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quinta-feira, 30 de abril de 2015

BOLHA DAS OBRIGAÇÕES

A 6 de janeiro deste ano, o governo alemão realizou uma emissão de obrigações com maturidade a 10 anos, no montante de 5 mil milhões de euros, com um cupão de 0,50% (ou seja, comprometeu-se a pagar anualmente uma taxa de juro de 0,50%). Neste momento essa obrigação cota a 103,5, e quem comprou estes títulos em janeiro já tem uma mais-valia potencial de 3,5%. Este é um dos principais motivos que move os investidores para continuarem a comprar obrigações, sempre com o objetivo de ganhar mais um pouco. É verdade que o upside, o espaço para subir, é cada vez menor mas os investidores não desistem. O mercado obrigacionista, enquanto o Banco Central Europeu (BCE) continuar a comprar obrigações do tesouro, só terá um sentido: o da compra.

Se esta obrigação do tesouro alemã valorizar até os 106 corresponder-lhe-á uma rentabilidade (yield) negativa de -0.1%. E se porventura atingir os 108 já estamos a falar de uma yield negativa de -0.3%. É pertinente salientar que a taxa de juro dos depósitos, de absorção de liquidez, do BCE é de -0.2%. Se a taxa de juro alemã a 10 anos subir para 1%, a cotação desta obrigação desce para 95. Se subir para cerca de 1.5% a cotação desce para 90, ou seja uma perda de 10% face à emissão e de 14% face aos valores atuais. É pouco provável que tal aconteça no curto-médio prazo devido à atuação do BCE, que compra mensalmente 60 mil milhões de euros de obrigações em mercado secundário. Mas no longo prazo esta correção poderá ser inevitável…

A obrigação do tesouro portuguesa, a 2 anos, está com uma rentabilidade (yield) de 0.1%, muito perto de entrar em terreno negativo. A referência dessa OT a 2 anos é a obrigação com maturidade a 15 de outubro de 2016 e cupão de 4,2%. Com o pagamento de 28% de IRS, de taxa liberatória, o juro líquido a receber anual é de 3,02%, e em ano e meio (3.02%+1.51%) é de 4.53%. Ou seja, como a obrigação cota a 106, na maturidade o investidor só irá receber 100, logo a rentabilidade (yield) líquida desta aplicação, hoje, não será de 0,1%, mas negativa de cerca -1,5% [4.53%+100%-106%] se tivermos em conta a fiscalidade e caso o investidor não tenha mais-valias noutros títulos para compensar a menos-valia. Se for um investidor conservador e só tiver esta obrigação em carteira, as notícias não são as melhores.

É normal encontrar investidores que em função do maior risco associado às ações e perante o seu perfil mais conservador só emprestam e não entram nos capitais próprios das empresas. Só adquirem obrigações ou depósitos a prazo e não compram ações.

O principal risco que assombra os mercados financeiros é a provável bolha que está a ser criada nos mercados obrigacionistas, nomeadamente nas obrigações do tesouro, mas também nas das empresas. Apesar da subida recente, os investidores compram com o intuito de vender mais alto. Como a tendência é de alta, os investidores continuam a comprar. Este comportamento recorda-nos outras épocas de bolhas maduras formadas, como o caso das dotcom em 1999, ou o que se passou em 1736 na "crise das tulipas". Os últimos a entrar irão absorver todo o choque da correção.

Quando chegar o ajustamento das obrigações, as taxas de juro vão subir e retirar atratividade às rentabilidades das ações, originando uma correção significativa dos mercados acionistas, dos mercados financeiros como um todo e por arrasto da economia real. A receita que está a ser utilizada pelo BCE poderá redundar numa nova crise financeira de dimensões parecidas com a de 2008.




http://www.fundspeople.pt/pessoas/paulo-monteiro-rosa-53196/blog/bolha-das-obrigacoes-31939

http://mises.org.pt/posts/artigos/bolha-das-obrigacoes/

Paulo Monteiro Rosa, economista.
In Vida Económica, 30 de abril de 2015.

quinta-feira, 2 de abril de 2015

VAI O DINHEIRO DO BCE CHEGAR ÀS EMPRESAS? COMO FUNCIONA ESSE MECANISMO?

