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sexta-feira, 29 de maio de 2020

Uma economia a 90% após confinamento global

Para entender como poderá ser a forma de recuperação económica pós-Covid19, parece pertinente examinar a história das pandemias.

Não existe uma vacina para nenhum dos seis tipos de coronavírus que afetam o ser humano, tal como não há, até ao momento, para o novo coronavírus, e as pandemias são geralmente caracterizadas por uma segunda vaga antes da existência de um tratamento.

Estamos perante a "economia 90%", com os setores do turismo, hotelaria, restauração e aviação a funcionarem, ainda, significativamente abaixo das suas potencialidades, e sem se saber por quanto tempo. Neste particular, a China é um importante "Leading Indicator", porque estava a desconfinar quando o resto do mundo começou a encerrar as suas fronteiras. Em meados de maio, o congestionamento nas 100 maiores cidades chinesas havia regressado à normalidade, todavia o nível de passageiros do metro nas nove maiores cidades chinesas estava 30% abaixo de 2019, e as viagens de longa distância (rodoviário, ferroviário e aéreo) estavam a menos de 50% dos números do ano passado. O distanciamento social dita as regras e, parece, que veio para ficar por um tempo indeterminado...

No entanto, o mercado continua a cristalizar a enérgica política monetária expansionista dos bancos centrais.

Na China, a maioria dos setores regista níveis dececionantes de retorno à normalidade e, se excluirmos setores como o cimento, que são impulsionados por investimentos governamentais e de empresas estatais, a recuperação está longe de um V É mais um U ou um W!

Os investigadores de um estudo publicado no "The Journal of Infectious Diseases" examinaram os sete coronavírus conhecidos por infetarem os seres humanos, concentrando-se nos quatro mais comuns: OC43, 229E, HKU1 e NL63, concluindo que apareceram mais no inverno e no início da primavera, e comportam-se de maneira altamente sazonal e previsível. São endémicos em todo o mundo e responsáveis por cerca de 10% a 30% das infeções do trato respiratório, e resfriados comuns.

O MERS-CoV (MERS, Middle East Respiratory Syndrome) parece gozar de alguma sazonalidade bianual, mas não comprovada cientificamente, relacionada com o maior tráfego de camelos. Somente o tempo dirá se o SARS- CoV-2, o novo coronavírus que causa a doença da Covid-19, se tomará uma presença contínua no cenário sazonal de um coronavírus humano, ou terá uma circulação limitada como o MERS na Península Arábica, ou desaparecerá do ambiente humano, como parece ter acontecido com o SARS-CoV (SARS, Severe Acute Respiratory Syndrome).

Segundo cientistas, aparentemente o SARS-CoV-2 promove imunidade como outros coronavírus. Isso significa que o corpo humano, provavelmente, reterá a memória do vírus pelo menos durante alguns anos, e deverá ficar protegido contra reinfeções pelo menos a curto prazo. Mas temem que o SARS- CoV-2 possa ser um vírus que se mostre resistente à vacinação. O FDA nunca aprovou uma vacina para seres humanos que seja eficaz contra qualquer membro da família dos coronavírus humanos, que inclui o SARS e o MERS. Existe sempre o risco de nunca podermos obter uma boa vacina contra o coronavírus.

Porém, o SARS-CoV-2 é o único coronavírus humano responsável por uma pandemia e, obviamente, há um significativo investimento e um esforço hercúleo em investigação para se obter uma vacina e um tratamento que jamais existiu com qualquer outro coronavírus. O choque para os consumidores foi significativo e a maioria pode decidir não voltar aos níveis anteriores de gastos ou ao mesmo padrão de consumo. A JP Morgan estima que os lucros em 2021, provavelmente, estejam 20% abaixo do nível de 2019, contrariando a recuperação das ações. Jerome Powell também sinalizou que a retoma nos EUA não começará antes do final de 2021, e as estimativas da Fed tendem a ser diplomáticas e geralmente otimistas.

O Deutsche Bank mencionou que leva cerca de 22 dias para encerrar uma economia e cerca de quatro a 10 vezes esse tempo para regressar à normalidade. Considerando que 75% das perdas de empregos são provenientes do setor de serviços (viagens e lazer, educação, saúde), uma recuperação em W, ditada pelo distanciamento, é mais plausível do que em V. 

