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sexta-feira, 30 de julho de 2021

O ‘nudging’, a arquitetura da escolha e a economia comportamental

O ‘nudge’ é um lembrete que ajuda as pessoas a adotarem um comportamento mais desejável para elas. Pequenos sinais ou alterações no nosso ambiente podem ter um grande impacto nas nossas escolhas e comportamentos. Por exemplo, quando o setor bancário posiciona as vantagens da poupança para a reforma nas partes mais visíveis das suas agências ou dos seus ‘sites’, as pessoas são encorajadas a aumentarem as suas poupanças para a aposentação, simplesmente porque essa notas e comunicações são mais visíveis. 

O objetivo do ‘nudge’ propositado nas nossas vidas, ambientes, hábitos e processos, é para alcançarmos melhores decisões e resultados.

Cada vez sabemos mais acerca do modo como as pessoas tomam decisões. A arquitetura da escolha e a forma como os nossos cérebros processam a informação nas tomadas de decisão. O ‘nudging’ enquadra-se na literatura da economia comportamental e corresponde a intervenções suaves que alteram as decisões das pessoas mudando o seu comportamento de acordo com as suas expectativas. Os seres humanos têm racionalidade limitada e, por isso, muitas vezes tomam decisões enviesadas que vão contra os seus melhores interesses. Apesar da maior parte dos modelos económicos terem como uma das principais premissas as expectativas racionais dos agentes económicos, as evidências da economia comportamental mostram que na realidade as pessoas não são tão racionais e não fazem, obviamente, previsões de acordo com as teorias das probabilidades, apresentando inconsistências nas suas preferências. Estas evidências abriram espaço para a gradual prática do ‘nudge’.

Todavia, os ‘nudges’ nunca forçam as pessoas na tomada de decisões. Embora os lembretes possam impulsionar numa determinada direção, um dos princípios básicos do ‘nudging’ é nunca limitar ou eliminar as restantes opções. A escolha final é sempre da pessoa e o ‘nudge’ não é de todo uma regra ou uma obrigação. Na arquitetura de escolha, o ‘nudge’ é um ‘empurrão’ que altera o comportamento das pessoas de uma forma previsível, sem impedir quaisquer opções alternativas. Divulgar os benefícios da poupança ao nível dos nossos olhos é um “empurrãozinho” que não pretende, obviamente, excluir a opção de consumir.

Os ‘nudges’ podem ser aplicados para o bem ou para o mal? Em boa verdade, as pessoas podem ser ‘lembradas’ para consumir muito além do necessário ou tomar decisões de investimento aquém das ideais. No entanto, Richard Thaler e Cass Sunstein, autores do livro ‘Nudge’ de 2008, sempre enfatizaram a ideia de que um ‘nudge’ é um meio de ajudar as pessoas a alcançarem os objetivos desejados (que têm em mente, mas por alguma razão não colocaram em prática), seja poupar, comer de forma mais saudável ou procurar e defender a sustentabilidade do planeta. Resumidamente, ‘lembretes’ como os ‘nudges’ destinam-se a ajudar-nos a passar da “intenção à ação”, em vez de nos convencer ou persuadir a fazer algo que não tínhamos intenção de fazer.

O ‘nudging’ possibilita a adoção de novos e melhores hábitos. A economia comportamental tem implementado estratégias de sucesso na prossecução desses objetivos. Existem métodos inteligentes que utilizam recompensas para impulsionar a nossa força de vontade para fazer algumas coisas que não queremos fazer, mas que geralmente trazem benefícios a longo prazo.

Fazermos exercício físico enquanto assistimos ao nosso filme favorito na televisão é um exemplo de agrupar algo que podemos muitas vezes não querer fazer com algo que nos dá prazer.

A evidência empírica mostra que são poucas as pessoas que optam por ser dadoras de órgãos, mas quando são automaticamente inscritas, a menos que se oponham, a maioria concorda em sê-lo. Os economistas comportamentais referem que limitar as escolhas é eficaz para impulsionar a adesão. Muitas opções criam confusão e hesitação, e é menos provável que realizemos qualquer ação ou opção, e o mais certo é nada fazermos. É conhecido como "o paradoxo da escolha" e o ‘nudge’ apareceu para corrigi-lo…
  

Paulo Monteiro Rosa, In Vida Económica, 30 de julho de 2021



quarta-feira, 21 de julho de 2021

O 3º trimestre é do dólar!?

