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sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Juros da dívida portuguesa igualam os do BCE: irracionalidade no mercado de dívida?

Na semana passada, a República Portuguesa emitiu dívida de curto prazo, através da colocação dos habituais bilhetes do tesouro, no montante total de 1500 milhões de euros a 6 e a 12 meses, às taxas de juro mais baixas de sempre de -0,4% e 400 milhões euros no prazo mais curto e -0,349% e 1100 milhões de euros a 12 meses.

A procura ultrapassou a oferta em mais de duas vezes em ambas as maturidades! O Banco Central Europeu (BCE) cobra 0,4% às instituições financeiras que façam parte do Euro Sistema, nomeadamente bancos, que queiram depositar lá o dinheiro. O que leva instituições financeiras porque só elas conseguem aceder ao mercado primário das emissões de dívida – a pagarem uma de 0,4%, o mesmo pedido pelo BCE, num empréstimo à República Portuguesa? O mercado atribui um risco idêntico ao BCE e à dívida soberana portuguesa? À primeira vista diríamos que sim. Mas isto não faz sentido.

O BCE cobra uma taxa de 0,4% nos depósitos com o intuito de desincentivar os bancos a depositar dinheiro junto do banco central e forçá-los a emprestar às famílias e empresas para reanimar a economia e a inflação. Essa taxa negativa é como uma espécie de multa ou tarifa por "parquear" esse dinheiro junto do BCE em vez de o canalizar para a economia real.

Porém, nem todas as instituições financeiras conseguem aceder ao Euro Sistema, como é o caso dos fundos de pensões e das seguradoras, entre outras. Provavelmente, terão sido elas a tomar a maior parte da dívida nesta emissão pois não têm acesso aos depósitos junto do BCE.
Mas porquê pagar 0,4% para entregar dinheiro? Uma razão pode ser a necessidade de diversificar a liquidez por vários emitentes de dívida e instituições bancárias, evitando o risco de ter toda a liquidez disponível concentrada num só setor.

No balanço do "Target 2" (o sistema de transferências bancárias entres bancos da Zona Euro e o BCE), no final de setembro, tinham sido transferidos para bancos alemães quase 900 mil milhões de euros. O saldo também é positivo para países da Europa setentrional como a Holanda, a Finlândia e o Luxemburgo. Já no que concerne aos países meridionais o movimento é contrário, e temos assistido a saídas de dinheiro de Itália, da Espanha, de Portugal e da Grécia.


No caso português a dimensão é preocupante porque estamos a falar de 76 mil milhões de euros no final de setembro deste ano, quase metade do PIB nacional, e cerca de 70% da massa monetária portuguesa quando medida pelo M1 (ou seja, moeda em circulação acrescida dos depósitos à ordem; total de moeda que não rende juros e é liquidez imediata). E é quase 40% do agregado monetário M2, que é o M1 acrescido dos depósitos a prazo, a denominada quase-moeda, porque não tem a liquidez imediata.

Nos últimos tempos assistimos a uma aproximação dos juros pagos pelos países nórdicos aos juros pagos pelos países periféricos do sul da Europa. Como aconteceu entre 1999 e 2008, antes da crise financeira, quando a taxa da dívida alemã a 10 anos era de 3,6% e a da dívida portuguesa a 10 anos andava muito próxima na casa dos 3,8%, em boa verdade implicitamente existiam "EuroBonds", tal como começamos a assistir atualmente. Todavia, ao nível bancário continuamos a assistir a discrepâncias. Em boa verdade, na Zona Euro, existem dois sistemas bancários, o do norte e o do sul. E isso reflete-se, muito provavelmente, na compra de dívida pública portuguesa a taxas negativas por parte de instituições financeira que não conseguem aceder aos depósitos junto do BCE.

De salientar que os Estados-Membros da União Europeia estão a considerar medidas, desde o início do ano, que impeçam temporariamente as pessoas de retirarem dinheiro das suas contas para evitar corridas aos depósitos (“Bank Runs”)…

Paulo Rosa, In "Vida Económica", 24 de novembro


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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.