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sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

O ouro e as tensões geopolíticas

O ouro está em máximos dos últimos oito meses e é um ativo de refúgio por excelência quando existem tensões geopolíticas. O ouro não tem nenhuma remuneração subjacente, ou seja, a sua taxa de juro implícita é zero e o único retorno que oferece são os ganhos de capital, isto é, a valorização face ao preço de compra.

Grosso modo, a procura de ouro é impulsionada pela incerteza e pela descida das taxas de juro. E a oferta de ouro será tanto maior, quanto maior for a procura, numa alusão à lei da oferta e da procura e numa ótica de maximização do lucro pelas empresas extrativas do metal amarelo. A incerteza está muitas vezes associada às tensões geopolíticas, às economias desestruturadas dos países de fronteira e de alguns emergentes, e também à desaceleração económica ou recessão, nomeadamente num cenário de estagflação (estagnação económica acompanhada de inflação elevada). Nos últimos cinco anos, o kwanza angolano perdeu 75% do seu valor relativamente ao dólar norte-americano, o peso argentino 85%, a lira turca dois terços e o real brasileiro metade do seu valor, e, neste contexto, o ouro é sempre uma cabal reserva de
valor. Apesar da atratividade das elevadas taxas de juros nestes países, a incerteza e a acentuada inflação incentivam a detenção de ouro, bem como de moedas de referência mundial como o dólar, em detrimento das moedas locais.

Mas não há uma correlação direta e positiva entre uma inflação mais elevada e uma maior procura de ouro.
Depende das causas que estão na génese da inflação. No atual contexto de crescimento económico e de quase pleno emprego, a exemplo os EUA, a inflação tende a aumentar devido ao crescimento da atividade económica e neste cenário o ouro não é um ativo tão atrativo porque a incerteza é baixa e os bancos centrais procuram adotar posturas monetárias contracionistas, refletidas na subida de taxas de juro. Como o ouro não tem um juro implícito, acaba, por vezes, por perder para as principais moedas mundiais, em virtude da subida dos juros. Taxas de juros mais elevadas aumentam o custo de oportunidade de manter ouro sem juros.

O abrandamento económico aumenta a procura de ouro e a recessão acelera ainda mais essa procura, devido à incerteza que existe num contexto de contração económica. Esse apetite por ouro será tanto maior, quanto mais elevada for a inflação, por isso a cotação do ouro tende a acelerar em cenários de estagflação.

A evolução das taxas de juro tem um papel importante na cotação do ouro. Quando os bancos centrais precisam de estimular o crescimento económico, através de uma política monetária expansionista, configurada na diminuição das taxas de juro e expansão dos seus balanços, o ouro como não gera qualquer rendimento torna-se gradualmente mais atrativo. Taxas de juro baixas, ou nulas, retiram às moedas fiduciárias quaisquer remunerações e é indiferente ter ouro ou dólares, euros, ienes. Ademais, neste cenário o ouro tem vantagem porque é visto como um ativo de refúgio desde os primórdios da civilização, logo o investidor fica protegido face a tensões geopolíticas e todas as incertezas que sempre existem.

Todavia, a reversão da política monetária pelos bancos centrais e a adoção de uma postura gradualmente mais ‘hawkish’, evidenciada na crescente subida de taxas de juro, retira boa parte do ‘brilho’ ao ouro. Mas quaisquer sinais de desaceleração económica e abrandamento das pressões inflacionistas nas economias avançadas, nomeadamente nos EUA, contribuirá para um novo impulso da cotação do ouro.

Ultimamente, o ouro tem sido impulsionado pelas tensões geopolíticas entre a Ucrânia e a Rússia. Atualmente, vários cenários se configuram para a evolução da ouro. Uma investida da Rússia em território ucraniano limitada às duas repúblicas separatistas tenderia a travar a subida da cotação do ouro. Numa situação de escalada do conflito através de uma resposta musculada da NATO e da Ucrânia relativamente à Rússia, o ouro tenderia a valorizar ainda mais. Mas se as pretensões da Rússia vão além das duas repúblicas separatistas e o objetivo das tropas russas seja tomar Kiev, o ouro poderá superar os 2000 dólares por onça e fixar novos máximos históricos.

Paulo Monteiro Rosa, In Vida Económica, 23 de fevereiro 2022


 

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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.