Na semana passada, a República Portuguesa emitiu dívida de curto
prazo, através da colocação dos habituais bilhetes do tesouro, no
montante total de 1500 milhões de euros a 6 e a 12 meses, às taxas de
juro mais baixas de sempre de -0,4% e 400 milhões euros no prazo mais
curto e -0,349% e 1100 milhões de euros a 12 meses.
A procura
ultrapassou a oferta em mais de duas vezes em ambas as maturidades! O
Banco Central Europeu (BCE) cobra 0,4% às instituições financeiras que
façam parte do Euro Sistema, nomeadamente bancos, que queiram depositar
lá o dinheiro. O que leva instituições financeiras porque só elas
conseguem aceder ao mercado primário das emissões de dívida – a pagarem
uma de 0,4%, o mesmo pedido pelo BCE, num empréstimo à República
Portuguesa? O mercado atribui um risco idêntico ao BCE e à dívida
soberana portuguesa? À primeira vista diríamos que sim. Mas isto não faz
sentido.
O BCE cobra uma taxa de 0,4% nos depósitos com o
intuito de desincentivar os bancos a depositar dinheiro junto do banco
central e forçá-los a emprestar às famílias e empresas para reanimar a
economia e a inflação. Essa taxa negativa é como uma espécie de multa ou
tarifa por "parquear" esse dinheiro junto do BCE em vez de o canalizar
para a economia real.
Porém, nem todas as instituições
financeiras conseguem aceder ao Euro Sistema, como é o caso dos fundos
de pensões e das seguradoras, entre outras. Provavelmente, terão sido
elas a tomar a maior parte da dívida nesta emissão pois não têm acesso
aos depósitos junto do BCE.
Mas porquê pagar 0,4% para entregar
dinheiro? Uma razão pode ser a necessidade de diversificar a liquidez
por vários emitentes de dívida e instituições bancárias, evitando o
risco de ter toda a liquidez disponível concentrada num só setor.
No balanço do "Target 2" (o sistema de transferências bancárias entres
bancos da Zona Euro e o BCE), no final de setembro, tinham sido
transferidos para bancos alemães quase 900 mil milhões de euros. O saldo
também é positivo para países da Europa setentrional como a Holanda, a
Finlândia e o Luxemburgo. Já no que concerne aos países meridionais o
movimento é contrário, e temos assistido a saídas de dinheiro de Itália,
da Espanha, de Portugal e da Grécia.
No caso português a
dimensão é preocupante porque estamos a falar de 76 mil milhões de euros
no final de setembro deste ano, quase metade do PIB nacional, e cerca
de 70% da massa monetária portuguesa quando medida pelo M1 (ou seja,
moeda em circulação acrescida dos depósitos à ordem; total de moeda que
não rende juros e é liquidez imediata). E é quase 40% do agregado
monetário M2, que é o M1 acrescido dos depósitos a prazo, a denominada
quase-moeda, porque não tem a liquidez imediata.
Nos últimos
tempos assistimos a uma aproximação dos juros pagos pelos países
nórdicos aos juros pagos pelos países periféricos do sul da Europa. Como
aconteceu entre 1999 e 2008, antes da crise financeira, quando a taxa
da dívida alemã a 10 anos era de 3,6% e a da dívida portuguesa a 10 anos
andava muito próxima na casa dos 3,8%, em boa verdade implicitamente
existiam "EuroBonds", tal como começamos a assistir atualmente. Todavia,
ao nível bancário continuamos a assistir a discrepâncias. Em boa
verdade, na Zona Euro, existem dois sistemas bancários, o do norte e o
do sul. E isso reflete-se, muito provavelmente, na compra de dívida
pública portuguesa a taxas negativas por parte de instituições
financeira que não conseguem aceder aos depósitos junto do BCE.
De salientar que os Estados-Membros da União Europeia estão a
considerar medidas, desde o início do ano, que impeçam temporariamente
as pessoas de retirarem dinheiro das suas contas para evitar corridas
aos depósitos (“Bank Runs”)…
Paulo Rosa, In "Vida Económica", 24 de novembro
A transversalidade e Universalidade da ciência económica. O objecto de estudo da economia é a maximização do bem-estar do ser humano, mas não deixa de ser em sentido estrito. A ciência económica é mais abrangente. A todos os seres vivos e não vivos. Ver página "descrição do blog".
