O acentuado crescimento, superior a 20%, do agregado monetário M2 norte-americano facilmente apontaria para uma inflação crescente, mas, até ao momento, a incerteza e o medo resultou numa acumulação de dinheiro pelos agentes económicos e o índice de preços no consumidor permanece estável. Os aumentos do M1 e do M2, desde março, refletem mais a aversão ao risco e o impacto das iniciativas fiscais do governo dos EUA do que a política monetária da Reserva Federal (FED).
No início de março, as empresas tornaram-se extremamente
avessas ao risco em antecipação à propagação da pandemia, aos confinamentos e
paralisações ditadas pelos governos que impactariam, certamente, os fluxos de
caixa. Muitas empresas temeram que os bancos cortassem as suas linhas de
crédito, e tomaram esses empréstimos não utilizados e a maior parte dos
rendimentos nas suas contas bancárias para quaisquer eventualidades. Os
depósitos bancários, o principal componente do M1, dispararam como resultado da
acumulação de dinheiro por parte das empresas e das famílias avessas ao risco.
Além dos programas fiscais do governo dos EUA, que suportaram o rendimento das
famílias, um avultado número de empréstimos e subsídios para empresas
aumentaram também os depósitos bancários.
Atualmente, o total do M2 nos EUA é pouco mais de 19
triliões de dólares, dos quais os depósitos de poupança correspondem a 11.9
triliões, os depósitos à ordem a 3.8 triliões, os depósitos a prazo a 1.5
triliões e a moeda em circulação a 2 triliões de dólares. A significativa
subida dos depósitos, e dos agregados monetários, é justificada pelo Programa
de Proteção ao Cheque de Pagamento (PPP), que reflete o esforço do governo de
660 biliões de dólares para apoiar pequenas empresas, através de empréstimos, a
manterem a força de trabalho empregada durante a pandemia. Também a utilização
de linhas de crédito por empresas como a Hilton, a Ford e a Boeing, que só em
março e abril levantaram mais de 201 biliões de dólares em capacidade
financeira para garantir acesso a liquidez, explicam a subida dos depósitos,
bem como o aumento da poupança das famílias perante a incerteza da pandemia.
As pessoas consomem mais se o futuro for mais previsível, se
houver mais emprego e maior previsibilidade quanto a rendimentos futuros. Um
substancial acréscimo no consumo que impacte consideravelmente a inflação passa
necessariamente, mas não é uma condição suficiente, por um robusto crescimento
económico. Os indicadores de confiança do consumidor estão em mínimos de
novembro de 2016 e são fundamentais para aferir a propensão das famílias ao
consumo e o impacto na inflação. A confiança das empresas é também importante
para estimar o quão disponíveis estão para gastar e investir e,
fundamentalmente, para contratar, criando mais postos de trabalho que poderão impulsionar
o consumo e a inflação.
No mundo pós-covid, com a reabertura das economias e a
melhoria da confiança, as famílias gastarão parte das suas poupanças acumuladas
face à incerteza da pandemia, estimulando o consumo, e as empresas reduzirão os
depósitos para financiar operações e saldar as suas linhas de crédito bancário
ativadas durante a pandemia. Os valores mais elevados do M1 e do M2 serão
revertidos, no entanto, atualmente, ainda se mantêm em máximos a espelhar a
contínua incerteza em virtude da segunda vaga da pandemia.
Os riscos de uma inflação alta indesejada só se
materializarão se o dinheiro criado pela FED gerar uma aceleração sustentada da
atividade económica que resulte num excesso de procura em relação à capacidade
produtiva instalada, e esta, no entanto, continua a estar sobredimensionada,
uma característica das economias desenvolvidas. Este risco deve ser
monitorizado de perto, mas, talvez, não seja uma das principais preocupações
quanto à subida da inflação. Todavia, se combinada com um aumento sem
precedentes na despesa pública, com o objetivo de estimular a economia, os
riscos de inflação serão reais. Após a crise financeira de 2008, o enérgico QE
da FED resultou em excesso de reservas no sistema bancário, mas não gerou uma
aceleração sustentada do PIB nominal e, consequentemente, a inflação permanece
firmemente baixa há 12 anos.
Paulo Monteiro Rosa, Vida Económica, 27 de novembro de 2020
Sem comentários:
Enviar um comentário