Desde a última reunião da Reserva Federal norte-americana (Fed), nos dias 15 e 16 de junho, o dólar tem estado suportado pelo aumento das expectativas de uma redução na compra de ativos, mais cedo do que esperado, corroborada também pela antecipação da primeira subida das taxas de juro da Fed de 2024 para 2023, espelhada no diagrama de ‘dot plot’ da Fed. É esperado que o regresso ao trabalho de alguns americanos em setembro, impulsionado pela vacinação, fim dos subsídios e abertura dos infantários, possa acelerar a prossecução do pleno emprego, manter robusta a atividade económica e diminuir a necessidade de estímulos e, consequentemente, suportar o dólar. O balanço da Fed contraiu 15% de janeiro de 2018 a agosto de 2019 e o dólar face ao euro valorizou cerca de 13% no mesmo período. As taxas de juro da Fed subiram de 1,5% para 2,5% em 2018 e regressaram às quedas em agosto de 2019. 

No seio da Fed, cresce o número de membros que desejam uma diminuição gradual dos estímulos monetários mais cedo do que esperado, justificando a sua postura contracionista com a subida da inflação nos últimos meses. O IPC tem subido gradualmente e em junho foi de 5,4%, o valor mais elevado desde agosto de 2008. Todavia, existem membros, nomeadamente o presidente Powell, que referem o carácter temporário da inflação, em boa parte impulsionada pelos efeitos de base.

A quantidade existente de uma moeda justifica o valor da mesma. Em março do ano passado, o confinamento global ditado pela pandemia impôs uma paralisação da economia, nomeadamente da produção de bens e serviços não essenciais, para tentar suster a propagação do vírus. Nessa altura de forte queda dos mercados financeiros, a procura por liquidez aumentou significativamente e o dólar foi um dos únicos ativos a valorizar em março de 2020, a capitalizar o seu estatuto de moeda hegemónica face à preferência por liquidez dos agentes económicos. Em apenas quinze dias, o colapso dos mercados financeiros determinou a descida das taxas de juros pelos bancos centrais e o reinício dos programas de recompra de títulos para fornecer liquidez à economia. Era preciso manter salários e estruturas produtivas capazes de retomar a produção a qualquer momento, e serenidade nos mercados financeiros.

Num regime monetário de moeda-mercadoria os bancos centrais não conseguem criar nova moeda e substituir-se aos agentes económicos, nomeadamente aforradores e bancos comerciais, que deixam de alimentar o mercado monetário devido ao aumento do risco e dos receios de perderem o seu dinheiro. Apenas uma parte dos aforradores estará disposta a emprestar dinheiro e a taxas de juro elevadas que compensem objetivamente o risco. Todavia, num regime de moeda fiduciária a criação de dinheiro pelos bancos centrais é ilimitada, o seu custo é o “imposto inflacionário”, e permite-lhes fornecer toda a liquidez suficiente à economia para que esta não pare e se mantenha a paz social.

Todos os bancos centrais criaram nova moeda, mas a Fed foi a instituição monetária mais arrojada e essa política penalizou, e muito, o dólar. Por exemplo, o euro não desceu taxas [também não tinha margem!] e beneficiou do regresso da coesão à UE na distribuição de fundos pelos membros mais afetados pela crise, nomeadamente países de serviços e com um peso acrescido do turismo. A moeda americana perdeu 10% face ao euro no segundo semestre 2021. 

O ressurgimento da Covid, impulsionado pela variante Delta altamente transmissível, é visto como uma ameaça crescente ao crescimento global e o dólar é visto como um dos principais portos seguros. Este receio poderá estar a espoletar, ultimamente, a compra de dólares e posterior aquisição de dívida dos EUA e, consequente, descida das taxas de juro de longo prazo. A crescente volatilidade nos mercados financeiros também poderá suportar o dólar.

Para muitos é tempo de iniciar o ‘tapering’ do dólar. Um menor crescimento da quantidade dólares em relação a outras moedas, nomeadamente à moeda única, poderá suportar o dólar. Ademais, o BCE pretende acelerar mais a sua política monetária expansionista com a adoção de uma meta mais flexível para a estabilidade dos preços. O Dollar Index subiu de 90 para 93 no último mês. Todavia, a penalizar o dólar continuam os défices gémeos… 

Paulo Monteiro Rosa, In Vida Económica, 23 de julho de 2021



Bancos centrais receiam deflação!?

