Até onde a Reserva Federal dos EUA (Fed) tolera uma queda
dos mercados acionistas? Onde está atualmente a ‘Fed Put’? Uma ‘put’, ou seja,
uma opção de venda é muitas vezes utilizada como cobertura de risco num cenário
de indesejada volatilidade do mercado que afeta negativamente o desempenho de
uma carteira. Uma opção de venda, cujo subjacente é um índice acionista, é um
seguro contra a queda das ações. Nas últimas décadas, os investidores
habituaram-se à atuação pontual da Fed para travar a quedas dos mercados
acionistas. Uma significativa desvalorização das ações retira liquidez aos
mercados, diminui o rendimento disponível e, se persistente e acentuada, acaba
por penalizar o crescimento económico. Sendo assim, os investidores procuram
quaisquer sinais para identificar o ponto a partir do qual é ativada a ‘Fed
Put’, isto é, a partir do qual a queda do mercado estaria coberta pelo banco
central dos EUA e este reverteria a sua política monetária novamente para
expansionista.
A ‘Fed Put’ começou por ser apelidada de ‘Greenspan Put’ e
apareceu pela primeira vez durante o mandato de Alan Greenspan, presidente da
Fed de 1987 a 2006, para mitigar a crise financeira de 1987. Greenspan foi
bastante proativo, tentando impedir quedas excessivas do mercado de ações, agindo
como uma forma de seguro contra perdas, semelhante a uma opção de venda. Em boa
verdade, a ‘Fed Put’ representa uma crença dos investidores num seguro contra a
queda do mercado, um tipo de compromisso tácito de que a Fed travará sempre
excessivas quedas dos mercados acionistas, cuja estabilidade dos mesmos também
depende a estabilidade da economia.
No entanto, atualmente a política monetária da Fed depende
sobretudo da evolução da inflação. Quanto mais persistente a alta dos preços,
mais firme será a postura da Fed no seu combate. E um aumento das taxas de juro
mais arrojado penalizaria ainda mais o mercado acionista. Haverá um momento a
partir do qual a Fed optará pelo mercado acionista em detrimento da inflação? A
queda das ações é também um processo deflacionista, ou seja, a sua
desvalorização retira liquidez aos mercados, tal como um aumento de taxas de
juro pelos bancos centrais ou um Quantitative Tightening, abrandando a inflação
e facilitando o trabalho da Fed no combate à alta dos preços. Mas a queda das
ações é mais eficaz a travar a inflação do lado da procura, como por exemplo na
contenção do custo das rendas de casa (‘shelter’), via diminuição dos preços
dos imóveis. Esta variável pesa um terço no índice de preços no consumidor
norte-americano e tem contribuído para o aumento da inflação dos EUA. Todavia,
a subida dos preços da energia e os constrangimentos nas cadeias de
abastecimento, ditados pela pandemia e pela guerra na Ucrânia, não são
facilmente travados pela queda das ações e até mesmo pela política restritiva
da Fed, pois tratam-se de variáveis do lado da oferta. Os preços da energia
continuam elevados e constituem uma ameaça à economia e favorecem o
aparecimento de uma estagflação, estagnação económica associada a elevada
inflação, tal como na década de 1970. Mas nessa altura a dependência energética
norte-americana dos combustíveis fósseis era de 50%, hoje os EUA são
autossuficientes em petróleo e gás natural.
Apesar das palavras marcadamente inflexíveis de Jerome
Powell, frisando um firme combate à inflação em detrimento do mercado
acionista, muitos investidores ainda acreditam que há uma ‘Fed Put’, mas
reconhecem que o seu preço de exercício está cada vez mais baixo. A pesquisa de
maio do Bank of America Global Fund Manager mostrou que as expetativas para a
‘Fed Put’ relativamente ao S&P 500 baixaram para 3529 pontos, um valor 26%
abaixo dos máximos. E inferior aos 3647 de abril e aos 3698 de fevereiro.
Certo é que quanto mais cai o mercado acionista, mais
atrativo este fica numa perspetiva de longo prazo. Mais importantes do que
quaisquer ‘Fed Put’ são os lucros das empresas e o nível das taxas de juro.
Quanto mais desvalorizam as ações, maiores são as rentabilidades das mesmas
face aos lucros gerados, mas a subida dos rendimentos do tesouro, nomeadamente
da ‘yield’ a 10 anos dos EUA, influencia o prémio de risco das ações (Equity
Risk Premium, ERP). O ERP representa a diferença entre os retornos do mercado
acionista e os rendimentos de ativos sem risco, tais como as obrigações do tesouro
dos EUA, com horizontes temporais comparáveis. Hoje o rendimento de 2,75% das
‘treasuries’ a 10 anos retira atratividade a uma ação cuja rentabilidade é de
2,5%, não fazendo sentido investir nessa ação se há um retorno maior sem risco.
PMR In VE 25 maio 2022
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