas só em 2001 passaram a ser semelhantes às dos restantes países que adoptaram o euro como sua moeda. 


Quando o mercado percepcionava um risco quase semelhante entre a dívida pública dos vários Estados-membros (a taxa de juro implícita, yield, das obrigações do tesouro alemãs era de 3,7% e dos títulos portugueses de 3,8%). A rendibilidade, a yield, das obrigações do tesouro alemãs suportava o elevado risco da economia portuguesa e de outros países economicamente mais frágeis. O mercado sempre percepcionou que a integração era uma realidade e a “moeda” única funcionava perfeitamente sem um orçamento único, um dos dois pilares de sustentação do euro. 

Antes de 1999, as yieds das OT, dos vários países que viriam a escolher o “euro” como sua moeda, eram bastante díspares. Os spreads entre a yield alemã e a portuguesa ou a espanhola eram significativos, mas começaram a estreitar-se a partir de 1998, sendo irrelevante (quase zero) até 2008. Durante este período existiram “eurobonds implícitas”. A partir de 2008 voltou a alargar-se, com o mercado a perceber um retrocesso na integração europeia. Ver gráfico2.


Neste momento, a Alemanha está a ser beneficiada ao financiar-se a taxas muito baixas. Pela primeira vez na sua história os germânicos financiaram-se a taxas nominais negativas (-0,01%), na emissão de bilhetes do tesouro, a 9 de Janeiro do corrente ano, com maturidade a 6 meses. Os investidores pagaram para emprestar dinheiro ao governo alemão e irão em Julho reembolsar um montante inferior ao empréstimo concedido. Os títulos alemães são, mais do que nunca, um porto seguro no meio da crise europeia.

A pujança da economia alemã e o seu excedente comercial, o maior do mundo se expurgarmos a Arábia Saudita devido às exportações de petróleo, justificam provavelmente taxas de juro de cerca de 2,5% na emissão de obrigações do tesouro (OT) a 10 anos, mas não taxas de 1,6%. O diferencial para as yields que se verificam no mercado secundário de 1,6% nas OT a 10 anos, resultam do seu cariz de activo refúgio. Os países periféricos pagam a factura, com taxas demasiadamente altas que não reflectem fielmente a realidade das suas economias, são prejudicados pela fuga de investidores para títulos mais seguros. A venda de OT dos países periféricos, pressiona o seu preço em baixa e consequentemente as yields em alta, devido não só à debilidade das suas contas públicas e das suas economias mas também para trocar por dívida segura com baixa probabilidade de incumprimento (alemã, nórdica, suíça, holandesa e outros países europeus com rating de crédito de triplo A). Nas taxas de juro implícitas das OT portuguesas a 10 anos de 12% está espelhado, talvez, 2 pontos percentuais de receio de incumprimento. 

O pacto orçamental poderá fazer ressurgir as mencionadas “eurobonds implícitas”? Não. É um começo importante rumo à reintegração europeia, na percepção do mercado do regresso da convergência europeia interrompida em 2008 e na inversão da tendência de desintegração que se verifica há 4 anos. É positivo para estreitar os spreads entre as yields dos países com maiores debilidades financeiras e as yields alemãs, mas não para restaurar em pleno a confiança dos mercados e observarmos spreads praticamente nulos entre as yields alemãs e as yields dos restantes países da União Europeia, verificados entre 1999 e 2008. A fidúcia leva anos a construir e minutos a dissipar-se. Voltar a reconquistá-la é uma tarefa árdua e são precisos anos… a não ser que se crie um orçamento único.

O pacto orçamental europeu surge na cimeira europeia a 9 de Dezembro de 2011, assinado por 25 dos 27 Estados-membros a 2 de Março deste ano. Portugal foi, através do parlamento, o primeiro país a ratifica-lo a 13 de Abril, acompanhado mais tarde pela Grécia e Eslovénia. O Tratado do pacto orçamental é um passo no sentido de uma maior responsabilidade e o Tratado sobre o Mecanismo Europeu de Estabilidade Financeira (MEEF) é um passo para uma maior solidariedade.

2) O FEEF (Fundo Europeu de Estabilidade Financeira) e o MEEF (Mecanismo Europeu de Estabilidade Financeira) como emissores de eurobonds. As “Eurobonds implícitas via FEEF”. 

