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quarta-feira, 16 de março de 2022

Gasolina acelera inflação

Na última semana, a cotação do barril de petróleo desceu mais de 30% e regressou a valores inferiores aos 100 dólares. A guerra na Ucrânia tem pressionado os preços da energia, dos metais e dos produtos agrícolas, mas o recente surto de Covid-19 na China, o pior desde março de 2020, poderá desencadear novas restrições nas principais cidades, abrandar a economia chinesa e diminuir a procura de petróleo. Adicionalmente, a esperança de que a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos possam aumentar a produção de petróleo também aliviou a cotação. Preços dos combustíveis fósseis elevados incentivam a procura de energias alternativas, nomeadamente renováveis, e aceleram a transição energética, cenário que não interessa aos países cujas economias estão sobretudo assentes nas receitas das exportações de petróleo e gás natural. Entretanto, nos últimos dias o preço de um galão de gasolina nos EUA atingiu os 4,69 dólares, recorde histórico, acima dos 4,10 dólares registados em julho de 2008. Se em fevereiro a inflação nos EUA já havia sido penalizada pelo preço da gasolina, em março a intensificação da inflação será novamente uma realidade alicerçada na subida dos preços dos combustíveis.

Em fevereiro, nos EUA, o Índice de Preços no Consumidor (IPC) subiu 7,9% em termos homólogos, e os aumentos dos preços da gasolina, das rendas de casa, da alimentação e dos veículos usados representaram 67% dessa subida. 

Nos EUA, o preço da gasolina aumentou 38% entre fevereiro de 2021 e fevereiro de 2022 e respondeu por 1,3 pontos percentuais (pp) da subida de 7,9% do IPC. O item gasolina pesa 3,72% no IPC norte-americano e nos últimos 12 meses foi responsável por quase um quinto do aumento no agregado dos preços nos EUA. A subcategoria carros e camiões usados, cujo peso é de 4,17% no índice de preços, subiu 41,2% e respondeu por 1,6 pp da subida do IPC. Os preços da gasolina e dos veículos usados pesam menos de 8% na formação do IPC, mas foram responsáveis por 37% da subida. Os preços da alimentação aumentaram 7,9% nos últimos 12 meses, valores idênticos à subida do agregado do IPC, contribuindo para 1 pp da alta dos preços. Os custos das mensalidades com a habitação (‘shelter’), cujo peso de 32,8% é o mais elevado no índice de preços, aumentaram 4,7% entre fevereiro de 2021 e fevereiro deste ano, e representaram 1,4 pp da subida de 7,9% do IPC. Os preços dos veículos novos pesam 4,1% no IPC, subiram 12,4% em fevereiro relativamente ao mês homólogo do ano passado e contribuíram para um aumento de 0,5 pp. As subcategorias mobiliário e utensílios domésticos, e vestuário e calçado subiram 10,6% e 6,6%, respetivamente, nos últimos 12 meses, talvez mais impulsionados pelo aumento da procura reprimida pela pandemia.

Em termos mensais, a alta do preço da gasolina respondeu por quase um terço da subida do IPC em fevereiro relativamente a janeiro, um aumento de 6,6%. Todavia, em janeiro o preço da gasolina tinha-se mantido inalterado, mas nesse mês o custo da eletricidade havia aumentado 4,2%, explicando quase 15% do aumento do IPC. Gasolina e eletricidade representam 85% do item energia. Os gastos com arrendamento de casa cresceram 0,6% em fevereiro, significativamente acima da média mensal do último ano, e representaram 20% do aumento do IPC. Os preços com alimentação aumentaram 1,1% e espelharam 15% da subida mensal do IPC. Em fevereiro, os preços dos serviços de transporte subiram 1,6%, e responderam por 9% da subida mensal, com maior destaque para a manutenção e reparação de veículos, bilhetes de avião e seguro automóvel. Além disso, os preços dos seguros sofreram um agravamento mensal generalizado, à semelhança do mês de janeiro, tais como os seguros de saúde. Os preços dos carros e camiões usados desceram 0,2% em fevereiro e desde o verão do ano passado têm estabilizado, refletindo uma gradual melhoria nas cadeias de abastecimento e na recuperação do setor dos semicondutores.

A NAIRU (‘non-accelerating inflation rate of unemployment’), ou seja, o nível de emprego acima do qual não há aceleração da inflação é de 4,4% de acordo com a Reserva Federal de St. Louis. E o choque da oferta de trabalho impulsionado pela covid-19 provavelmente aumentou ainda mais a NAIRU. Mas a taxa de desemprego nos EUA de 4%, inferior à NAIRU, não tem acelerado a inflação. O quase pleno emprego, refletido no nível histórico de ofertas de emprego, tem impulsionado o aumento dos salários em boa parte das empresas norte-americanas, subidas que têm sido absorvidos pelos ganhos de produtividade. Os serviços são mais intensivos em mão de obra, mas os preços da educação, cuidados de saúde, medicamentos, material escolar, comunicações, entretenimento e tecnologia mantêm-se relativamente estáveis. Na alimentação a subida dos preços é mais elevada em casa comparativamente a fora de casa. O setor dos serviços representa 77% da economia norte-americana.

