Since December 25th, 2010

Translate

quarta-feira, 14 de setembro de 2022

Investidores focados no alívio da inflação em 2023


Os ciclos económicos e os mercados financeiros não andam de mãos dadas. Há uma velha perceção, mais ou menos consensual, entre os investidores mais experientes de que “os mercados antecipam a economia em 6 meses”, ou pelo menos tentam, alicerçados no máximo de indicadores avançados da economia. Atualmente os investidores focam-se cada vez mais nas perspetivas para a inflação na primavera de 2023, mais precisamente na desinflação e numa possível reversão da alta dos juros, facto corroborado pela evolução mais favorável dos mercados acionistas nos últimos 3 meses. 


No passado dia 17 de junho o S&P 500 registou o valor mais baixo do ano nos 3636 pontos e nessa altura o mercado esperava que as taxas de juro da Reserva Federal dos EUA (Fed) no final do ano, após a última reunião da Fed no dia 14 de dezembro, se fixassem em 3,75%, de acordo com os futuros negociados no CME. Em meados de agosto, e apesar de as perspetivas para os juros da Fed se terem mantido ancoradas em 3,75% para o final de 2022, o S&P 500 havia recuperado quase 20% dos mínimos. No entanto, o discurso “agressivo” de Powell em Jackson Hole em 26 de agosto elevou novamente as perspetivas dos juros da Fed, agora para os 4% no final do ano, culminando numa desvalorização do S&P 500 nas semanas seguintes até aos 3900 pontos. Apesar das subidas dos rendimentos do tesouro e das perspetivas mais elevadas para as taxas da Fed, os mercados acionistas têm continuado a mostrar uma relativa resiliência e registaram mesmo cinco sessões consecutivas de ganhos até ao passado dia 12 de setembro, cuja valorização ascendeu a 6% e um índice perto dos 4150 pontos. Subidas essas travadas pelos números desfavoráveis da inflação nos EUA em agosto, divulgados em 13 de setembro, impulsionando os juros da Fed para o final do ano para os 4,5% e penalizando de novo o S&P 500 para os 3930 pontos.


Parece ser convicção dos investidores de que a postura cada vez mais “agressiva” da Fed seja justificada pelo excessivo foco do banco central dos EUA em indicadores desfasados, denominados de “lagging”, como emprego e inflação. Os números do emprego mostram um mercado de trabalho resiliente nos EUA, corroborado pelo atual pleno emprego, mas a confiança empresarial americana medida pelo PMI tem descido consecutivamente desde maio, indiciando uma crescente preocupação dos empresários quanto à evolução económica. Também a queda do sentimento do consumidor deverá penalizar as vendas das empresas. Todavia, os empresários inicialmente desaceleram a contratação de trabalhadores e apenas alguns meses mais tarde encetam uma política de despedimentos se a atividade económica realmente se agudizar, culminando nessa altura num agravamento do mercado de trabalho, subida da taxa de desemprego, e numa eventual recessão, indiciada atualmente pelos rendimentos mais elevados das obrigações do tesouro americano a 2 anos relativamente aos das obrigações a 10 anos. Também a inflação medida pelo índice de preços no consumidor, mais especificamente a variação homóloga, se concentra mais no passado, sendo útil para aferir a perda de poder de compra e para eventuais cálculos na reposição de rendimentos através de aumentos salariais. A variação mensal da inflação é importante para determinar a tendência dos preços no consumidor e potenciais espirais de preços como a dos salários/inflação, mas, ainda assim, existem outros indicadores que são mais “leading”, ou seja, que estão a montante da cadeia de valor e mostram com alguma antecedência a tendência futura dos preços, tais como as cotações dos combustíveis fósseis, dos metais e dos produtos agrícolas. Muitos destes indicadores antecedentes mostram atualmente sinais de deflação, tais como o ouro e o cobre. O metal amarelo tem desvalorizado desde os máximos no início de março, penalizado não só pela subida dos juros e valorização do dólar, mas também pela crescente perceção de uma descida da inflação nos próximos meses, sobretudo em 2023. A cotação do cobre tem caído ainda mais, cerca de 25% desde meados de abril, penalizada pelas perspetivas mais fracas para a procura deste metal industrial diante da desaceleração da economia chinesa e de uma potencial recessão nos EUA e na Europa, provocada pela postura cada vez mais agressiva dos bancos centrais para travar a inflação. O rácio entre o cobre e o ouro é um dos principais indicadores para prever a evolução da atividade económica e cai 15% desde o início de junho. Os preços da madeira caíram mais de 60%, minério de ferro 60%, memórias Ram (DRAM) 46% e petróleo 20%. Algodão e cereais aliviaram acentuadamente dos máximos.


Contudo, e apesar de existirem sinais deflacionistas, as expectativas para a inflação permanecem elevadas e desancoradas. A título de exemplo, o Banco Central Europeu (BCE) procura elevar a taxa de juro para níveis acima da taxa de juro neutral da economia europeia, ou seja, a taxa de juro de equilíbrio entre poupança e investimento no pleno emprego da economia e assim desancorar as expetativas para inflação dos atuais níveis elevados, firmados presentemente acima da meta de estabilidade de preços do BCE nos 2%. Atualmente a taxa de inflação de equilíbrio (breakeven inflation rate) alemã a 5 anos é de 3,1%, bem acima da meta do BCE. A taxa de inflação de equilíbrio, isto é, a expetativa para a inflação é dada pela diferença entre a rentabilidade das obrigações do tesouro (juros nominais) e as obrigações do tesouro que protegem contra a inflação (juros reais), as denominadas inflation linked bonds. Então, as expetativas para inflação são dadas pela diferença entre a taxas de juro nominais e as taxas de juro reais. Ainda há dias o BCE referiu, num cenário adverso, o risco de uma recessão em 2023, em consequência da alta dos juros, na tentativa de desancorar as expetativas da inflação. Esta postura monetária cada vez mais contracionista diminuiu o rendimento disponível das famílias e penaliza a procura, encaminhando gradualmente a economia para uma recessão, um risco cada vez mais real.


As taxas de juro caminham para "território restritivo", ou seja, valores acima da taxa de juro natural de equilíbrio entre aforradores e tomadores de crédito, os 2 a 3% nos EUA e 1,5 a 2% na Europa, cuja dimensão de superação destas fasquias ditará a gravidade da recessão. Entretanto, nas suas perspetivas para os próximos 6 meses, os investidores têm optado por relegar para segundo plano as repercussões negativas de uma recessão nas receitas e nos lucros das empresas e consequentemente nas suas cotações em bolsa, focando-se mais nos pontos positivos de um potencial alívio da inflação em 2023.

 

PMR In VE 14 setembro 2022  






Sem comentários:

Enviar um comentário

Arquivo do blogue

Seguidores

Economista

A minha foto
Naturalidade Angolana
Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.