Muitas empresas levantam dinheiro no mercado através da emissão de
dívida, normalmente sob a forma de obrigações, para depois comprarem ações
próprias e impulsionarem o preço das suas ações. Uma estratégia que, além
de enganadora, está limitada à subida das taxas de juro.
As
empresas, nomeadamente as norte-americanas, têm-se financiado com
bastante frequência através da emissão de obrigações nos últimos 10
anos, beneficiando das baixas taxas de juro. No entanto, a política
monetária contracionista da Reserva Federal, através da subida da sua
taxa de juro de referência, dos 0.25% há três anos para perto dos 2%,
bem como a alta da inflação, podem limitar ou afastar as empresas desta
fonte de financiamento. Com base nas recentes vendas de obrigações em
mercado primário, parece que, finalmente, os investidores estão a ficar
satisfeitos com o nível de exposição às obrigações, designadamente de
boa qualidade (ou “Investment grade”, obrigações com rating de BBB ou
mais). Abaixo de BBB são obrigações consideradas “high yield” ou
especulativas, as denominadas “junk bonds”.
Há apenas duas
semanas, os investidores chegaram a oferecer algo sem precedentes: cerca
de 100 mil milhões de dólares na gigantesca emissão de obrigações
“investment grade”, no montante de 40 mil milhões dólares, da
farmacêutica norte-americana a CVS Health, com negócios também na área
de cuidados de saúde. Apesar do sucesso da emissão da CVS Health, o
volume de emissões de novas dívidas de empresas de boa qualidade está no
nível mais baixo desde 2014. O agregado das rentabilidades (yields) das
obrigações de qualidade das empresas subiu dos 3% em outubro de 2017
para os 3.68% na semana passada, o valor mais alto desde o finais de
2011.
O ponto de saturação está a aproximar-se, e o mercado de
dívida pode estar perto do seu ponto de inflexão após anos de fortes
ganhos. A subida das taxas de juro e o recrudescimento das políticas
protecionistas pesam sobre os lucros das empresas e preocupam os
investidores. Na última semana houve muito menos pedidos nas emissões de
novas obrigações do que era habitual. A procura em relação à oferta tem
descido, logo as empresas que emitem novas obrigações têm que pagar
juros mais altos em comparação com emissões anteriores. Ultimamente, em
mais de metade das novas emissões de obrigações os preços caíram quando
começaram a cotar no mercado secundário.
Parece que o tempo do
crédito fácil está a terminar. Antes, a procura nas emissões de
obrigações excedia três a quatro vezes a oferta. Na semana passada, e em
média, os pedidos foram cobertos apenas duas vezes. Como resultado, as
empresas emitentes de dívida pagaram em média mais 0,11 pontos
percentuais que nas emissões da semana anterior.
Os investidores
interpretam esta recente fraqueza como uma oportunidade de compra,
devido aos contínuos e robustos fluxos de caixa que as empresas
continuam a obter graças aos cortes de impostos e ao bom desempenho da
economia dos EUA. Mas a subida de taxas da FED vai penalizar as emissões
das empresas.
Essa desaceleração na compra de obrigações de
empresas vem após anos de crescente procura. O valor de mercado das
obrigações de grau de investimento duplicou nos últimos 10 anos,
enquanto a economia cresceu cerca de um terço.
Isso permitiu que as
empresas emitissem montantes de obrigações virtualmente ilimitados, cujo
produto seria usado na compra de ações próprias, sendo um dos fatores
que impulsionou a cotação das ações. No entanto, se o mercado de
obrigações sofrer uma ressaca, a recompra de ações alicerçada no crédito
pode acabar. Até porque o rendimento incremental nas ações em relação
às obrigações encolheu, nos últimos tempos, para o nível mais baixo
desde 2010…
Paulo Rosa, In Jornal Semanário "Vida Económica", 23 de março 2018
A transversalidade e Universalidade da ciência económica. O objecto de estudo da economia é a maximização do bem-estar do ser humano, mas não deixa de ser em sentido estrito. A ciência económica é mais abrangente. A todos os seres vivos e não vivos. Ver página "descrição do blog".
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