Since December 25th, 2010
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sexta-feira, 24 de novembro de 2017
sexta-feira, 10 de novembro de 2017
Quando o dividendo é maior que os resultados… o investidor desconfia
Desde a apresentação dos resultados do 3º trimestre, e da
habitual conferência de imprensa da Administração dos CTT, a 31 de outubro, a
ação encetou uma queda, e perdeu 34 % em quatro sessões consecutivas. A cotação
veio dos 5,05€ para os 3,35€ no dia 6 de novembro.
Esta zanga dos investidores, que quiseram sair logo do
papel, deve-se a duas más notícias: os lucros nos primeiros nove meses desceram
face ao ano passado e a redução do dividendo que a empresa vai pagar em 2018
(relativo a 2017) de 0,48€ para 0,38€.
Há uma terceira notícia “escondida” entre estas duas e é
talvez a pior das três: é que a empresa quer distribuir pelos acionistas 57
milhões de euros em dividendos quando os lucros em 2017 não deverão estar muito
longe dos 35 milhões de euros, na melhor das hipóteses.
OS CTT tiveram 19.5 milhões de lucros nos primeiros 9
meses. Com o profit warning a descer as estimativas para o resto do ano,
os lucros em 2017 não serão muito favoráveis. Mas se os resultados do último
trimestre deste ano conseguissem igualar os do ano passado (16,2 milhões de
euros), os resultados de 2017 seriam de 35,7 milhões de euros. Ter este lucro e pretender distribuir 57
milhões de euros em dividendos corresponde a um impensável payout
(percentagem dos lucros entregue aos acionistas sob a forma de dividendo) de
160%. É o mesmo que descapitalizar a empresa, pois mais de 21 milhões não virão
dos resultados, mas das reservas… Já o ano passado o payout foi de quase
120%!
Um payout aceitável seria na casa dos 50% ou 60%, para a empresa acumular reservas e ter uma parte para reinvestir num negócio em decadência, o correio tradicional, e na concorrência - as encomendas. Se isso não acontecer, os investidores de longo prazo, que esperam que a empresa acrescente valor ao longo dos anos, vão penalizar o título. Se, ao invés, reduzir o dividendo, os investidores de curto prazo que procuram bons dividendos vão penalizar a empresa.
O mais sensato em termos de uma salutar gestão, e segundo o quadro abaixo, o dividendo deveria ser de 0.10 €, que espelharia um payout de 50%, quase 75% abaixo da atual proposta de 0.38 € e que já é uma revisão em baixa. No limite de 0.20 € que corresponderia à distribuição de todos os lucros gerados no ano, um payout de 100%, e não teria que recorrer a reservas.