 

Paulo Monteiro Rosa, 16 de março 2022 In VE




sexta-feira, 4 de março de 2022

Aumentam os receios de estagflação

A invasão da Ucrânia pela Rússia está a reverter muitas das atuais políticas externas da Europa. A título de exemplo, a União Europeia, agora, procura diminuir a sua dependência energética para mitigar futuros cenários de estagflação, ou seja, estagnação económica associada a elevada inflação.

Petróleo, gás e eletricidade têm um peso relevante na formação de preços no IPC das economias avançadas. O aumento dos preços da energia respondeu por 25% da subida dos preços no consumidor nos EUA em janeiro e mais de metade na Zona Euro.

Há 15 dias, o futuro do gás natural TTF Holandês para entrega em abril cotava à volta de 70 euros o MWh. No passado dia 2 de março, o preço alcançou os 193 euros o MWh.

Na década de 1970, os sucessivos aumentos dos preços do petróleo redundaram numa crise energética, numa subida significativa da inflação e, consequentemente, recessão económica. É nessa altura que é cunhado o termo estagflação. As economias avançadas procuraram alternativas ao petróleo e intensificaram os seus projetos nucleares. Na década de 1980, a energia nuclear fornecia uma parte significativa da eletricidade na Europa e nos EUA, mas os movimentos ecologistas e os acidentes em Chernobyl em 1986 e Fukushima em 2011 travaram novos projetos nucleares e reduzem gradualmente o peso do nuclear no ‘mix’ energético. Mesmo nos EUA, desde o ano 2000 a produção da energia nuclear estagnou nos 800 terawats hora (TWh) e responde por 20% da produção de eletricidade no país. Em França, o nuclear representa 70% da eletricidade produzida no país. A França tem 56 reatores nucleares, o maior número a seguir aos EUA com 93. O presidente francês Emmanuel Macron pretende implementar no país reatores atómicos de nova geração, os pequenos reatores modulares avançados (Advanced Small Modular Reactors, os SMR), enquanto o país procura reduzir as emissões de CO2.

A natureza intermitente das energias renováveis, tais como a eólica, a solar e a hídrica, não responde cabalmente às constantes necessidades energéticas da economia. Na prossecução do objetivo de descarbonização, a energia nuclear poderia complementar a produção de eletricidade, mas há uma perceção negativa quanto à utilização desta energia. A mente humana foca-se mais na concentração do risco do que na sua dispersão. O acidente nuclear de Fukushima em 2011 impulsionou os preços da eletricidade no Japão nos anos seguintes e ditou o encerramento de parte das centrais nucleares a nível global.

A intensificação dos preços do petróleo e do gás natural com a invasão da Ucrânia pela Rússia de Putin, realça bem a tibieza da economia europeia em termos energéticos e a significativa dependência do gás natural russo. Tal como na década de 1970, agora os países europeus procuram diminuir a sua dependência energética face ao exterior e o hidrogénio e o nuclear são alternativas que cumprem os objetivos de descarbonização até 2050.

A aceleração da inflação nos EUA e na Europa poderá ser uma realidade impulsionada pela subida das cotações do petróleo. O peso da energia é significativo no índice de preços no consumidor. Os bancos centrais procuram mitigar os efeitos da inflação com uma política monetária contracionista, subindo os juros e acabando com os estímulos monetários. Mas esta postura poderá redundar numa forte desaceleração económica. Há um ‘trade-off’, consubstanciado na curva de Philips, entre combater a inflação e manter o pleno emprego. É muito difícil travar a atual inflação, em parte energética, com uma subida de taxas, sem penalizar o crescimento económico. Os mercados já antecipam, agora, menos subidas de juros. Os futuros negociados na bolsa derivados de Chicago indiciam apenas 5 subidas de juros este ano, para o intervalo [1,25% a 1,50%] em dezembro. Há um mês eram pelo menos 7 subidas.

A elasticidade da procura de energia é muito rígida, isto é, a subida dos preços dos combustíveis, do gás e da eletricidade trava pouco o consumo destes produtos energéticos, vitais para o funcionamento da economia. A subida das taxas de juro pelos bancos centrais vai diminuir o rendimento e abrandar o consumo de outros bens menos essenciais. Mas são os rendimentos baixos e médios que influenciam a evolução da inflação, rendimentos que são gastos, em boa parte, com bens de primeira necessidade. As políticas contracionistas dos bancos centrais podem ser inócuas e conduzirem a uma recessão económica face à dependência energética.

Paulo Monteiro Rosa, In Vida Económica, 2 março 2022





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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.