A globalização além de ter dado oportunidade a muitos países
de saírem da pobreza, tal como referiu Adam Smith, com as vantagens absolutas
ao nível do comércio internacional, e mais tarde David Ricardo, com as
vantagens comparadas, tem permitido que muitos, mesmo que não sejam
competitivos na produção de nenhum bem, continuem a especializar-se na produção
daquilo que fazem de melhor. A globalização é uma mais-valia preciosa para o
bem-estar mundial, mas políticas protecionistas colocam em causa este benefício
económico. Todavia, cada país deve sempre assegurar educação, conhecimento,
liberdade e saúde para as suas populações, independentemente do seu nível de
especialização, e garantir a segurança de produtos base, tais como energia e
alimentos agrícolas não processados.
A economia portuguesa é das mais abertas, logo também das
mais penalizadas pelo aumento do protecionismo. Um crescente protecionismo
alimentar global tem aumentado principalmente nas economias emergentes, as
maiores produtoras mundiais de alimentos agrícolas, e os efeitos ameaçam
espalhar-se às economias avançadas, agudizando a inflação e ameaçando a
segurança alimentar global.
A guerra na Ucrânia está na origem do recente aumento do
protecionismo alimentar. A Rússia é o maior exportador mundial de trigo e a
Ucrânia um dos maiores. Rússia e Ucrânia respondem por mais de metade da
produção mundial de óleo de girassol. A Ucrânia é o terceiro maior exportador
global de milho, mas bloqueios russos nos portos ucranianos do mar Negro
impedem a exportação de milhões de toneladas de cereais que permanecem
armazenadas em silos na Ucrânia. Também as sanções económicas ocidentais,
apesar de a Rússia esperar uma colheita quase histórica este ano, dificultam a
distribuição e exportação dos cereais russos. Os portos russos para a União
Europeia foram sancionados e os pagamentos dificultados. Apesar de a Rússia
continuar a exportar os seus cereais, as dificuldades com logística e
pagamentos causadas pelas sanções ocidentais a Moscovo são uma realidade,
impulsionando os preços nos mercados internacionais de bens agrícolas
essenciais como o trigo, milho e óleo de girassol. Adicionalmente, as colheitas
de cereais do final do verão destinam-se em grande parte à alimentação do gado
no inverno, mas as dificuldades nas cadeias de abastecimento ameaçam a
alimentação dos animais, evidenciam futura escassez de carne e aumento do seu
preço.
A China e a Índia são os maiores produtores mundiais de
trigo e arroz, mas a maior parte das suas colheitas são para consumo interno e
satisfazem as necessidades de 36% da população mundial. A possibilidade de
falta de trigo nos mercados internacionais aumenta a procura de cereais
alternativos como o arroz. A Índia é responsável por quase metade das
exportações mundiais de arroz e não teria um substituto nos mercados
internacionais se deixasse de exportar. Os cereais são a base da dieta global e
a sua escassez aumenta a possibilidade de uma crise alimentar, além de elevar a
inflação. Em suma, menos cereais no mercado global elevam potenciais tensões sociais,
mais visíveis em países subdesenvolvidos.
Os cereais são cada vez mais valiosos e há uma propensão dos
agentes económicos guardarem o que tende a valorizar. As pessoas acumulam o que
é percecionado como mais escasso. É assim com moedas, metais preciosos e
qualquer bem económico, numa alusão à lei de Gresham. A Malásia proibiu as
exportações de frango, causando consternação em Singapura que importa um terço
dessa carne de ave da região malaia. A Índia tomou medidas para conter as
exportações de trigo e açúcar. A Indonésia restringiu as vendas de óleo de
palma.
Os países mais pobres são mais vulneráveis ao aumento dos
preços dos alimentos e à escassez, mas as economias mais avançadas não estão
imunes. Quase 10 milhões de britânicos cortaram alimentos em abril em
consequência do aumento do custo de vida. França emitiu vales-alimentação. Os
restaurantes dos EUA diminuem o tamanho das doses, numa alusão à
‘shrinkflation’ ou ‘reduflação’, técnica utilizada num contexto de elevada
inflação. O aumento dos preços nas economias avançadas afeta
desproporcionalmente as famílias de menores rendimentos que gastam grande parte
do seu dinheiro em alimentos.
PMR In VE 3 junho 2022
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