Em 2015 os CTT acabaram o ano com 72 milhões de euros de lucros e em 2016 de 62
milhões. Este ano poderão ficar na casa dos 30 milhões. Algo tem que ser feito
rapidamente…
Das quatro áreas de negócios, o correio tradicional tem o maior peso nos rendimentos operacionais com cerca de 75% e continua na queda de fluxo. O expresso e encomendas têm um peso de 16% e cada vez mais concorrência. Os serviços financeiros, com 9%, perdem receita, e agora vamos ter também a loja do cidadão a comercializar certificados de aforro. Por último, o Banco CTT que não tem qualquer peso, com custos elevados, e fracas receitas (não há manutenção de conta, nem comissões de transferências, espera-se que o crédito à habitação, bastante competitivo, traga as receitas tão aguardadas para o Banco CTT quebrar o break-even). Quatro áreas de negócio em que não se vislumbra qualquer melhoria, e se os CTT não mudarem de rumo, os resultados vão continuar a ser penalizados… e mais tarde ou mais cedo poderão entrar em prejuízos…
Das quatro áreas de negócios, o correio tradicional tem o maior peso nos rendimentos operacionais com cerca de 75% e continua na queda de fluxo. O expresso e encomendas têm um peso de 16% e cada vez mais concorrência. Os serviços financeiros, com 9%, perdem receita, e agora vamos ter também a loja do cidadão a comercializar certificados de aforro. Por último, o Banco CTT que não tem qualquer peso, com custos elevados, e fracas receitas (não há manutenção de conta, nem comissões de transferências, espera-se que o crédito à habitação, bastante competitivo, traga as receitas tão aguardadas para o Banco CTT quebrar o break-even). Quatro áreas de negócio em que não se vislumbra qualquer melhoria, e se os CTT não mudarem de rumo, os resultados vão continuar a ser penalizados… e mais tarde ou mais cedo poderão entrar em prejuízos…
Paulo Monteiro Rosa, Jornal "Vida Económica" 10 de novembro 2017
sexta-feira, 3 de novembro de 2017
UM GRÁFICO QUE METE MEDO
Na semana passada, o BCE anunciou uma redução em 30 mil milhões de
euros, metade dos atuais 60 mil milhões de euros, no montante mensal de
compras de dívida de Estados e de empresas). Esta tinha sido uma das
medidas do plano "Quantitative Easing" (QE) que o BCE pôs em marcha para
ajudar a injetar liquidez nas economias e a descer os juros dos países
como Portugal, no auge da crise.
Em reação a este anúncio do BCE – redução dos estímulos "artificiais" –, mercado acionista subiu, e o euro, como é seu hábito quando o mercado sobe, depreciou-se face ao dólar dos EUA.
Nem uma reação nem outra seriam normais caso estivéssemos perante uma redução efetiva da ajuda do BCE. As cotações das obrigações soberanas também reagiram em alta, e, obviamente, assistimos a uma redução das "yields", como seria expectável com a manutenção das políticas monetárias. A verdade é que o BCE continua a sustentar os mercados acionistas e obrigacionistas.
O euro depreciou-se como reflexo de uma moeda que vai continuar alicerçada num balanço do Banco Central Europeu, quatro vezes superior aos valores de há nove anos!
A partir de janeiro de 2018, teremos essa redução no valor mensal de ajudas, porém o montante de estímulos permanece aparentemente idêntico.
Apenas foi diluído, e diferido no tempo. Em boa verdade, não parece existir uma redução em termos de montantes do programa, logo não estamos na presença de um "tapering".
Segundo o discurso de Mario Draghi, presidente do BCE, apesar da melhoria económica na Zona Euro, nomeadamente na Alemanha, a inflação ainda se encontra aquém dos 2%, objetivo para que está mandatado o BCE. As subidas das taxas de juro de referência do Banco Central da Zona Euro permanecem adiadas para daqui a alguns anos. Atualmente Draghi está apenas focado na melhoria da estratégia do "Quantitative Easing".
O Banco de Inglaterra começa gradualmente a estabilizar a sua taxa de juro de referência pela primeira vez nos últimos 10 anos, encetando uma política monetária contracionista.
A reunião da Reserva Federal a 12 e 13 de dezembro deverá confirmar a subida de taxa em 0.25 pontos percentuais para o intervalo [1.25%-1.5%]. Os futuros da "current target Rate 13 December" que cotam no CME, bolsa de derivados de Chicago, indiciam uma probabilidade de 97% para esse cenário ser uma realidade. Ainda no que respeita à autoridade monetária, aguarda-se o nome da pessoa que irá substituir Yellen no cargo de presidente da FED.
Em suma, existe uma manutenção das políticas monetárias expansionistas na Zona Euro e no Japão, e políticas monetárias contracionistas no Reino Unido e mais enérgicas nos EUA. Duas forças contrárias. Conseguirão as políticas da Zona Euro segurar os mercados, quando do lado de lá do Atlântico temos uma força antagónica que começa a pressionar as bolsas? Os otimistas no mercado, a maioria, têm ainda esperança que a política orçamental expansionista da Administração de Donald Trump, se se vier a confirmar, mantenha a chama dos mercados, levando-os a registar máximos históricos, nomeadamente nos EUA e na Alemanha. Ao passo que, na Europa, assistimos a uma gradual e lenta "japonização", espelhada na inversão da pirâmide demográfica, e que arrasta uma deflação pelo excesso de capacidade de produção instalada, e o sistemático adiamento e manutenção das medidas, não existindo reformas por parte dos governos, que se mantêm escudados pelas políticas monetárias expansionistas "não convencionais" do BCE…
Os balanços quadruplicaram em nove anos, desde 2008. Algo inimaginável e nunca visto.
