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sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

Parece inflacionista, mas não é


Na primavera, o balanço da Reserva Federal dos EUA (FED) aumentou cerca de 70%, e muitos analistas e economistas anteciparam, perante este significativo aumento da base monetária, uma subida da inflação. A FED tinha perpetrado um QE mais enérgico do que os seus principais congéneres, o Banco Central Europeu (BCE) e o Banco do Japão (BoJ), que havia resultado numa considerável subida do seu balanço, mas quase metade desse incremento deveu-se ao aumento da conta do tesouro junto da FED em 1.2 triliões de dólares, e a base monetária é igual ao passivo do banco central subtraído da conta do tesouro. Ou seja, a base monetária, em boa verdade, não aumentou 70%, mas pouco mais de 40%, uma subida já mais alinhada com o aumento de 40% do balanço do BCE e 20% do BoJ, mas ainda assim significativamente elevada.
O BCE e o BoJ desde a crise financeira de 2008 que adotam uma política monetária exclusivamente expansionista, há cerca de 12 anos, mas a FED ainda recentemente, no período que vai de 2015 a 2018, pautou a sua política monetária como contracionista. A existirem pressões inflacionistas, elas muito provavelmente deverão aparecer primeiro nos EUA, pela forte subida do balanço da FED e pela sua política monetária mais estabilizadora, do que nas restantes geografias desenvolvidas da Europa e do Japão que se debatem mais com preocupações ao nível da deflação do que propriamente de inflação indesejável. Por isso, é mais racional estudar as várias variáveis macroeconómicas norte-americanas, desde o nível do emprego ao crescimento do PIB, e respetivas movimentações da FED, para aferir e monitorizar um aumento inoportuno e inadequado do nível de inflação.
A Teoria Quantitativa da Moeda refere a equivalência entre o nível da massa monetária e a produção, compreendida pelo PIB nominal. São os agregados monetários traduzidos pela massa monetária, por exemplo M1 e M2, que fazem parte do primeiro membro da equação e não a base monetária, espelhada na moeda central criada pelos bancos centrais. Grosso modo, a massa monetária só aumenta quando é criada moeda crédito, ou seja, quando é concedido crédito e temos crescimento, por exemplo, do M1. Mas nos últimos 9 meses nos EUA o M1 subiu mais de 40%, de 4 triliões de dólares para 5.7 triliões! E o M2 cerca de 20% de 16 triliões de dólares para 19 triliões! Todavia, esse crescimento deveu-se em grande parte à incerteza da pandemia. Muitas empresas ativaram as sua linhas de crédito, em março, para quaisquer eventualidades, mas o dinheiro permaneceu parqueado nos bancos. O Estado apoiou linhas de crédito para que as pequenas empresas mantivessem os postos de trabalho. A taxa de poupança aumentou significativamente, em parte devido aos cheques do governo às famílias. A incerteza resultou também num aumento histórico da conta do Tesouro junto da FED. O confinamento, o encerramento de fábricas e a diminuição da procura de matérias-primas, culminaram numa escassez de dólares dos países emergente e a FED teve que emprestar cerca de 400 biliões de dólares (os Swaps do balanço da FED) aos bancos centrais emergentes em abril e maio, que entretanto já foram integralmente saldados. Toda esta moeda não redundou em inflação de preços porque esta não chegou a ser utilizada no consumo.
As guerras são sucedidas por períodos inflacionistas devido à destruição do tecido produtivo. A pandemia culminou em confinamentos e encerramentos temporários das empresas, mas a capacidade instalada manteve-se inalterada, e quando muito poderia ter existido alteração de proprietários. O aumento na oferta de moeda pela FED só é inflacionista se o dinheiro chegar à economia, mas nos últimos 10 anos os preços dos bens e serviços aumentaram 18% e o SP500 cerca de 200%. São fatores deflacionistas: mais tecnologia com a aceleração da quarta revolução industrial, caso a globalização regresse a níveis pré-covid, multiplicadores monetários contantes ou descendentes, velocidade da massa monetária em queda, taxa de poupança crescente, queda do peso dos salários em relação ao PIB e excesso de capacidade produtiva instalada. Poderão ser inflacionistas a desvalorização do dólar e uma política orçamental profundamente expansionista.

In Vida Económica, Paulo Rosa, 4 de dezembro 2020

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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.