As principais contas públicas de um governo são o balanço anual das suas contas e o somatório desse mesmo apuramento anual ao longo dos vários anos, ou seja, a execução orçamental e o total da dívida pública, respetivamente. Mas como os números absolutos de pouco servem, tal como uma média de pouco vale sem o respetivo desvio padrão, estes dois números são dados como rácios do défice público e da dívida pública relativamente ao PIB nominal, recorrendo, assim, à relatividade para uma cabal compreensão.
Por exemplo, a dívida pública portuguesa no final de 2021 fixou-se em quase 270 mil milhões de euros, mas a da Suíça era superior (296 mil milhões de euros). Além disso, o país helvético tem uma população de 8,5 milhões de pessoas e que é inferior aos 10,3 milhões de portugueses. Logo, cada cidadão suíço deve 35 mil euros e um cidadão português 26 mil euros. Porém, o PIB nominal da Suíça foi de 715 mil milhões de euros em 2021, quase 3 vezes e meia superior ao PIB nominal português que se fixou nos 212 mil milhões de euros. Em suma, a dívida pública portuguesa foi de 127,4% em 2021 face ao PIB nominal, mas a da Suíça foi de apenas 41,4%.
Na proposta de orçamento do Estado para 2022 (POE22) do passado mês de outubro, o executivo esperava um défice orçamental de 3,2% e reduzir o rácio da dívida para 122,8%. Entretanto, a invasão da Ucrânia pela Rússia acelerou as subidas dos preços do petróleo e do gás natural, dos produtos agrícolas e dos metais industriais, agudizando o cenário macroeconómico, impulsionando a inflação e aumentando os receios de estagflação. Na atual nova proposta de orçamento do Estado para 2022 (NPOE22), neste mês de abril, o executivo espelhou esse mesmo receio de estagflação, reduzindo o crescimento económico em 6 décimas para 4,9% e aumentando as projeções da inflação de 0,9% para 4% em 2022. Todavia, espera uma melhoria considerável do rácio da dívida pública para 120,7% (122,8% na POE22). Apesar das perspetivas para o crescimento do PIB real terem diminuído para 4,9%, as do PIB nominal aumentaram de 6,9% para 7,5% devido ao esperado impulso da inflação. O deflator do PIB é o rácio entre o PIB nominal e o PIB real, e representa a inflação implícita entre aquilo que é produzido (PIB real) e o valor dessa mesma produção (PIB nominal).
No cálculo do PIB na ótica da despesa, o consumo privado responde em Portugal por dois terços do PIB nacional, uma particularidade das economias avançadas, aproximando, assim, o deflator do PIB e o índice de preços no consumidor. O impacto da inflação no aumento do PIB nominal será tanto maior quanto maior for a capacidade de as empresas e a economia portuguesa repercutirem esses preços no consumidor. Mas… a inflação é sobretudo energética e importada. O preço do petróleo é uma variável exógena, cujo aumento subtrai riqueza ao PIB nacional. Sendo assim, o impacto no crescimento do PIB nominal pode ficar aquém do esperado, e, por conseguinte, os rácios da dívida pública e do défice orçamental ficarem acima do estimado.
Portugal importa anualmente cerca de 80 milhões de barris de petróleo e à cotação de 110 dólares o barril, ao câmbio de um euro por cada 1,1 dólares, representa 8 mil milhões de euros, ou seja, quase 4% do PIB nacional. Os combustíveis fósseis ainda respondem por 70% da matriz energética portuguesa e o petróleo representa perto de 45% do mix energético. E se o peso do petróleo desceu ligeiramente, o peso do gás natural triplicou nos últimos 20 anos e representa, hoje, 25% do mix energético primário. (O carvão respondia por 12% em 2018, 5,6% em 2019 e 2,7% em 2020 no consumo de energia primária nacional, mas a sua utilização é cada vez mais residual). Em 2021 metade do gás natural consumido em Portugal veio da Nigéria, um terço dos EUA e 10% da Rússia via barco (GNL-Gás Natural Liquefeito). Apenas 7% veio por gasodutos de Espanha e da Argélia. A tendência é para intensificar as importações norte-americanas e diminuir as russas. Portugal importou em 2021 cerca de 56 milhões m3 de gás natural, ou seja, o equivalente a 59 TWh. Se o preço médio do MWh nos últimos 10 anos foi de 20 euros, o valor das importações de gás rondou os 1200 milhões de euros, pouco mais de 0,5% do PIB nacional. Mas desde setembro do ano passado, os preços têm subido consideravelmente e aceleraram com a invasão da Ucrânia, cotando atualmente acima dos 100 euros o MWh, ou seja, cerca de 2,5% do PIB.
Se a inflação importada não ajuda as contas públicas, também a subida dos juros da dívida pública em mercado secundário penaliza as novas emissões de dívida ao longo do ano e influencia negativamente o défice.
PMR In VE 29 abril 2022
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