O ser humano precisa de consumir para sobreviver.
Mas, por vezes, a produção de um determinado país não consegue mitigar as
necessidades elementares da sua população e a inflação de preços tende a subir
significativamente. Nesses países a poupança é escassa e os défices das
balanças correntes são elevados.
O crescente envelhecimento da população e o
consequente aumento da dependência causam um gradual declínio da produção.
Menos trabalhadores significam menos produtores. Menos oferta perante a mesma
procura implica subida dos preços. Em suma, o envelhecimento da população é
inflacionista do ponto de vista da produção, tal como uma doença, mais ou menos
incapacitante, causa uma diminuição da produção e por conseguinte um aumento da
inflação. Se, no limite, toda a população estivesse doente não haveria
produção, apenas consumo, e os preços tenderiam para infinito.
Níveis elevados de poupança podem adiar a
inflação numa população cada vez mais envelhecida e garantem taxas de juro
baixas que suportam o financiamento da economia e promovem o investimento. Numa
abordagem seccionada da população, os trabalhadores mais jovens são
tendencialmente inflacionistas, consomem mais do que produzem, têm baixos
níveis de poupança e antecipam o consumo recorrendo ao crédito alicerçado nas
poupanças dos trabalhadores seniores, a fase da vida mais propensa à deflação.
Os reformados apenas consomem suportados pelas poupanças de uma vida e tendem a
ser um contributo para inflacionar os preços. Uma população envelhecida consome
fundamentalmente bens essenciais quotidianos, onde os cuidados de saúde têm um
peso eminentemente crescente, e menos bens duradouros, tais como casa, carros e
eletrodomésticos.
Nas últimas décadas, a China contribuiu
consideravelmente para o aumento da produção mundial, para a crescente
globalização e ‘exportação’ de deflação para as economias avançadas. A economia
chinesa respondia por apenas 1,27% do PIB mundial em 1990, quase 5% em 2000,
cerca de 10% em 2010 e 17% em 2020. Desde que a China começou a abrir e a
reformar a sua economia em 1978, o crescimento do PIB foi em média 10% ao ano,
e mais de 800 milhões de pessoas foram retiradas da pobreza. Houve melhorias
significativas no acesso à saúde e à educação. A China é agora um país de
rendimento médio alto. A par da China, os países do leste da Europa também
contribuíram para o fenómeno deflacionista e diminuição do peso dos salários
nas economias avançadas. A mão de obra mais barata da China e das economias do
leste da Europa desvalorizou o fator trabalho nos países desenvolvidos. As
empresas das economias avançadas têm apostado mais na recompra de ações e não
investem o suficiente para que a produtividade marginal do trabalho volte a
crescer. Logo há aumento da desigualdade na redistribuição dos rendimentos no
ocidente, fraco crescimento económico, baixas taxas de juro e longos períodos
deflacionistas. Contudo, a desigualdade entre economias avançadas e emergentes
diminuiu substancialmente.
Todavia, a poupança chinesa e a sua
contribuição deflacionista tendem a diminuir, influenciadas, em parte, pela
política de um único filho de 1980. A recente decisão para que na China se
permita que casais tenham até três filhos, adotada em maio de 2021,
provavelmente não irá conter a desaceleração no crescimento populacional de
acordo com a Fitch. Atualmente, a faixa etária dos 0 aos 14 anos representa
apenas 18% da população, abaixo da média mundial e indicia uma redução da força
de trabalho na próxima década.
O Japão tem uma taxa de fertilidade muito
baixa, uma elevada longevidade e é o país mais envelhecido do mundo, mas tem
experienciado deflação há 20 anos. No entanto, cerca de 30% da população com
mais de 65 anos trabalha e representa 13,4% da força de trabalho, valor que
triplicou em 40 anos. A força de trabalho no Japão é de 62%, aumentou 4 pontos
percentuais (pp) nos últimos 10 anos, pouco abaixo dos 66% da China que
diminuiu cerca de 15 pp desde 2000. O Japão tem pleno emprego, é o maior
exportador mundial, a par da Alemanha, e tem um crescimento estável potenciado
pelo elevado progresso tecnológico. Ademais, o Japão tem ‘importado’ deflação
da China.
A Índia e o continente africano são os
principais candidatos para desempenharem o papel deflacionista da China e dos
países do leste da Europa nas próximas décadas, mas entraves políticos,
economias desestruturadas e sociedades estratificadas podem ser obstáculos.
Outras economias emergentes, tais como a América Latina e a Indochina podem ser também potenciais candidatos para compensar a China…
Paulo Monteiro Rosa, In VE, 2 de julho 2021
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