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sexta-feira, 17 de junho de 2022

Inflação e ciclos económicos


Desde os primórdios da humanidade, as várias civilizações evidenciam uma tendência de crescimento económico no longo prazo. Desde as civilizações mais antigas firmadas em Estados mais ou menos feudais, governados por regimes autocráticos, às atuais economias avançadas, alicerçadas na liberdade e na democratização da saúde e do conhecimento, no trabalho produtivo e em democracias maduras, a economia sempre se desenvolveu e cresceu no longo prazo. Na realidade, a economia é caracterizada por altos e baixos, por ciclos económicos, desde os mais longos de kondratieff, passando pelos de Kuznets e Juglar, aos mais curtos de Kitchin. Às fases mais longas de maior crescimento surgem outras fases mais curtas de menor crescimento, ou mesmo recessão, consequência dos sucessivos desequilíbrios entre a oferta e a procura de bens e serviços, e a oferta e a procura de moeda. Ao ritmo dos constantes desajustamentos e contínuos reequilíbrios foram sendo definidos os níveis de inflação e dos juros a cada momento.  

Se no longo prazo, desde os primórdios da humanidade, a tendência do crescimento económico é de alta, no curto prazo existem desajustamentos influenciados pelas preferências dos vários agentes económicos: famílias, empresas e Estado.


Na verdade, o crescimento económico é caracterizado pelo acréscimo de riqueza, mas, muitas vezes, acarreta também com ele uma ‘falsa’ perceção de riqueza. O dinheiro fácil, a alta dos mercados acionista e obrigacionista, a valorização do mercado imobiliário, as políticas económicas energicamente expansionistas, o aumento do valor dos ativos financeiros emergentes desde as criptomoedas aos NFts e às SPACS, passando por fases idênticas aos ‘loucos anos 20’ que antecederam 1929 ou às ‘ponto.com’ no ano 2000, dão uma sensação de poder, de riqueza, de quase ‘omnipotência’, e de que ninguém mais precisa de trabalhar e de que tudo está muito mais facilitado. Temos mais pessoas a consumir e menos a trabalhar. É nestas alturas que a oferta de bens e serviços não acompanha a crescente procura baseada no dinheiro fácil. Enquanto o aumento de produtividade, suportado pelo crescimento económico, sustentar a alta dos salários e o aumento do rendimento disponível, o ciclo de alta poder-se-á manter. Mas à medida que as dificuldades do lado da oferta se agravam e os preços dos combustíveis fósseis e da alimentação aumentam significativamente, como acontece atualmente, o crescimento económico abranda, a inflação aparece, o ciclo acaba, e um período de estagflação poderá ser uma realidade. Se nos próximos tempos, os preços do petróleo e do gás natural diminuírem e as cadeias de abastecimento forem restabelecidas, um aumento da oferta ajustar-se-á à atual procura e a inflação regressará aos níveis desejados de 2%. O desajustamento entre a oferta e a procura é, talvez, uma das principais razões para o fim de um robusto período de crescimento e para existência de ciclos económicos. Atualmente há escassez de mão de obra e, aliado à escassez de mão de obra, as dificuldades do lado da oferta são principalmente ampliadas pela considerável alta dos preços da energia.

Ao longo do ciclo económico existe um constante reequilíbrio entre a oferta e a procura de bens e serviços, e os preços vão-se ajustando. A uma procura robusta associada a um gradual aumento da oferta, salários mais elevados, aumento do rendimento disponível, segue-se um aumento da inflação, como sinónimo de crescimento económico. É a inflação do lado da procura. É salutar, mas pode não ser sustentável no longo prazo. As pessoas consomem mais, mas, por vezes, começam a trabalhar menos. Políticas económicas contracionistas são necessárias para refrear o consumo, tentar reequilibrar o ciclo e mantê-lo em alta, procurando impedir uma recessão. Neste cenário, as políticas monetária e orçamental devem ser contracionistas, assentes num aumento das taxas de juro e diminuição dos gastos públicos.
Mas quando a oferta de bens e serviços diminui e a procura agregada aumenta, o ponto de equilíbrio para o mesmo PIB potencial é definido por uma inflação muito mais elevada e os preços serão tantos maiores quanto maior for a diminuição da oferta. É a inflação de custos ou do lado da oferta, atualmente cada vez mais predominante na economia global. Custos mais elevados diminuem a capacidade de produzir, mesmo com excesso de capacidade instalada, desde energia mais cara, preços das matérias-primas mais altos e salários mais elevados. Aqui a política monetária continua a ser contracionista, mas caracterizada por um criterioso aumento dos juros para impedir uma recessão, no entanto a política orçamental deve ser expansionista definida por um descida de impostos, nomeadamente os indiretos, mais especificamente aqueles que recaem sobre os bens importadados como combustíveis fósseis.  

PMR In VE 17 junho 2022



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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.