O montante do empréstimo, acordado entre a tróica e Portugal, foi de 78 mil milhões de euros. Um terço concedido pelo MEEF, um terço pelo FEEF e um terço pelo FMI (Fundo Monetário Internacional). A taxa de juro dos empréstimos do MEEF e do FEEF dependiam das taxas de mercado vigentes na data de cada pagamento, porque o MEEF e o FEEF pedem fundos nos mercados financeiros, a fim de os emprestar a Portugal. No empréstimo do MEEF, era adicionada uma margem de 2,15 pontos percentuais ao custo de financiamento da União Europeia. No FEEF era adicionada uma margem de 2,08 pontos percentuais. Nos primeiros leilões de dívida, a 10 anos, o FEEF pagou cerca de 3,5% e o custo imputado a Portugal rondou os 5,7%, na primeira tranche do empréstimo, em Maio de 2011. Na cimeira europeia de 21 de Julho de 2011, as maturidades dos empréstimos aumentaram para 15 anos e a taxa de juro desceu para 3,5% para Portugal, Grécia e Irlanda. À taxa de 3.5%, Portugal pagará à União Europeia 27 mil milhões de euros em juros ao longo de 15 anos. Ver taxas de FEEF no quadro1.

Imaginemos que os países que estão sob resgate financeiro, nomeadamente Portugal, não pagam as suas dívidas. Os restantes países que participam no FEEF, como fiadores, substituir-se-ão a Portugal e pagarão a dívida emitida pelo FEEF. Grande parte de cada emissão do FEEF é garantida pelos alemães, austríacos, holandeses, luxemburgueses e finlandeses com um rating de “AAA” e franceses com “AA+”. Os italianos contribuem com 18% e os espanhóis com 12%. Daqui se depreende que as emissões de Obrigações do FEEF se afiguram a “Eurobonds” para os países sob resgate financeiro. O FEEF financia-se nos mercados financeiros, por exemplo a 10 anos, a taxas que rondam os 3 a 3,5% e entrega o montante arrecadado a Portugal e à Irlanda a taxas idênticas de 3,5%, assemelhando-se a “Eurobonds”. São “Eurobonds implícitas via FEEF”. Se Portugal não pagar o financiamento ao FEEF, será a Alemanha e os restantes países que amortizarão a dívida contraída pelo FEEF nos mercados financeiros. A Alemanha e os restantes países da União Europeia é que assumem todo o risco da operação. É verdade que existe um compromisso de Portugal e uma perda de soberania na condução da sua política orçamental. Para Portugal o FEEF é um IGCP (Instituto de Gestão de Crédito Público). Porque não substituir o FEEF por um “Tesouro Europeu”, por um “Instituto Gestão de Crédito Público Europeu – IGCPE”? A seu tempo será criado, quando existirem condições para um “orçamento único europeu” que suporte esse “Tesouro Europeu” e os países terão que abdicar da sua soberania em termos de política orçamental. Portugal já o fez há um ano… Ver quadro 2.


Entretanto, a Espanha e a Itália têm que se financiar a 6% nos mercados internacionais. O FEEF é em termos legais um fundo privado, para resgatar e financiar países europeus em dificuldades financeiras. É detido pelos Estados-membros, são os seus “accionistas”, sendo o seu maior contribuinte a Alemanha. No dia 16 de janeiro de 2012 a Standard&Poor’s reviu em baixa o rating do FEEF de “AAA” para “AA+”, para ajustar com as revisões em baixa que tinha efectuada semanas antes a 16 países da União Europeia. O corte de rating não afectou o financiamento do fundo…  

A partir de 30 de Junho deste ano o FEEF será dissolvido e entrará em vigor o MEEF, com uma dotação de 500 mil milhões de euros, à qual deverão acrescer os 200 mil milhões ainda previstos no funcionamento do FEEF. 

Paulo Monteiro Rosa, economista, 5 de Maio de 2012


2 comentários:

  1. Boa Tarde Paulo,

    Continua em grande!

    Grande análise das "Eurobonds". Ao ver isto só não percebe quem não quer. O problema é que nunca houve, não há, nem provavavelmente haverá pessoas/entidades que disponibilizem esta informação ao comum das pessoas, pelo menos de forma mais acessível. Podemos sempre pesquisar na bloomberg e sites até mais tecnicos, mas é uma piscina de informação para quem não percebe do assunto. E por isso lhe agradeço a si mais uma vez pela valiosa informação. O seu blogue e outros deviam ser bastante mais divulgados.

    Tenho um tema para lhe expor, um pouco polémico e contraditorio...que é o problema do crescimento.

    Também trabalho numa empresa e todos aqui queremos crescer o mais possível, ganharmos à concorrência e sermos os melhores.

