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sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

Salários, tecnologia e liberdade

Surgem no tempo dos fenícios, dos gregos e dos romanos as primeiras embarcações cujos principais meios de propulsão eram as velas e os remos, conhecidas por galés. As velas são uma tecnologia há muito conhecida e capturam o vento, gerando força de propulsão para empurrar o barco na direção pretendida, mas, na ausência de vento, os remos são fundamentais, principalmente nos navios de guerra. Deste modo, as galés utilizavam como principais propulsores o vento e a força humana. Inovações gregas e romanas procuraram substituir a propulsão braçal do homem pela força de bois e de cavalos, através de embarcações movidas a rodas de pás com tração animal que funcionavam como mecanismos de propulsão. Todavia, estas soluções mais técnicas raramente foram utilizadas. Num mundo em que o trabalho ‘escravo’ nos remos era barato, o complicado mecanismo da embarcação não era rentável em termos de custos.

A partir do renascimento no séc. XV, as transformações na sociedade europeia foram bem evidentes na cultura, economia, política e religião. O mundo ocidental assistiu a uma gradual transição do feudalismo para o capitalismo e a profundas alterações e desenvolvimentos relativamente às estruturas medievais. Uma sociedade e uma economia alicerçadas nas crescentes liberdades de pensamento e de escolarização permitiram mais conhecimentos e notáveis avanços tecnológicos. A invenção da máquina a vapor em 1698 alicerçou a primeira revolução industrial de 1760 a 1840. A produtividade do trabalho aumentou significativamente e pela primeira vez na história o padrão de vida de toda a população começou a experimentar um crescimento sustentado. O aumento dos rendimentos das famílias e os crescentes avanços tecnológicos fizeram um caminho lado a lado. Quanto mais elevado o custo da mão de obra, mais baratos eram os novos conhecimentos tecnológicos em termos relativos. Provavelmente, mão de obra barata e escrava em abundância e liberdade limitada ter-nos-iam deixado na idade das trevas por mais alguns séculos.

Economias assentes em baixos salários, cujos bens e serviços produzidos sejam competitivos apenas via preço e não tecnológico, têm o futuro hipotecado. Todavia, salários mais elevados têm que ser suportados por ganhos de produtividade. A produtividade do trabalho aumenta, e, consequentemente, os salários, à medida que se emprega mais tecnologia.

Há uma correlação positiva entre salários e tecnologia. Salários mais elevados são o corolário dos avanços tecnológicos e mão de obra barata trava os progressos tecnológicos. São variáveis interdependentes. ‘Ceteris paribus’, se o nível tecnológico numa determinada economia aumenta, os salários acompanham essa subida. O nível tecnológico determina o nível dos salários e vice-versa. A subida dos salários é inflacionista, mas impulsiona a tecnologia que é deflacionista. As empresas utilizarão mais intensamente tecnologia ou mão de obra de acordo com o seu custo.

No futuro, veículos autónomos mais eficientes e mais baratos substituirão motoristas de camiões e de transportes de passageiros. A inteligência artificial aplicada às intervenções cirúrgicas substituirá médicos-cirurgiões em muitas situações. Ou seja, num cenário de liberdade económica, a tecnologia tomará o lugar do ser humano sempre que seja uma opção mais barata e mais eficiente. Ficaremos todos desempregados? Sim, ficaremos desempregados tal como os remadores das galés gregas e romanas, portageiros, datilógrafas e telefonistas, mas aptos para novos empregos de maior valor acrescentado e mais bem remunerados.
     

Paulo Monteiro Rosa, 31 de dezembro de 2021 In Vida Económica   



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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.