O Banco Central Europeu (BCE) irá discutir na próxima reunião de política monetária, no dia 22 de julho, a fixação da sua meta de inflação em 2% no médio prazo, abandonando a formulação anterior de "abaixo, mas perto de 2%", que reconhecia uma maior preocupação com o crescimento dos preços acima da meta dos 2% do que abaixo dela. Todavia, esta nova política não é uma média à volta dos 2% e o BCE não pretende compensar com inflação os períodos deflacionistas da última década e meia, tal como a Reserva Federal dos EUA (Fed) procura desde a adoção de uma estabilidade de preços à volta dos 2%, em agosto do ano passado.
A adoção da nova política pelo BCE permite preços acima dos 2% para estimular o crescimento económico após a crise ditada pela pandemia, enquanto que a superação dos 2% para o banco central dos EUA é para impulsionar o crescimento económico e alcançar o pleno emprego, mas também para compensar anos marcadamente deflacionistas. Aqui reside a principal diferença entre a nova meta do BCE e da Fed. A meta do BCE, apesar de desafiar os cânones do Bundesbank, fica ainda aquém do objetivo de estabilidade de preços traçado pela Fed.
O BCE refere que a meta é simétrica, o que significa que desvios negativos e positivos da inflação em relação à meta são sempre indesejáveis. O banco central da Zona Euro admitiu que em certas situações, quando é necessário um apoio monetário especialmente forte ou persistente para impulsionar a economia, a inflação poderá exceder moderada e temporariamente a sua meta e, nestas situações, os 2% não são necessariamente um teto.
Contudo, a nova meta de preços do BCE indicia uma política monetária manifestamente ainda mais ‘dovish’ e, implicitamente, ancora a bitola da inflação de preços na Zona Euro acima dos valores anteriores. E para alcançar preços mais elevados, o BCE terá que ser ainda mais arrojado nas já enérgicas políticas monetárias expansionistas e manter as taxas de juro baixas durante um longo período de tempo.
Uma meta mais flexível para a inflação permite inferir que o BCE antecipa que as variáveis deflacionistas das últimas décadas manter-se-ão intactas nas economias avançadas. A globalização, e a sua característica eminentemente concorrencial, continuará a favorecer a queda dos preços e os avanços tecnológicos a aumentarem a produtividade, a descida dos custos das empresas e a impulsionar o fenómeno deflacionista.
No entanto, a China, a par dos países do leste da Europa, contribuíram em grande parte para a deflação das últimas três décadas das economias avançadas, mas atualmente o envelhecimento da população, nomeadamente da China devido à política de um filho, apesar de revertida em 2011 para dois filhos e em maio de 2021 para três, poderá abrandar a produção chinesa, diminuir a sua poupança e excedente comercial, e deixar de exportar deflação para as economias ocidentais. Tendencialmente, o envelhecimento da população é inflacionista, porque é sinónimo de menos produção, mas o consumo mantém-se muito semelhante, com os bens duradouros como carros, casas e eletrodomésticos a serem substituídos na velhice por crescentes cuidados de saúde. Menos produção face aos mesmos níveis de consumo resulta numa subida de preços.
Países emergentes e economias de fronteira com populações jovens, desde a Índia ao continente africano, passando pela América Latina e pela Indochina são potenciais candidatos a assumirem o ritmo de produção chinês de crescimento médio do PIB de 10% de 1990 até 2010. Contudo, alguns destes países têm sociedades estratificadas e aparelhos produtivos desestruturados e outros baixos níveis de educação e de saúde, tudo entrave ao aumento da produção global e exportação de deflação para as economias avançadas.
Em suma, se a produção dos países emergentes e de fronteira não aumentar, as próximas décadas na Europa, no Japão e nos EUA poderão ser mais inflacionistas e os seus bancos centrais reverterão para contracionistas as suas políticas monetárias para travarem potenciais fenómenos indesejáveis de subida de preços. O problema no futuro poderá ser mais a inflação e menos a deflação. Atualmente, o BCE procura inflacionar a sua economia com uma crescente política monetária expansionista e subida da fasquia da inflação, mas o futuro poderá evidenciar o oposto…
Paulo Monteiro Rosa, In Vida Económica, 16 de julho de 2021
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