O Banco Central Europeu (BCE) irá discutir na próxima reunião de política monetária, no dia 22 de julho, a fixação da sua meta de inflação em 2% no médio prazo, abandonando a formulação anterior de "abaixo, mas perto de 2%", que reconhecia uma maior preocupação com o crescimento dos preços acima da meta dos 2% do que abaixo dela. Todavia, esta nova política não é uma média à volta dos 2% e o BCE não pretende compensar com inflação os períodos deflacionistas da última década e meia, tal como a Reserva Federal dos EUA (Fed) procura desde a adoção de uma estabilidade de preços à volta dos 2%, em agosto do ano passado.

A adoção da nova política pelo BCE permite preços acima dos 2% para estimular o crescimento económico após a crise ditada pela pandemia, enquanto que a superação dos 2% para o banco central dos EUA é para impulsionar o crescimento económico e alcançar o pleno emprego, mas também para compensar anos marcadamente deflacionistas. Aqui reside a principal diferença entre a nova meta do BCE e da Fed. A meta do BCE, apesar de desafiar os cânones do Bundesbank, fica ainda aquém do objetivo de estabilidade de preços traçado pela Fed.

O BCE refere que a meta é simétrica, o que significa que desvios negativos e positivos da inflação em relação à meta são sempre indesejáveis. O banco central da Zona Euro admitiu que em certas situações, quando é necessário um apoio monetário especialmente forte ou persistente para impulsionar a economia, a inflação poderá exceder moderada e temporariamente a sua meta e, nestas situações, os 2% não são necessariamente um teto.

Contudo, a nova meta de preços do BCE indicia uma política monetária manifestamente ainda mais ‘dovish’ e, implicitamente, ancora a bitola da inflação de preços na Zona Euro acima dos valores anteriores. E para alcançar preços mais elevados, o BCE terá que ser ainda mais arrojado nas já enérgicas políticas monetárias expansionistas e manter as taxas de juro baixas durante um longo período de tempo.

Uma meta mais flexível para a inflação permite inferir que o BCE antecipa que as variáveis deflacionistas das últimas décadas manter-se-ão intactas nas economias avançadas. A globalização, e a sua característica eminentemente concorrencial, continuará a favorecer a queda dos preços e os avanços tecnológicos a aumentarem a produtividade, a descida dos custos das empresas e a impulsionar o fenómeno deflacionista.

No entanto, a China, a par dos países do leste da Europa, contribuíram em grande parte para a deflação das últimas três décadas das economias avançadas, mas atualmente o envelhecimento da população, nomeadamente da China devido à política de um filho, apesar de revertida em 2011 para dois filhos e em maio de 2021 para três, poderá abrandar a produção chinesa, diminuir a sua poupança e excedente comercial, e deixar de exportar deflação para as economias ocidentais. Tendencialmente, o envelhecimento da população é inflacionista, porque é sinónimo de menos produção, mas o consumo mantém-se muito semelhante, com os bens duradouros como carros, casas e eletrodomésticos a serem substituídos na velhice por crescentes cuidados de saúde. Menos produção face aos mesmos níveis de consumo resulta numa subida de preços.

Países emergentes e economias de fronteira com populações jovens, desde a Índia ao continente africano, passando pela América Latina e pela Indochina são potenciais candidatos a assumirem o ritmo de produção chinês de crescimento médio do PIB de 10% de 1990 até 2010. Contudo, alguns destes países têm sociedades estratificadas e aparelhos produtivos desestruturados e outros baixos níveis de educação e de saúde, tudo entrave ao aumento da produção global e exportação de deflação para as economias avançadas.

Em suma, se a produção dos países emergentes e de fronteira não aumentar, as próximas décadas na Europa, no Japão e nos EUA poderão ser mais inflacionistas e os seus bancos centrais reverterão para contracionistas as suas políticas monetárias para travarem potenciais fenómenos indesejáveis de subida de preços. O problema no futuro poderá ser mais a inflação e menos a deflação. Atualmente, o BCE procura inflacionar a sua economia com uma crescente política monetária expansionista e subida da fasquia da inflação, mas o futuro poderá evidenciar o oposto… 