Paulo Monteiro Rosa, In Vida Económica, 29 de maio 2020





sexta-feira, 22 de maio de 2020

Gradual desconfinamento suporta mercados

O Nasdaq segue impulsionado pela Facebook e Amazon, títulos que continuam a registar máximos históricos consecutivos. O S&P 500 está 12% abaixo do seu topo de sempre e o Dowjones a 17% dos seu valor mais alto de todos os tempos.

Os três índices registam uma subida superior a 30% em relação aos mínimos de março, devido aos estímulos sem precedentes. O S&P 500 segue ligeiramente abaixo da média móvel de 200 dias (MA200), estando a ser uma verdadeira resistência. Os investidores estão animados pelas notícias sobre o desenvolvimento de uma vacina e reforço dos estímulos monetários e orçamentais. O secretário do Tesouro dos EUA, Steven Mnuchin, e o presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, disseram que o governo e o banco central estão a considerar mais medidas para garantir que as áreas mais atingidas da economia recebam apoio adequado.

Na Europa, o mercado recebeu com significativa satisfação o acordo alcançado entre a Alemanha e a França para um fundo de recuperação de 500 mil milhões de euros a "fundo perdido" para enfrentar os danos causados pela pandemia Covid19».

A medida que os bloqueios são atenuados e a epidemia de coronavírus é controlada sob um número cada vez maior de países, alguma recuperação da economia já está a ser incluída nos preços das ações.

O BCP reportou um lucro líquido no primeiro trimestre da 35,3 milhões de euros, uma queda de 77%, uma vez que o banco registou 78,8 milhões de euros de provisões para riscos associados ao surto do coronavírus. A receita líquida de juros ascendeu aos 385,5 milhões de euros, um crescimento de 6,3%. O BCP referiu que está numa posição sólida para enfrentar o choque económico causado pela pandemia

A Société Generale afirmou que 18 empresas europeias que podem estar em risco de realizarem aumentos de capital: Dia, Air France- -KLM, Deutsche Lufthansa, Europcar Mobility, Meggitt, Norma, SGL Carbon, Solvay, K+S, Atlantia, IGT, Melia Hotels, Lagardere, Repsol, PGS, Altice Europe, IAG, EDF. As ações espanholas seguem com um desempenho abaixo da maior parte das praças europeias. Os bancos enfrentam preocupações com o crédito malparado. A pandemia está também a penalizar outras grandes empresas, como a retalhista Inditex SA e a IAG SA, empresa detentora de companhias aéreas, incluindo a British Airways e a Iberia.

Bancos turcos melhoram após a recente recuperação da Lira dos mínimos históricos.

AÇÕES

EUROPA

Lucro do BCP no 1B trimestre cai 77% com o peso das provisões para riscos de coronavírus.

A Air France decidiu pela simplificação da frota para aumentar a competitividade, usando aeronaves mais modernas e de alto desempenho, e com pegada ambiental reduzida. Os A380 serão substituídos por aviões de nova geração, incluindo Airbus A350 e Boeing 787, cujas entregas estão em andamento. A decisão surge no contexto da crise da Covid-19. O rating da IAG foi reduzido para "junk" pela S&P para BB de BBB-, Outlook negativo.

COMMODITIES

BRENT

A curva do petróleo continua a recuperar. No entanto, ainda permanece ascendente, com as cotações dos contratos para entrega imediata ou nos prazos mais curtos mais baixas que os preços indicativos para os contratos mais longos para o final do ano e seguintes, ditando, apesar do alívio, a perseverança do contango, que continua, assim, a sinalizar recessão económica. Mas o supercontango, no WTI está a desaparecer, à medida que as restrições à circulação são levantadas e a esperança de uma vacina aumenta.

