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quinta-feira, 1 de julho de 2021

Inflação e envelhecimento demográfico

O ser humano precisa de consumir para sobreviver. Mas, por vezes, a produção de um determinado país não consegue mitigar as necessidades elementares da sua população e a inflação de preços tende a subir significativamente. Nesses países a poupança é escassa e os défices das balanças correntes são elevados.

O crescente envelhecimento da população e o consequente aumento da dependência causam um gradual declínio da produção. Menos trabalhadores significam menos produtores. Menos oferta perante a mesma procura implica subida dos preços. Em suma, o envelhecimento da população é inflacionista do ponto de vista da produção, tal como uma doença, mais ou menos incapacitante, causa uma diminuição da produção e por conseguinte um aumento da inflação. Se, no limite, toda a população estivesse doente não haveria produção, apenas consumo, e os preços tenderiam para infinito.

Níveis elevados de poupança podem adiar a inflação numa população cada vez mais envelhecida e garantem taxas de juro baixas que suportam o financiamento da economia e promovem o investimento. Numa abordagem seccionada da população, os trabalhadores mais jovens são tendencialmente inflacionistas, consomem mais do que produzem, têm baixos níveis de poupança e antecipam o consumo recorrendo ao crédito alicerçado nas poupanças dos trabalhadores seniores, a fase da vida mais propensa à deflação. Os reformados apenas consomem suportados pelas poupanças de uma vida e tendem a ser um contributo para inflacionar os preços. Uma população envelhecida consome fundamentalmente bens essenciais quotidianos, onde os cuidados de saúde têm um peso eminentemente crescente, e menos bens duradouros, tais como casa, carros e eletrodomésticos.

Nas últimas décadas, a China contribuiu consideravelmente para o aumento da produção mundial, para a crescente globalização e ‘exportação’ de deflação para as economias avançadas. A economia chinesa respondia por apenas 1,27% do PIB mundial em 1990, quase 5% em 2000, cerca de 10% em 2010 e 17% em 2020. Desde que a China começou a abrir e a reformar a sua economia em 1978, o crescimento do PIB foi em média 10% ao ano, e mais de 800 milhões de pessoas foram retiradas da pobreza. Houve melhorias significativas no acesso à saúde e à educação. A China é agora um país de rendimento médio alto. A par da China, os países do leste da Europa também contribuíram para o fenómeno deflacionista e diminuição do peso dos salários nas economias avançadas. A mão de obra mais barata da China e das economias do leste da Europa desvalorizou o fator trabalho nos países desenvolvidos. As empresas das economias avançadas têm apostado mais na recompra de ações e não investem o suficiente para que a produtividade marginal do trabalho volte a crescer. Logo há aumento da desigualdade na redistribuição dos rendimentos no ocidente, fraco crescimento económico, baixas taxas de juro e longos períodos deflacionistas. Contudo, a desigualdade entre economias avançadas e emergentes diminuiu substancialmente.

Todavia, a poupança chinesa e a sua contribuição deflacionista tendem a diminuir, influenciadas, em parte, pela política de um único filho de 1980. A recente decisão para que na China se permita que casais tenham até três filhos, adotada em maio de 2021, provavelmente não irá conter a desaceleração no crescimento populacional de acordo com a Fitch. Atualmente, a faixa etária dos 0 aos 14 anos representa apenas 18% da população, abaixo da média mundial e indicia uma redução da força de trabalho na próxima década.

O Japão tem uma taxa de fertilidade muito baixa, uma elevada longevidade e é o país mais envelhecido do mundo, mas tem experienciado deflação há 20 anos. No entanto, cerca de 30% da população com mais de 65 anos trabalha e representa 13,4% da força de trabalho, valor que triplicou em 40 anos. A força de trabalho no Japão é de 62%, aumentou 4 pontos percentuais (pp) nos últimos 10 anos, pouco abaixo dos 66% da China que diminuiu cerca de 15 pp desde 2000. O Japão tem pleno emprego, é o maior exportador mundial, a par da Alemanha, e tem um crescimento estável potenciado pelo elevado progresso tecnológico. Ademais, o Japão tem ‘importado’ deflação da China.

A Índia e o continente africano são os principais candidatos para desempenharem o papel deflacionista da China e dos países do leste da Europa nas próximas décadas, mas entraves políticos, economias desestruturadas e sociedades estratificadas podem ser obstáculos. Outras economias emergentes, tais como a América Latina e a Indochina podem ser também potenciais candidatos para compensar a China…

Paulo Monteiro Rosa, In VE, 2 de julho 2021




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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.