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sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

A antecipação da reunião do BCE e a economia portuguesa


É esperado um aumento de 50 pontos base, de acordo com o mercado monetário, devendo o BCE corroborar também uma alta de mais 50 pontos base na próxima reunião no dia 16 de março. Todavia, a significativa desaceleração da inflação na Zona Euro em janeiro, divulgada hoje, pode atenuar o tom hawkish de Christine Lagarde (refrear um pouco a sua atual postura restritiva), sendo expectável, ainda neste primeiro semestre, que seja alcançada a taxa de juro terminal do banco central da Zona Euro, remetendo algum alívio para a segunda metade do ano. A inflação subjacente na Zona Euro caiu 0,8% em cadeia e fixou-se nos 5,5% em termos homólogos, corroborando uma considerável melhoria dos receios inflacionistas, permitindo ao BCE moderar a sua política energicamente contracionista, desacelerando o ritmo de aumento das suas taxas de juro.

A subida do euro face ao dólar nos últimos meses pode também suavizar o discurso do BCE na reunião de amanhã. Também a atitude do BCE poderá eventualmente abrandar um pouco o tom hawkish se a Reserva Federal dos EUA adotasse hoje uma postura menos restritiva.

Para mitigar a crise ditada pelo confinamento pandémico, o balanço do BCE aumentou 80% desde a primavera de 2020. No entanto, diante da inflação mais elevada das últimas décadas, o BCE referiu que chegou a hora de reduzi-lo. A diminuição terá  início no próximo mês de março e ascenderá, em média, a 15 mil milhões de euros por mês até ao final do segundo trimestre de 2023. A evolução da inflação e do crescimento económico determinará o ritmo a partir dessa data. A desaceleração da inflação em janeiro na Zona Euro não é suficiente para refrear a atual dimensão de redução do balanço, mas a ameaça de uma eventual recessão à medida que os juros sobem poderá condicionar o quantitative tightening do BCE na segunda metade do ano.

Algum alívio na política monetária restritiva do BCE melhoraria as perspetivas para economia portuguesa em 2023.

Em 2022, o turismo, a gradual reabertura e a recuperação mais tardia da economia portuguesa impulsionaram o PIB em 2022. A melhoria nas cadeias de abastecimento ao longo do ano passado foi também favorável para o crescimento económico e para a desaceleração da inflação. Todavia, o rendimento disponível, sobretudo das famílias, já bastante penalizado em termos reais pela elevada inflação, tende a diminuir cada vez mais à medida que o BCE aumenta as suas taxas de juro, prometendo afetar o PIB substancialmente este ano de 2023.

Uma eventual recessão em 2023 nos EUA e na Alemanha agravaria ainda mais o cenário económico português.

Em 2023, os pontos mais positivos serão, com alguma certeza, a resiliência do turismo e a execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), sendo os principais pontos negativos, uma recessão nas principais economias avançadas e o rendimento disponível cada vez mais penalizado pela substancial subida das taxas de esforço dos empréstimos, sobretudo no crédito à habitação. 

As famílias têm sido bastante penalizadas pela elevada inflação, bem como as empresas sem princing power. E mesmo algumas empresas com pricing power (poder de fixação de preços) começam gradualmente a perder essa capacidade à medida que o rendimento disponível das famílias diminui. Todavia, o Estado conseguiu o ano passado arrecadar mais receita impulsionada pela elevada inflação, sobretudo nos impostos que são uma percentagem, como o IVA, incidindo sobre os preços mais elevados. 

As empresas também serão afetadas quer pelo recuo da procura privada, quer pelas taxas de juro mais elevadas que dificultam e encarecem o financiamento do investimento. Em suma, o recuo da procura interna parece ser transversal às famílias, empresas e Estado.

Nota: Texto escrito em 1 de fevereiro

Recessão nos EUA com taxa de desemprego em mínimos?!

Nos meses de março e abril de 2020, a economia norte-americana perdeu 22 milhões de postos de trabalho em consequência do confinamento total ditado pela pandemia. Desde essa altura, além de ter recuperado os postos de trabalho perdidos, já criou mais 2,5 milhões, num total de 24,5 milhões de empregos criados desde maio de 2020 até janeiro de 2023. Ou seja, a economia norte-americana criou 2,5 milhões de empregos em termos líquidos nos últimos 33 meses, uma média de 75 mil empregos por mês, o que efetivamente não representa um número que assegure um forte crescimento económico, mas um aumento do PIB real à volta de 1%, tal como observado em 2022. A partir de agora, uma criação mensal consecutiva acima de 300 mil postos NFP indiciaria, essa sim, uma economia robusta, cujo crescimento do PIB seria de 3 ou 4%. Entretanto, uma criação frágil, abaixo de 100 mil postos NFP ou até destruição de postos de trabalho, sinalizaria uma recessão.