CAMIBIAL

PESO ARGENTINO

As economias dos mercados emergentes e as suas moedas continuam pressionados pela contração económica provocada pela pandemia. O peso argentino atingiu novos mínimos históricos face ao dólar americano nos 68 pesos. A cotação do dólar no mercado paralelo é mais elevada, por volta dos 125 pesos. O país caminha para novo default a 22 de maio, quando vence o pagamento de 500 milhões de dólares de juros de três obrigações soberanas. O governo quer reestruturar alguns títulos e está confiante nas negociações com a comissão de mercados dos EUA (SEC), 
PAULO ROSA  Jornal Económi
co

Economista Sénior, Banco Carregosa 



Admirável mundo novo

No contexto da pandemia da Covid-19 novas realidades emergem. O confinamento, o encerramento de empresas e as medidas de distanciamento social determinaram a "economia 90%", impactando a vida quotidiana. Sem surpresa, as empresas que enfrentam maior exposição a viagens, e exigem interações presenciais, esperam um longo período de tempo para regressar à normalidade. Por outro lado, empresas de segmentos de mercado como construção, consumer Staples e data centers prevêem uma normalização mais rápida. No S&P 500, os lucros por ação, desde o início do ano, foram corrigidos em baixa 27%. Todavia, os mercados acionistas continuam resilientes, apesar da incerteza da forma de recuperação. Perante a enérgica atuação dos bancos centrais, o efeito TINA (There Is No Alternative) continua a moldar a postura dos investidores e a alimentar o FOMO (Fear Of Missing Out).

A intensificação das estratégias de digitalização, do direct-to-consumer e da automação são as principais prioridades dos gestores, dado que o envolvimento on-line disparou com o confinamento. Aparecem soluções de digitalização centradas na mudança de comportamento do consumidor num ambiente de baixa mobilidade e sem contacto. Os restaurantes adicionaram serviços de pedidos e pagamentos on-line, o retalho voltou-se para o marketing digital e para o comércio eletrónico, o atendimento ao paciente voltado para a telemedicina. O trabalho em casa impulsionou as tecnologias e os bancos investem ainda mais em recursos de financiamento móvel. As empresas dos setores de consumo básico tiveram picos nas vendas online (receitas da Walmart subiram74%). Muitas aplicações tiveram um crescimento exponencial de downloads: Chats e vídeo (+1485%), fitness em casa (+288%), compras (+214%) e comércio eletrónico (+116%). Os canais diretos ao consumidor conheceram um aumento semelhante, com os clientes a procurarem alternativas de compra, e as empresas a promoverem as vendas diretas ao consumidor final, com estratégias de automação nas suas operações e cadeias de suprimentos que reduzirão no longo prazo os custos operacionais.

Há uma força de trabalho em mudança. A redução dos custos de mão de obra por demissões, licenças e cortes de salários, não se limitaram às indústrias mais afetadas pelo distanciamento social. Em abril, 20,5 milhões de empregos foram perdidos e a taxa de desemprego nos EUA subiu para 14,7%. As empresas capazes de fazer a transição de funcionários para trabalhar em casa, optaram pelo WFH (Work From Home), aparecendo potenciais oportunidades para que alguns dos seus funcionários continuassem a trabalhar remotamente a longo prazo, com reduções nos custos das deslocações e dos espaços físicos (os custos de internet, eletricidade e água passam da empresa para casa). As empresas com funcionários no local incorreram em custos adicionais associados à garantia da segurança desses trabalhadores.

Hoje, os gestores privilegiam a liquidez e a robustez do balanço. O aumento da incerteza levou as empresas a reduzirem gastos de capital, recompras de ações e pagamento de dividendos. Têm existido oportunidades de fusões e aquisições, considerando o ambiente amai, para empresas com balanços musculados.

Em parte, o S&P 500 tem mostrado relativa resiliência à contração económica, devido ao elevado peso das Blues Chips e das empresas defensivas (não cíclicas). A crise afetou mais as pequenas empresas que têm menos flexibilidade operacional. No primeiro trimestre, os lucros por ação do S&P 500 caíram 14%, enquanto do Russell 2000 pequena capitalização (Small Caps) desceram 90%. Os lucros da Microsofi aumentaram 22%.

As plataformas on-line compensam parcialmente as quedas de receita no consumo pessoal. O consumidor responde por 70% da economia dos EUA, e o consumo discricionário, excluindo a Amazon, caiu 6% no primeiro trimestre e as vendas a retalho nos EUA baixaram 16% em abril. Mas as restrições aceleraram a mudança para o comércio eletrónico.

O aumento dos custos associados à manutenção ou retoma da atividade comercial continuará a pressionar as margens de lucro. O Facebook mencionou que após um declínio inicial acentuado em março, a receita com anúncios estabilizou durante as primeiras três semanas de abril, em comparação com o mesmo período do ano anterior. 

Paulo Rosa,
Vida Económica, 22 de maio de 2020



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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.