Nas últimas 3 semanas, o Banco Central Europeu (BCE) comprou mais 41 mil milhões de euros em títulos do sector público, ao abrigo do "Quantitative Easing", o programa de compra de dívida pública, iniciado a 9 de março.

O BCE funciona como uma fábrica de dinheiro que não vende ao público. O artigo 123º do Tratado de Lisboa veda ao BCE qualquer empréstimo aos Estados, mas permite-lhe comprar títulos de dívida pública em mercado secundário, baixando, indiretamente os custos de financiamentos dos Estados.
São os bancos, como instituições de retalho, que fazem chegar o dinheiro às pessoas e empresas. Uma fábrica de sapatos não vende ao público, são as sapatarias que têm essa função…
Esse esmagamento das taxas de juro provocado pelo BCE proporciona, pela diminuição de alternativas de investimento, uma valorização dos títulos de dívida das empresas, das ações e também do imobiliário e, consequentemente, os detentores destes títulos beneficiam de um incremento patrimonial que poderá resultar numa maior propensão ao consumo e crescimento económico por esta via…

Este plano tem um objetivo: injetar liquidez na chamada "economia real", isto é, famílias e empresas. O BCE cria o dinheiro e concede-o aos bancos (OIM, Outras Instituições Monetárias) mas para chegar a quem o pede tem que passar o crivo do analista de crédito. Esse crivo é mais ou menos apertado, consoante a política que a administração do banco defina para o risco de crédito.

Tal como uma garrafa que, apesar de já estar cheia, é pressionada quase a dilatar-se a cada dia que passa, forçando o apertado gargalo a alargar-se… O BCE está a tentar empurrar os bancos para empréstimos que antes estariam fora de questão.

Para que o dinheiro chegue à economia é preciso, em primeiro lugar, que os agentes económicos - famílias e empresas - estejam recetivos a tomar dívida ou mais dívida para além daquela que têm e essa decisão depende do preço desse crédito, ou seja a taxa de juro a que os bancos (OIM) emprestam.

Como num outro qualquer setor, os bancos tentam vender crédito a um preço superior ao que compraram ao BCE ou captaram através dos depósitos aos seus clientes. E como acontece com outros bens ou serviços, a propensão para o consumo aumenta à medida que o preço diminui. Os agentes económicos só tomarão novo dinheiro se esse crédito for mais barato. A base monetária, ou seja a moeda emitida pelo BCE, pode aumentar indefinidamente mas se se mantiver nos bancos (nas OIM) a massa monetária como um todo não aumenta.
O total do stock de moeda numa economia é designado por massa monetária. Ou seja, os bancos comerciais, através do multiplicador monetário sobre a base monetária, também criam moeda a qual é denominada por moeda crédito (massa monetária = multiplicador monetário X base monetária). Se os bancos não emprestarem, o multiplicador monetário mantém-se inalterado, logo a massa monetária não aumenta.
No entanto saliento que a base monetária é constituída pela moeda em circulação, notas e moedas, acrescida das reservas dos bancos, compulsórias e livres, junto do banco central. E como estas reservas bancárias não estão na posse dos agentes económicos – logo não estão na economia - para um cálculo mais fidedigno, fará algum sentido expurgar o seu montante do total da massa monetária.

Penalizados com o crédito malparado dos últimos anos, a análise de risco de crédito dos bancos ficou mais exigente. A situação é quase paradoxal: os bancos estão inundados de dinheiro vindo do BCE, a um preço (taxa de juro) de 0%, mas nem por isso estão a conceder mais crédito.

O programa de compra por parte do BCE de ativos aos bancos melhora os rácios dos bancos. Com melhores balanços e mais almofadas, as administrações dos bancos ficam mais confortáveis para alargar o mercado do crédito, oferecer mais produtos e vender mais. O problema é que uma parte dos agentes não tem mesmo capacidade para solver os seus compromissos e pagá-los, e a outra parte não precisa de crédito.

Podemos concluir que um "quantitative easing da banca" só acontecerá se o risco das famílias e empresas, tal como percecionado pelos bancos, for diminuindo.

Por isso, a melhor forma para estimular a economia é diminuir os impostos e a despesa pública, papel que cabe aos governos, e para o qual o BCE já alertou.

Paulo Monteiro Rosa, economista.

In Vida Económica, 2 de abril.




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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.