A população norte-americana aumentou de 328,3 milhões de habitantes no início de 2020 para 333,3 no final de 2022, mais 5 milhões. Mas enquanto a força de trabalho aumentou ligeiramente de 164,7 para 165,8 milhões, a população civil não institucional (todas as pessoas com mais de 15 anos de idade excluindo as forças armadas, asilos para idosos, prisões, casas de correção, hospícios) subiu muito mais, de 260,2 milhões no início de 2020 para 266 milhões em janeiro de 2023, correspondendo a isso uma taxa de participação de 63,3% e 62,4% no início de 2020 e em janeiro de 2023, respetivamente. Ou seja, além de um aumento populacional de 5 milhões de habitantes, há também quase mais 6 milhões [em grande parte provavelmente devido à pandemia] de população civil não institucional fora da força de trabalho, alcançando os 100 milhões, desde marginalizados aos desencorajados e às pessoas que não querem trabalhar. O acréscimo de mais 2,5 milhões de empregos não suportam talvez apenas o aumento da população em 5 milhões. Uma hipotética subida da taxa de participação dos atuais 62,4% para os 63,3% [verificados no início de 2020] seriam mais 2,5 milhões de trabalhadores aptos para trabalhar, o que implicaria uma alta da taxa de desemprego para quase 5% ou absorveria parte das atuais 11 milhões de ofertas de emprego, fonte do JOLTS.
  
Ainda na passada segunda-feira, Janet Yellen referiu que não há recessão quando a taxa de desemprego nos EUA está no nível mais baixo dos últimos 53 anos, nos 3,4%. Todavia, a secretária do tesouro norte-americano salientou também que não há recessão quando a economia cria mais 500 mil empregos [em termos líquidos] em apenas um mês, número verificado em janeiro. Se a primeira afirmação relativa à taxa de desemprego é dúbia quanto à robustez da economia, dependendo muito do contexto, verificando-se até muitas vezes uma recessão após pleno emprego, já a segunda consideração, relativa à criação de emprego, corrobora uma visível resiliência económica.

Certo é que os pedidos de subsídio de desemprego semanais nos EUA (Jobless Claims), atualmente de 183 mil, muito perto dos mínimos históricos de meados de março de 2022, poderão confirmar recessão entre os 250 mil e os 300 mil, ou seja, muito antes dos 400 mil que anteriormente dividiam a recessão de expansão. Este facto surge não só devido à pandemia, mas também por causa da tendência de descida da taxa de participação nas últimas décadas, a saber de 66% em 2008 para 63% em 2019. Entretanto, a Fitch espera que os gastos do consumidor diminuam de 2,8% em 2022 para apenas 0,2% em 2023, tendo o consumo um peso de 68% na formação do PIB dos EUA. Também permanece o declive negativo da curva de rendimento norte-americana, um sinal de recessão.

Entretanto, já após os dados do emprego, o discurso de Jerome Powell no Economic Club de Washington foi menos hawkish do que antecipado, surpreendendo muitos investidores. Powell referiu que 2023 deve ser um ano de "quedas significativas na inflação", corroborando também que o mandato da Fed tem dois objetivos principais, a estabilidade de preços e o pleno emprego, dando a entender que é fundamental a robustez do mercado de trabalho, ainda mais num cenário desejável de soft landing, no seguimento a uma pergunta sobre a resiliência do relatório do emprego na passada sexta-feira e as suas possíveis consequências nefastas na evolução da inflação. Powell frisou também que é provável que haja mais aumentos de taxas de juro no período que agora começou de desinflação, mas não se comprometeu com essas mesmas subidas. Por último, e não menos importante, Powell teve a oportunidade de refrear os mercados acionistas numa altura em que estes valorizam significativamente desde o início de janeiro. Mas não, optou por afastar os receio de inflação dos salários, desvalorizando os números do emprego e evidenciando, assim, um profundo conhecimento do mercado de trabalho dos EUA. 

PMR In VE 10 de fevereiro 2023

A capacidade preditiva do rendimento a 2 anos na antecipação das Fed Funds Rate


Os rendimentos do tesouro norte-americano a dois anos tendem a refletir as expetativas de política monetária da Reserva Federal dos EUA (Fed). Ou seja, a evolução do rendimento das obrigações do tesouro a 2 anos é talvez uma das melhores ferramentas de previsão da evolução das taxas de juro da Fed, as taxas de fundos federais (Fed Funds Rate). Habitualmente os rendimentos do tesouro a 2 anos incorporam não só as declarações dos vários membros do banco central dos EUA, como também os dados macroeconómicos que vão sendo divulgados desde o mercado de trabalho aos números da inflação. Sendo percetível a influência do nível dos rendimentos das obrigações do tesouro norte-americano na evolução da política monetária da Fed, corroborada pela evidência empírica, terá assim a Fed todo o trabalho facilitado na prossecução da sua política monetária de subida, descida ou manutenção das suas taxas de juro? Sim, mas a Fed também trabalha para isso, tentando ser o mais transparente possível nas semanas que antecedem as suas reuniões ordinárias de política monetária. Em suma, ambas se influenciam entre si, rendimentos a 2 anos e Fed Funds Rate.
    
