O ouro está em máximos dos últimos oito meses e é um ativo de refúgio por
excelência quando existem tensões geopolíticas. O ouro não tem nenhuma
remuneração subjacente, ou seja, a sua taxa de juro implícita é zero e o único
retorno que oferece são os ganhos de capital, isto é, a valorização face ao
preço de compra.
Grosso modo, a procura de ouro é impulsionada pela incerteza e pela descida das
taxas de juro. E a oferta de ouro será tanto maior, quanto maior for a procura,
numa alusão à lei da oferta e da procura e numa ótica de maximização do lucro
pelas empresas extrativas do metal amarelo. A incerteza está muitas vezes
associada às tensões geopolíticas, às economias desestruturadas dos países de
fronteira e de alguns emergentes, e também à desaceleração económica ou
recessão, nomeadamente num cenário de estagflação (estagnação económica
acompanhada de inflação elevada). Nos últimos cinco anos, o kwanza angolano
perdeu 75% do seu valor relativamente ao dólar norte-americano, o peso
argentino 85%, a lira turca dois terços e o real brasileiro metade do seu valor,
e, neste contexto, o ouro é sempre uma cabal reserva de valor. Apesar da atratividade das elevadas taxas de
juros nestes países, a incerteza e a acentuada inflação incentivam a detenção
de ouro, bem como de moedas de referência mundial como o dólar, em detrimento
das moedas locais.
Mas não há uma correlação direta e positiva entre uma inflação mais elevada e
uma maior procura de ouro. Depende das causas que estão na génese da inflação.
No atual contexto de crescimento económico e de quase pleno emprego, a exemplo
os EUA, a inflação tende a aumentar devido ao crescimento da atividade
económica e neste cenário o ouro não é um ativo tão atrativo porque a incerteza
é baixa e os bancos centrais procuram adotar posturas monetárias
contracionistas, refletidas na subida de taxas de juro. Como o ouro não tem um
juro implícito, acaba, por vezes, por perder para as principais moedas
mundiais, em virtude da subida dos juros. Taxas de juros mais elevadas aumentam
o custo de oportunidade de manter ouro sem juros.
O abrandamento económico aumenta a procura de ouro e a recessão acelera ainda
mais essa procura, devido à incerteza que existe num contexto de contração
económica. Esse apetite por ouro será tanto maior, quanto mais elevada for a
inflação, por isso a cotação do ouro tende a acelerar em cenários de
estagflação.
A evolução das taxas de juro tem um papel importante na cotação do ouro. Quando
os bancos centrais precisam de estimular o crescimento económico, através de
uma política monetária expansionista, configurada na diminuição das taxas de
juro e expansão dos seus balanços, o ouro como não gera qualquer rendimento
torna-se gradualmente mais atrativo. Taxas de juro baixas, ou nulas, retiram às
moedas fiduciárias quaisquer remunerações e é indiferente ter ouro ou dólares,
euros, ienes. Ademais, neste cenário o ouro tem vantagem porque é visto como um
ativo de refúgio desde os primórdios da civilização, logo o investidor fica
protegido face a tensões geopolíticas e todas as incertezas que sempre existem.
Todavia, a reversão da política monetária pelos bancos centrais e a adoção de
uma postura gradualmente mais ‘hawkish’, evidenciada na crescente subida de
taxas de juro, retira boa parte do ‘brilho’ ao ouro. Mas quaisquer sinais de
desaceleração económica e abrandamento das pressões inflacionistas nas
economias avançadas, nomeadamente nos EUA, contribuirá para um novo impulso da
cotação do ouro.
Ultimamente, o ouro tem sido impulsionado pelas tensões geopolíticas entre a
Ucrânia e a Rússia. Atualmente, vários cenários se configuram para a evolução
da ouro. Uma investida da Rússia em território ucraniano limitada às duas
repúblicas separatistas tenderia a travar a subida da cotação do ouro. Numa
situação de escalada do conflito através de uma resposta musculada da NATO e da
Ucrânia relativamente à Rússia, o ouro tenderia a valorizar ainda mais. Mas se
as pretensões da Rússia vão além das duas repúblicas separatistas e o objetivo
das tropas russas seja tomar Kiev, o ouro poderá superar os 2000 dólares por
onça e fixar novos máximos históricos.
Paulo Monteiro Rosa, In Vida Económica, 23 de fevereiro 2022
A transversalidade e Universalidade da ciência económica. O objecto de estudo da economia é a maximização do bem-estar do ser humano, mas não deixa de ser em sentido estrito. A ciência económica é mais abrangente. A todos os seres vivos e não vivos. Ver página "descrição do blog".
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sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022
O ouro e as tensões geopolíticas
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