Paulo Monteiro Rosa, In Vida Económica, 16 de julho de 2021



sexta-feira, 9 de julho de 2021

Valor trabalho e inflação

A teoria quantitativa da moeda (TQM) é a relação entre a quantidade de moeda em circulação na economia e a produção ponderada pelo nível de preços e é expressa pela equação identidade entre quantidade de moeda e PIB nominal (MV=PT, Massa monetária x Velocidade da moeda = Produção x Preços). Uma equação identidade admite infinitas soluções e denomina-se identidade porque em algum momento ambos os lados da equação são idênticos. Antes do aparecimento da moeda, e da sua relevante utilidade na divisão e especialização do trabalho, as trocas eram efetuadas com os bens produzidos por cada um, a produção era a moeda de troca e a TQM seria dada pela igualdade entre produção e produção. No entanto, sem trabalho não existe produção de bens económicos, assim sendo a TQM em primeira instância é dada pela equação identidade “trabalho = trabalho”. Cada um de nós troca a maior parte do seu trabalho por quantidades pequenas do trabalho de inúmeras pessoas refletido em cada bem ou serviço que consumimos. 

No longo prazo o nível de preços será eventualmente determinado pela quantidade de moeda existente e pelos bens e serviços produzidos, mas no curto prazo a inflação de preços depende da interação entre procura e oferta de bens e serviços e procura e oferta de moeda. Num sistema de moeda fiduciária, a adoção pelo banco central de uma política monetária acentuadamente expansionista poderá não redundar em inflação, e a estabilidade de preços poder-se-á manter se a procura por moeda também crescer significativamente ou se a oferta de bens e serviços superar continuamente um potencial aumento adicional da procura. É uma conjugação de expetativas adaptativas no curto prazo, até se alcançar um reequilíbrio entre moeda e produção no muito longo prazo. John Maynard Keynes, um economista focado no curto prazo e na célere resolução das recessões económicas, defendia que o nível geral dos preços seria dado pela igualdade entre investimento e poupança e não pela variação da quantidade de moeda.

A produção resulta da conjugação do trabalho e do capital. No passado, e ainda em algumas economias de subsistência, a produção dependia quase exclusivamente do trabalho e o capital resumia-se a uma ferramenta de caça ou um arado para lavrar a terra. O fabrico de uma ferramenta de produção, ou seja capital, é resultado do trabalho de alguém. Em suma, o capital é trabalho e conhecimento acumulado, desde o mais rudimentar machado, apenas trabalho, à mais complexa e robotizada linha de montagem automóvel, com inúmero trabalho e conhecimento acumulado.

O trabalho precisa de ter utilidade. Um monte de lama pode levar horas a produzir, mas nada vale se não for útil para ninguém. Se numa comunidade a produção combinada entre o fator trabalho e o fator “trabalho acumulado” (capital) for superior ao consumo da sua população, então teremos mais “acumulação de trabalho”, espelhada em mais poupança, que suportará mais investimento reprodutivo e avanços tecnológicos. O trabalho é deflacionista quando supera o que consumimos. Contudo, o trabalho será inflacionista caso não atenda ao nosso consumo e às nossas necessidades. Por vezes, o poder de compra da “acumulação de trabalho” de uma vida inteira poderá ser insignificante, se o país onde temos o nosso património, as nossas poupanças e o nosso dinheiro não tiver mais trabalho produtivo que satisfaça o nosso consumo na velhice. 

A produção japonesa, medida pelo PIB, cresceu apenas ligeiramente nos últimos 25 anos. Todavia, o excedente da balança corrente externa nipónica mantém-se estável, média anual de 3% nos últimos 35 anos, devido à diminuição do consumo interno e aumento da poupança. Apesar do envelhecimento da população e da taxa de dependência (idades compreendidas entre os 0-14 anos e superior aos 65 anos face à faixa etária dos 15 aos 65 anos) ter subido dos 45% em 1971 para 69% em 2020, o Japão mantém uma taxa de participação no mercado de trabalho de 62%. Há trabalho produtivo no Japão que gera mais produção do que aquela que é consumida. Aquilo que é trabalhado a mais é exportado e cria poupança adicional que reduz o seu preço, a taxa de juro, mantém a inflação em níveis baixos e suporta o investimento. Mas as taxas de juro reais, predominantemente negativas nos últimos 5 anos, ameaçam o já frágil crescimento económico…

Paulo Monteiro Rosa, In Vida Económica, 9 de julho de 2021



quinta-feira, 1 de julho de 2021

Inflação e envelhecimento demográfico

O ser humano precisa de consumir para sobreviver. Mas, por vezes, a produção de um determinado país não consegue mitigar as necessidades elementares da sua população e a inflação de preços tende a subir significativamente. Nesses países a poupança é escassa e os défices das balanças correntes são elevados.