Quando os investidores esperam um movimento das Fed Funds Rate, por exemplo um aumento de 75 pontos base, o banco central dos EUA tenta não surpreender o mercado, facultando todas as atualizações e informações necessárias nas semanas anteriores à FOMC (reunião ordinária da Fed). Esta postura de não surpreender o mercado tem sido gradual ao longo das últimas décadas e, assim sendo, nos últimos anos não têm existido surpresas. Portanto, a Fed preocupa-se em promover uma gradual melhoria da sua comunicação acerca da evolução da sua política monetária. A título de exemplo, em 2012 foi introduzido o gráfico de pontos (dot plot), resumindo as perspetivas dos membros da Fed para as taxas dos fundos federais no futuro, sendo mais um esforço da Fed para ser mais transparente em relação às suas políticas. A par do dot plot divulgado sempre na última reunião do trimestre, é também publicada a atualização das perspetivas trimestrais, nomeadamente para a inflação, emprego e PIB.

A necessidade de uma melhoria futura na comunicação pela Fed ficou bem patente em 1994, aquando do “massacre das obrigações”. Nesse ano, a economia norte-americana emergia da recessão de 1990/91 e os rendimentos dos títulos do tesouro começavam a subir ligeiramente em relação aos mínimos de 1993, à medida que as perspetivas de crescimento melhoravam, embora sem que nenhum sinal de inflação tivesse surgido. Entretanto, Alan Greenspan e a Fed surpreenderam os mercados ao começarem a apertar a política monetária, e os títulos do tesouro desvalorizaram substancialmente quando as Fed Funds Rate subiram consideravelmente ao longo do ano. A capacidade preditiva da yield do tesouro a 2 anos desapareceu durante alguns meses, sobretudo de março de 1994 até ao final desse ano (como observado no gráfico, círculo 1).



Entretanto, no último trimestre de 2021, depois de ano e meio à volta dos 0,15% a 0,20%, o rendimento do tesouro norte-americano com maturidade a 2 anos inicia a sua tendência de alta a partir de novembro de 2021, impulsionado não só pela inflação cada vez mais elevada, nessa altura já acima dos 6%, percecionando-se uma subida dos preços cada vez mais generalizada e contínua, mas também pelo anúncio da Fed, em 3 de novembro, do começo do seu tapering no mês seguinte, em dezembro. No entanto, a primeira subida das taxas de juro pela Fed acontece apenas no dia 16 de março de 2022 (o último aumento havia sido em dezembro de 2018), em 25 pontos base para o intervalo de 0,25% a 0,50%, mas a yield a 2 anos era já nessa altura de quase 2%, antecipando ainda mais aumentos das taxas de juro da Fed que se viriam a materializar meses mais tarde (no gráfico podemos constatar essa capacidade preditiva, círculo 2). Ainda no gráfico podem ser observados movimentos e comportamentos semelhantes em ocasiões anteriores, corroborando assim o poder de antecipação das futuras Fed Funds Rate, em vários meses, trimestres ou mesmo em mais de um ano, pelos rendimentos das obrigações do tesouro a 2 anos.

Entretanto, a yield a 2 anos é também superior à yield do tesouro norte-americano a 10 anos desde julho de 2022, identificando uma curva de rendimentos invertida, indiciando recessão económica. Atualmente o diferencial entre estas duas taxas de juro é negativo de -0,83%, o spread mais elevado desde o início da década de 1980, aquando de uma recessão bastante prolongada, como pode ser corroborado pelo gráfico.


Quanto mais elevada for a vida de um empréstimo maior é o risco associado a esse mesmo empréstimo, sendo, desta forma, normal um declive positivo da curva de rendimentos. Não é habitual, porém, uma curva de rendimentos com inclinação negativa, mas quando acontece, este fenómeno reflete as expectativas dos investidores de queda das taxas de juro de mais longo prazo e de descida da inflação, normalmente contextos associadas a recessões.


Entretanto, a yield a 2 anos é também superior à yield do tesouro norte-americano a 10 anos desde julho de 2022, identificando uma curva de rendimentos invertida, indiciando recessão económica. Atualmente o diferencial entre estas duas taxas de juro é negativo de -0,83%, o spread mais elevado desde o início da década de 1980, aquando de uma recessão bastante prolongada, como pode ser corroborado pelo gráfico.


  



Quanto mais elevada for a vida de um empréstimo maior é o risco associado a esse mesmo empréstimo, aumentando o risco de incumprimento, sendo, desta forma, normal um declive positivo da curva de rendimentos. Não é habitual, porém, uma curva de rendimentos com inclinação negativa, mas quando acontece, este fenómeno reflete as expectativas dos investidores de queda das taxas de juro de mais longo prazo e de descida da inflação, normalmente contextos associados a recessões.

PMR In VE 17 de fevereiro 2023





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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.