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quinta-feira, 2 de abril de 2015

VAI O DINHEIRO DO BCE CHEGAR ÀS EMPRESAS? COMO FUNCIONA ESSE MECANISMO?

Nas últimas 3 semanas, o Banco Central Europeu (BCE) comprou mais 41 mil milhões de euros em títulos do sector público, ao abrigo do "Quantitative Easing", o programa de compra de dívida pública, iniciado a 9 de março.

O BCE funciona como uma fábrica de dinheiro que não vende ao público. O artigo 123º do Tratado de Lisboa veda ao BCE qualquer empréstimo aos Estados, mas permite-lhe comprar títulos de dívida pública em mercado secundário, baixando, indiretamente os custos de financiamentos dos Estados.
São os bancos, como instituições de retalho, que fazem chegar o dinheiro às pessoas e empresas. Uma fábrica de sapatos não vende ao público, são as sapatarias que têm essa função…
Esse esmagamento das taxas de juro provocado pelo BCE proporciona, pela diminuição de alternativas de investimento, uma valorização dos títulos de dívida das empresas, das ações e também do imobiliário e, consequentemente, os detentores destes títulos beneficiam de um incremento patrimonial que poderá resultar numa maior propensão ao consumo e crescimento económico por esta via…

Este plano tem um objetivo: injetar liquidez na chamada "economia real", isto é, famílias e empresas. O BCE cria o dinheiro e concede-o aos bancos (OIM, Outras Instituições Monetárias) mas para chegar a quem o pede tem que passar o crivo do analista de crédito. Esse crivo é mais ou menos apertado, consoante a política que a administração do banco defina para o risco de crédito.

Tal como uma garrafa que, apesar de já estar cheia, é pressionada quase a dilatar-se a cada dia que passa, forçando o apertado gargalo a alargar-se… O BCE está a tentar empurrar os bancos para empréstimos que antes estariam fora de questão.

Para que o dinheiro chegue à economia é preciso, em primeiro lugar, que os agentes económicos - famílias e empresas - estejam recetivos a tomar dívida ou mais dívida para além daquela que têm e essa decisão depende do preço desse crédito, ou seja a taxa de juro a que os bancos (OIM) emprestam.

Como num outro qualquer setor, os bancos tentam vender crédito a um preço superior ao que compraram ao BCE ou captaram através dos depósitos aos seus clientes. E como acontece com outros bens ou serviços, a propensão para o consumo aumenta à medida que o preço diminui. Os agentes económicos só tomarão novo dinheiro se esse crédito for mais barato. A base monetária, ou seja a moeda emitida pelo BCE, pode aumentar indefinidamente mas se se mantiver nos bancos (nas OIM) a massa monetária como um todo não aumenta.
O total do stock de moeda numa economia é designado por massa monetária. Ou seja, os bancos comerciais, através do multiplicador monetário sobre a base monetária, também criam moeda a qual é denominada por moeda crédito (massa monetária = multiplicador monetário X base monetária). Se os bancos não emprestarem, o multiplicador monetário mantém-se inalterado, logo a massa monetária não aumenta.
No entanto saliento que a base monetária é constituída pela moeda em circulação, notas e moedas, acrescida das reservas dos bancos, compulsórias e livres, junto do banco central. E como estas reservas bancárias não estão na posse dos agentes económicos – logo não estão na economia - para um cálculo mais fidedigno, fará algum sentido expurgar o seu montante do total da massa monetária.

Penalizados com o crédito malparado dos últimos anos, a análise de risco de crédito dos bancos ficou mais exigente. A situação é quase paradoxal: os bancos estão inundados de dinheiro vindo do BCE, a um preço (taxa de juro) de 0%, mas nem por isso estão a conceder mais crédito.

O programa de compra por parte do BCE de ativos aos bancos melhora os rácios dos bancos. Com melhores balanços e mais almofadas, as administrações dos bancos ficam mais confortáveis para alargar o mercado do crédito, oferecer mais produtos e vender mais. O problema é que uma parte dos agentes não tem mesmo capacidade para solver os seus compromissos e pagá-los, e a outra parte não precisa de crédito.

Podemos concluir que um "quantitative easing da banca" só acontecerá se o risco das famílias e empresas, tal como percecionado pelos bancos, for diminuindo.

Por isso, a melhor forma para estimular a economia é diminuir os impostos e a despesa pública, papel que cabe aos governos, e para o qual o BCE já alertou.

Paulo Monteiro Rosa, economista.

In Vida Económica, 2 de abril.




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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.