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quarta-feira, 21 de setembro de 2022

Petróleo e gás natural, armas estratégicas de dois mundos

Em resultado do choque petrolífero de 1973-1974, o preço do barril de petróleo quase quadruplicou em menos de um ano. Esta crise energética teve início com o embargo de várias nações árabes produtoras de petróleo, lideradas pela Arábia Saudita, aos países que apoiaram Israel na guerra do Yom Kippur, de 6 a 25 de outubro de 1973, conflito travado entre Israel e uma coligação de países árabes encabeçados pelo Egito e pela Síria. As nações inicialmente visadas pelo bloqueio foram o Canadá, o Japão, a Holanda, o Reino Unido e os EUA, embora o embargo se tenha estendido mais tarde a Portugal e outros países.

À semelhança do respaldo a Israel na guerra israelo-árabe em 1973, também atualmente o ocidente e demais democracias apoiam a Ucrânia no conflito no leste europeu. A este apoio a Rússia responde com um embargo de gás natural, designadamente à Europa, postura que muito provavelmente redundará numa recessão económica na Alemanha no próximo inverno, uma das economias mais vulneráveis e dependentes dos combustíveis fósseis russos. À medida que a crise energética se agrava e se alastra, outras economias ocidentais deverão entrar em recessão, tal como aconteceu em 1974 e 1975.

Mas se na década de 1970 a produção de petróleo dos EUA garantia apenas cerca de metade das necessidades de consumo do país, hoje os norte-americanos estão mais bem preparados, são autossuficientes em petróleo, são o maior produtor mundial de gás natural e o segundo maior exportador global deste hidrocarboneto, logo a seguir à Rússia. Na última década, e graças ao “shale oil”, os EUA ascenderam também a maior produtor global de petróleo, cuja produção contribuiu para estabilizar os preços desta matéria-prima energética em níveis mais baixos nos últimos 12 anos, dificultando a política de preços dos países da OPEP que responderam com a criação da OPEP+ em 2017, novo cartel que passou a integrar grandes produtores de petróleo, tais como a Rússia, o México e o Cazaquistão. É a partir deste ano que o “shale oil” perde gradualmente poder de fixação de preços, perda essa acelerada nos últimos dois anos pela pandemia e pelo desinvestimento em novas prospeções, em parte resultado do aumento das remunerações dos acionistas das empresas de “Shale oil” depois de décadas de muitos investimentos e poucos retornos.

Uma segunda crise energética surgiu em 1979, após a revolução iraniana e a queda do Xá do Irão, e mais uma vez redundou numa recessão global impulsionada pelo aumento do preço do petróleo, cuja cotação do barril triplicou em menos de um ano.

Os choques energéticos de 1973 e 1979 elevaram em simultâneo a taxa de inflação e a taxa de desemprego, invalidando os pressupostos da curva de Phillips, um fenómeno económico novo que foi apelidado de estagflação. A subida dos salários, que já existia incipientemente antes do choque petrolífero de 1973, tornou-se uma realidade nos anos seguintes com os trabalhadores a procurarem manter o seu poder de compra, culminando numa espiral salários/inflação. Também hoje em dia, apesar do menor poder sindical, a alta dos salários nos EUA de 5,2% em agosto, relativamente ao mês homólogo do ano passado, ainda que menor que na década de 1970, despertou de novo os receios dessa espiral.

Paul Volcker, nomeado presidente da Reserva Federal dos EUA (Fed) em 1979, cargo que ocuparia até 1987, muniu-se de uma política monetária energicamente contracionista para baixar as expetativas da inflação enraizadas nos agentes económicos norte-americanos. Por exemplo, as taxas de juro da Fed alcançaram quase 20% em janeiro de 1981. Esta postura desancorou as elevadas expetativas da inflação, mas redundou numa acentuada recessão entre meados de 1981 e o outono de 1982. É certo que as expectativas da inflação baixaram gradualmente ao longo da década de 1980, mas a entrada da China no comércio mundial, após a chegada de Deng Xiaoping ao poder em 1978, bem como o aumento da produção de petróleo, a aceleração da produção de energia nuclear e a descida da intensidade energética (rácio entre o consumo de energia de um país e o seu PIB), foram também variáveis deflacionistas muito importantes para o abrandamento dos preços. A inflação depende não só da interação entre a oferta e procura de moeda, mas também da oferta e da procura de bens e serviços, e um banco central apenas controla uma parte minoritária dessa oferta de moeda, mais especificamente a base monetária.

Tal como o racionamento de energia nos EUA em 1974 e 1975, desde o limite de velocidade à extensão de dois anos do horário de verão, atualmente a Europa quer impor poupanças energéticas no próximo inverno, diminuindo o consumo de eletricidade e de gás. Várias leis foram aprovadas em meados da década de 1970 para reforçar a produção norte-americana de petróleo. É em 1975 que são criadas as reservas estratégicas de petróleo nos EUA para superarem as dificuldades em situações de emergência. Muito provavelmente, é nesta altura que surgem as primeiras consciências ambientais. Na procura de uma maior independência energética, a energia nuclear nos EUA e na Europa acelerou significativamente na década de 1970. Portugal procurou instalar uma central nuclear em Ferrel, concelho de Peniche, em 1976, mas a população de Ferrel manifestou-se contra em 15 de março desse mesmo ano, no primeiro protesto antinuclear no país. A central de Ferrel nunca saiu do papel.


PMR In VE 21/09/2022




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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.