Os ciclos económicos e os mercados financeiros não andam de
mãos dadas. Há uma velha perceção, mais ou menos consensual, entre os
investidores mais experientes de que “os mercados antecipam a economia em 6
meses”, ou pelo menos tentam, alicerçados no máximo de indicadores avançados da
economia. Atualmente os investidores focam-se cada vez mais nas perspetivas
para a inflação na primavera de 2023, mais precisamente na desinflação e numa
possível reversão da alta dos juros, facto corroborado pela evolução mais
favorável dos mercados acionistas nos últimos 3 meses.
No passado dia 17 de junho o S&P 500 registou o valor
mais baixo do ano nos 3636 pontos e nessa altura o mercado esperava que as
taxas de juro da Reserva Federal dos EUA (Fed) no final do ano, após a última
reunião da Fed no dia 14 de dezembro, se fixassem em 3,75%, de acordo com os
futuros negociados no CME. Em meados de agosto, e apesar de as perspetivas para
os juros da Fed se terem mantido ancoradas em 3,75% para o final de 2022, o
S&P 500 havia recuperado quase 20% dos mínimos. No entanto, o discurso “agressivo”
de Powell em Jackson Hole em 26 de agosto elevou novamente as perspetivas dos
juros da Fed, agora para os 4% no final do ano, culminando numa desvalorização
do S&P 500 nas semanas seguintes até aos 3900 pontos. Apesar das subidas
dos rendimentos do tesouro e das perspetivas mais elevadas para as taxas da
Fed, os mercados acionistas têm continuado a mostrar uma relativa resiliência e
registaram mesmo cinco sessões consecutivas de ganhos até ao passado dia 12 de
setembro, cuja valorização ascendeu a 6% e um índice perto dos 4150 pontos.
Subidas essas travadas pelos números desfavoráveis da inflação nos EUA em
agosto, divulgados em 13 de setembro, impulsionando os juros da Fed para o
final do ano para os 4,5% e penalizando de novo o S&P 500 para os 3930
pontos.
Parece ser convicção dos investidores de que a postura cada
vez mais “agressiva” da Fed seja justificada pelo excessivo foco do banco
central dos EUA em indicadores desfasados, denominados de “lagging”, como
emprego e inflação. Os números do emprego mostram um mercado de trabalho
resiliente nos EUA, corroborado pelo atual pleno emprego, mas a confiança
empresarial americana medida pelo PMI tem descido consecutivamente desde maio,
indiciando uma crescente preocupação dos empresários quanto à evolução
económica. Também a queda do sentimento do consumidor deverá penalizar as
vendas das empresas. Todavia, os empresários inicialmente desaceleram a
contratação de trabalhadores e apenas alguns meses mais tarde encetam uma
política de despedimentos se a atividade económica realmente se agudizar,
culminando nessa altura num agravamento do mercado de trabalho, subida da taxa
de desemprego, e numa eventual recessão, indiciada atualmente pelos rendimentos
mais elevados das obrigações do tesouro americano a 2 anos relativamente aos
das obrigações a 10 anos. Também a inflação medida pelo índice de preços no
consumidor, mais especificamente a variação homóloga, se concentra mais no
passado, sendo útil para aferir a perda de poder de compra e para eventuais cálculos
na reposição de rendimentos através de aumentos salariais. A variação mensal da
inflação é importante para determinar a tendência dos preços no consumidor e
potenciais espirais de preços como a dos salários/inflação, mas, ainda assim,
existem outros indicadores que são mais “leading”, ou seja, que estão a
montante da cadeia de valor e mostram com alguma antecedência a tendência
futura dos preços, tais como as cotações dos combustíveis fósseis, dos metais e
dos produtos agrícolas. Muitos destes indicadores antecedentes mostram
atualmente sinais de deflação, tais como o ouro e o cobre. O metal amarelo tem
desvalorizado desde os máximos no início de março, penalizado não só pela
subida dos juros e valorização do dólar, mas também pela crescente perceção de
uma descida da inflação nos próximos meses, sobretudo em 2023. A cotação do
cobre tem caído ainda mais, cerca de 25% desde meados de abril, penalizada
pelas perspetivas mais fracas para a procura deste metal industrial diante da
desaceleração da economia chinesa e de uma potencial recessão nos EUA e na
Europa, provocada pela postura cada vez mais agressiva dos bancos centrais para
travar a inflação. O rácio entre o cobre e o ouro é um dos principais
indicadores para prever a evolução da atividade económica e cai 15% desde o
início de junho. Os preços da madeira caíram mais de 60%, minério de ferro 60%,
memórias Ram (DRAM) 46% e petróleo 20%. Algodão e cereais aliviaram
acentuadamente dos máximos.
Contudo, e apesar de existirem sinais deflacionistas, as
expectativas para a inflação permanecem elevadas e desancoradas. A título de
exemplo, o Banco Central Europeu (BCE) procura elevar a taxa de juro para
níveis acima da taxa de juro neutral da economia europeia, ou seja, a taxa de
juro de equilíbrio entre poupança e investimento no pleno emprego da economia e
assim desancorar as expetativas para inflação dos atuais níveis elevados,
firmados presentemente acima da meta de estabilidade de preços do BCE nos 2%.
Atualmente a taxa de inflação de equilíbrio (breakeven inflation rate) alemã a
5 anos é de 3,1%, bem acima da meta do BCE. A taxa de inflação de equilíbrio,
isto é, a expetativa para a inflação é dada pela diferença entre a
rentabilidade das obrigações do tesouro (juros nominais) e as obrigações do tesouro
que protegem contra a inflação (juros reais), as denominadas inflation linked
bonds. Então, as expetativas para inflação são dadas pela diferença entre a
taxas de juro nominais e as taxas de juro reais. Ainda há dias o BCE referiu,
num cenário adverso, o risco de uma recessão em 2023, em consequência da alta
dos juros, na tentativa de desancorar as expetativas da inflação. Esta postura
monetária cada vez mais contracionista diminuiu o rendimento disponível das
famílias e penaliza a procura, encaminhando gradualmente a economia para uma
recessão, um risco cada vez mais real.
As taxas de juro caminham para "território
restritivo", ou seja, valores acima da taxa de juro natural de equilíbrio
entre aforradores e tomadores de crédito, os 2 a 3% nos EUA e 1,5 a 2% na
Europa, cuja dimensão de superação destas fasquias ditará a gravidade da
recessão. Entretanto, nas suas perspetivas para os próximos 6 meses, os
investidores têm optado por relegar para segundo plano as repercussões
negativas de uma recessão nas receitas e nos lucros das empresas e
consequentemente nas suas cotações em bolsa, focando-se mais nos pontos
positivos de um potencial alívio da inflação em 2023.
PMR In VE 14 setembro 2022
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