No entanto, se observarmos em termos relativos, como percentagem do PIB, o Balanço do BCE está bastante mais exposto que o da FED, e representa 42% do PIB da Zona Euro, contra apenas 24% relativamente aos EUA.
Em reação a este anúncio do BCE – redução dos estímulos "artificiais" –, mercado acionista subiu, e o euro, como é seu hábito quando o mercado sobe, depreciou-se face ao dólar dos EUA.
Nem uma reação nem outra seriam normais caso estivéssemos perante uma redução efetiva da ajuda do BCE. As cotações das obrigações soberanas também reagiram em alta, e, obviamente, assistimos a uma redução das "yields", como seria expectável com a manutenção das políticas monetárias. A verdade é que o BCE continua a sustentar os mercados acionistas e obrigacionistas.
O euro depreciou-se como reflexo de uma moeda que vai continuar alicerçada num balanço do Banco Central Europeu, quatro vezes superior aos valores de há nove anos!
A partir de janeiro de 2018, teremos essa redução no valor mensal de ajudas, porém o montante de estímulos permanece aparentemente idêntico.
Apenas foi diluído, e diferido no tempo. Em boa verdade, não parece existir uma redução em termos de montantes do programa, logo não estamos na presença de um "tapering".
Segundo o discurso de Mario Draghi, presidente do BCE, apesar da melhoria económica na Zona Euro, nomeadamente na Alemanha, a inflação ainda se encontra aquém dos 2%, objetivo para que está mandatado o BCE. As subidas das taxas de juro de referência do Banco Central da Zona Euro permanecem adiadas para daqui a alguns anos. Atualmente Draghi está apenas focado na melhoria da estratégia do "Quantitative Easing".
O Banco de Inglaterra começa gradualmente a estabilizar a sua taxa de juro de referência pela primeira vez nos últimos 10 anos, encetando uma política monetária contracionista.
A reunião da Reserva Federal a 12 e 13 de dezembro deverá confirmar a subida de taxa em 0.25 pontos percentuais para o intervalo [1.25%-1.5%]. Os futuros da "current target Rate 13 December" que cotam no CME, bolsa de derivados de Chicago, indiciam uma probabilidade de 97% para esse cenário ser uma realidade. Ainda no que respeita à autoridade monetária, aguarda-se o nome da pessoa que irá substituir Yellen no cargo de presidente da FED.
Em suma, existe uma manutenção das políticas monetárias expansionistas na Zona Euro e no Japão, e políticas monetárias contracionistas no Reino Unido e mais enérgicas nos EUA. Duas forças contrárias. Conseguirão as políticas da Zona Euro segurar os mercados, quando do lado de lá do Atlântico temos uma força antagónica que começa a pressionar as bolsas? Os otimistas no mercado, a maioria, têm ainda esperança que a política orçamental expansionista da Administração de Donald Trump, se se vier a confirmar, mantenha a chama dos mercados, levando-os a registar máximos históricos, nomeadamente nos EUA e na Alemanha. Ao passo que, na Europa, assistimos a uma gradual e lenta "japonização", espelhada na inversão da pirâmide demográfica, e que arrasta uma deflação pelo excesso de capacidade de produção instalada, e o sistemático adiamento e manutenção das medidas, não existindo reformas por parte dos governos, que se mantêm escudados pelas políticas monetárias expansionistas "não convencionais" do BCE…
Os balanços quadruplicaram em nove anos, desde 2008. Algo inimaginável e nunca visto.
No entanto, se observarmos em termos relativos, como percentagem do PIB, o Balanço do BCE está bastante mais exposto que o da FED, e representa 42% do PIB da Zona Euro, contra apenas 24% relativamente aos EUA.
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- Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.