    Mas falando das grandes empresas, falando em cotadas, falando em países, falando em grandes organizações, não acha irresponsável e até falso a premissa de que todas as empresas e países têm de crescer o mais possível, para sempre?

    Num planeta com recursos finitos como o nosso, com espaço habitavel finito, é impossivel todas crescerem.

    Será que as economias ocidentais não terão já chegado a um ponto em que crescer a 5%,6% é praticamente impossivel?

    Claro que Moçambique cresce a 13%, o Burkina Faso também por aí...mas é natural que a China abrande e o Japão esteja estagnado. Se assim não fosse o Japão tinha inundado o mundo ainda mais desde que estagnou na década de 90.

    Está a ver o meu ponto?

    Será que empresas com mais de mil milhões de lucros precisam de crescer assim tanto? Mas não chega para as reservas, ou dividendos, ou para investimentos?

    Eu sei que se não crescerem podem perder poder e posicionamento nos seus mercados, mas será razoável haver esta mentalidade?

    Eu sou a favor do crescimento, sou a favor dum capitalismo responsável baseado na escola austriaca (se for possivel), sou a favor do livre mercado desde que controlado e dentro de leis, mas querermos crescimento infinito em tudo é IMPOSSIVEL.

    Aalguma vez poderá haver uma mentalidade em que se queira viver simplesmente bem e confortável e não destruir tudo à nossa volta? Não são compativeis os dois sentimentos, pois não? Tenho pensado e nunca chego a uma conclusão.

    Sempre ouvi dizer que quem acreditava num crescimento perpétuo só os loucos e os economistas.

    Um abraço,
    André Vaz

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    1. Olá André,

      Boa tarde. Elaborei o artigo precisamente pela razão que apontou, jamais tinha visto algo escrito e por isso excrevi eu.

      Escrever algo sobre o crescimento é um grande desafio. Tenho mais 2 artigos: "Ensaio sobre a massa monetária" e "que nos reserva o futuro" que aflora bastante o crescimento. Vou tentar acabá-los e publicá-los.

      Julgo que estamos a atravessar uma mudança de um cíclo longo, talvez o de Kondratieff (50 anos). Poderemos assistir a uma fricção de 10 anos. Ajustamento entre placas tactónicas (países emergentes e economias ocidentais), umas sobem e outras descem. No global a economia cresce sempre a uma média de 3% ao ano nos últimos 150 anos.

      O trabalho será cada vez menos de braços e mais mental. Empreendedores. Mas não trabalho por conta própria com cafés e lojas de vestuário. Portugal é dos países com mais trabalho por conta própria com empresas unipessoais ou pequenos trabalhadores, apanágio das economias subdesenvolvidas.

      Às vezes dou este exemplo aos meus amigos: "Um dia destes vamos ter um pagamento nos hipermercados sem senhoras na caixa. As pessoas passam pelos sensores e debita automaticamente na conta bancária. Apenas é preciso um ou dois seguranças". Então estamos a aumentar o desemprego? As pessoas não para serem robôs. Essas pessoas, tal como os portageiros, vão para formação e aprofundar os conhecimentos. A educação é a chave. Nunca é tarde para aprender e o saber não ocupa lugar. Veremos robôs a fazerem cirúrgias com mais precisão que o melhor cirurgião. E onde estará o médico. A coordenar e a pensar em novas melhorias e aperfeiçoamento das técnicas. Os cientistas em novos medicamentos e curas para as actuais doenças. Toda a gente a pensar e deixar o trabalho braçal para as máquinas.

      Nunca podemos deixar a máquina criar consciência, porque pode virar-se contra nós. Nem estes poderes em poucas mãos. Por isso têm que ser todas as pessoas a pensar. Num grande silicon Valey... E o lazer, claro. cada vez mais lazer. Mas quem nos serve o café no bar? Pode ser self-service. Quem quiser uma pessoa terá que pagar caro... Já fazemos isso nas bombas de gasolina. A Google obteve esta semana licença para poder ter um carro na estrada sem condutor. Vou daqui a Lisbo no meu carro e se não me apetecer conduxzir, a máquina fá-lo.

      Na realidade as coisas são finitas no nosso planeta. Mas o crescimento só é positivo se melhorar o bem-estar. Tentar maximizar o bem-estar das pessoas é o objectivo da economia, ciência económica.

      E o que é o bem-estar? Mais bens materiais? Pode ser ou pode não ser. Resume-se à felicidade? Sim. E como medi-la?

      Um grande abraço,
      Paulo Monteiro Rosa

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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.