O crescente envelhecimento da população e o consequente aumento da dependência causam um gradual declínio da produção. Menos trabalhadores significam menos produtores. Menos oferta perante a mesma procura implica subida dos preços. Em suma, o envelhecimento da população é inflacionista do ponto de vista da produção, tal como uma doença, mais ou menos incapacitante, causa uma diminuição da produção e por conseguinte um aumento da inflação. Se, no limite, toda a população estivesse doente não haveria produção, apenas consumo, e os preços tenderiam para infinito.

Níveis elevados de poupança podem adiar a inflação numa população cada vez mais envelhecida e garantem taxas de juro baixas que suportam o financiamento da economia e promovem o investimento. Numa abordagem seccionada da população, os trabalhadores mais jovens são tendencialmente inflacionistas, consomem mais do que produzem, têm baixos níveis de poupança e antecipam o consumo recorrendo ao crédito alicerçado nas poupanças dos trabalhadores seniores, a fase da vida mais propensa à deflação. Os reformados apenas consomem suportados pelas poupanças de uma vida e tendem a ser um contributo para inflacionar os preços. Uma população envelhecida consome fundamentalmente bens essenciais quotidianos, onde os cuidados de saúde têm um peso eminentemente crescente, e menos bens duradouros, tais como casa, carros e eletrodomésticos.

Nas últimas décadas, a China contribuiu consideravelmente para o aumento da produção mundial, para a crescente globalização e ‘exportação’ de deflação para as economias avançadas. A economia chinesa respondia por apenas 1,27% do PIB mundial em 1990, quase 5% em 2000, cerca de 10% em 2010 e 17% em 2020. Desde que a China começou a abrir e a reformar a sua economia em 1978, o crescimento do PIB foi em média 10% ao ano, e mais de 800 milhões de pessoas foram retiradas da pobreza. Houve melhorias significativas no acesso à saúde e à educação. A China é agora um país de rendimento médio alto. A par da China, os países do leste da Europa também contribuíram para o fenómeno deflacionista e diminuição do peso dos salários nas economias avançadas. A mão de obra mais barata da China e das economias do leste da Europa desvalorizou o fator trabalho nos países desenvolvidos. As empresas das economias avançadas têm apostado mais na recompra de ações e não investem o suficiente para que a produtividade marginal do trabalho volte a crescer. Logo há aumento da desigualdade na redistribuição dos rendimentos no ocidente, fraco crescimento económico, baixas taxas de juro e longos períodos deflacionistas. Contudo, a desigualdade entre economias avançadas e emergentes diminuiu substancialmente.

Todavia, a poupança chinesa e a sua contribuição deflacionista tendem a diminuir, influenciadas, em parte, pela política de um único filho de 1980. A recente decisão para que na China se permita que casais tenham até três filhos, adotada em maio de 2021, provavelmente não irá conter a desaceleração no crescimento populacional de acordo com a Fitch. Atualmente, a faixa etária dos 0 aos 14 anos representa apenas 18% da população, abaixo da média mundial e indicia uma redução da força de trabalho na próxima década.

O Japão tem uma taxa de fertilidade muito baixa, uma elevada longevidade e é o país mais envelhecido do mundo, mas tem experienciado deflação há 20 anos. No entanto, cerca de 30% da população com mais de 65 anos trabalha e representa 13,4% da força de trabalho, valor que triplicou em 40 anos. A força de trabalho no Japão é de 62%, aumentou 4 pontos percentuais (pp) nos últimos 10 anos, pouco abaixo dos 66% da China que diminuiu cerca de 15 pp desde 2000. O Japão tem pleno emprego, é o maior exportador mundial, a par da Alemanha, e tem um crescimento estável potenciado pelo elevado progresso tecnológico. Ademais, o Japão tem ‘importado’ deflação da China.

A Índia e o continente africano são os principais candidatos para desempenharem o papel deflacionista da China e dos países do leste da Europa nas próximas décadas, mas entraves políticos, economias desestruturadas e sociedades estratificadas podem ser obstáculos. Outras economias emergentes, tais como a América Latina e a Indochina podem ser também potenciais candidatos para compensar a China…

Paulo Monteiro Rosa, In VE, 2 de julho 2021




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Naturalidade Angolana
Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.