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quarta-feira, 27 de julho de 2022

Relógios, produtos farmacêuticos e químicos suportam franco suíço

 

Estamos em 2022. Toda a Europa foi ocupada pela inflação… Toda? Não! Um país povoado por irredutíveis suíços resiste ainda ao invasor. Os sucessivos excedentes comerciais suíços e a inflação relativamente baixa no atual contexto mundial, de 3,6% em junho, suportam a moeda helvética, fortalecida também pela resposta atempada do Banco Nacional da Suíça (SNB). No passado dia 16 de junho, o SNB aumentou os juros em 50 pontos base, de -0,75% para -0,25%, a primeira subida desde setembro de 2007, numa tentativa de travar as pressões inflacionistas. A inflação alastrou a toda a Europa, impulsionada pela crise energética, e os maiores encargos com a importação de combustíveis fósseis têm penalizado as contas externas das economias europeias. Mesmo a Noruega que apresenta crescentes superávites na balança comercial, beneficiando da alta do preço do petróleo, divulgou uma inflação homóloga em junho de 6,3%. A Holanda, a Irlanda e a Dinamarca mostram relevantes excedentes comerciais, mas a elevada dependência dos combustíveis fósseis, respetivamente 87%, 84% e 60% tem impulsionado os preços nestes países, cuja inflação homóloga foi em junho de 9,6%, 8,6% e 8,2%, respetivamente. As restantes economias europeias revelam uma crescente deterioração das suas contas externas, a par de um gradual agravamento da inflação. A Alemanha divulgou em maio o seu primeiro défice comercial desde 1991 e a inflação fixou-se nos 7,6% em junho. Todavia, a inflação em França, de 5,8% em junho, é, a seguir à da Suíça, a mais baixa da Europa, atenuada pela produção doméstica de energia nuclear que representa 36% da matriz de consumo energético primário francês, sendo a principal fonte de energia gaulesa.      

De regresso à Suíça, os combustíveis fósseis representam 47% da matriz energética primária helvética (35% petróleo e 12% gás natural), o nuclear 16% e as hidroelétricas 32%. Apesar de um referendo em 2017, sobre a Estratégia Energética 2050, ter determinado a eliminação gradual do nuclear, a Suíça tem atualmente em funcionamento três centrais nucleares e quatro reatores, o que lhe permite, a par da energia hídrica, uma relativa independência energética. Ademais, desde o início do conflito na Ucrânia, os inquéritos realizados mostram que os suíços estão novamente mais recetivos ao nuclear, justificado pelas crescentes preocupações com a segurança energética. A abundância de lagos aumenta a soberania energética, cuja capacidade instalada das hidroelétricas equivale a mais de 15 GW. A barragem suíça Grande Dixence, uma das maiores da Europa, dispõe de uma capacidade instalada de 2070 MW, quase o dobro dos 1158 MW da ‘giga bateria’ recentemente inaugurada na Zona do Tâmega e quatro vezes superior aos 520 MW do Alqueva. Alguma autonomia energética e a relativa robustez do franco suíço (CHF), atenuando os preços das importações, travam o aparecimento de inflação mais elevada. A economia suíça é uma das mais abertas do mundo, e em 2021 as exportações totalizaram CHF 259,5 mil milhões e as importações quedaram-se pelos CHF 200,8 mil milhões, culminando num excedente comercial de CHF 58,7 mil milhões. Pedras e metais preciosos, nomeadamente ouro, representaram cerca de CHF 110 mil milhões das exportações e das importações. Mas as contribuições líquidas vieram dos produtos químicos e farmacêuticos, cerca de CHF 75 mil milhões em 2021, bem como das exportações de relógios que ascenderam a CHF 22,3 mil milhões (a título de comparação de valor, as 382,6 toneladas de ouro detidas pelo Banco de Portugal valem 20 mil milhões de euros), com os principais mercados a permanecerem nos EUA, China e Hong Kong. Por exemplo, se com 100 kg de aço, que custam 15 euros, podemos produzir milhares de parafusos com um valor total de 1.000 euros, então se forem molas para relógios o valor pode alcançar os 100.000 euros e muito mais ainda, ou seja milhões de euros, se forem molas para relógios suíços. O elevado valor acrescentado dos produtos suíços permite um robusto crescimento económico e uma inflação controlada. No primeiro semestre deste ano, o superávite comercial diminuiu para CHF 16 mil milhões (em junho o excedente comercial foi de CHF 2,6 mil milhões). Baixa inflação e excedentes comerciais conferem à Confederação Helvética a designação de ‘aldeia irredutível’ no velho continente europeu. O ordoliberalismo, modelo económico que domina o país desde a 2ª guerra mundial, tem alicerçado a economia suíça e promovido a sua competitividade e atratividade. A robustez da banca suíça confere o músculo financeiro necessário a todos os investimentos helvéticos que sejam viáveis.

Apesar de alguma independência energética, a Suíça é um ‘landlocked’ que depende de ‘pipeline’ para o abastecimento de gás natural, nomeadamente para uso doméstico das famílias (por exemplo, a Alemanha utiliza uma parte relevante na indústria). Como a Suíça não pertence à União Europeia, não há acordos firmados no que concerne ao aumento do fornecimento de gás por ‘pipeline’ para suprir as necessidades do próximo inverno. Potenciais dificuldades podem impulsionar a inflação e penalizar o CHF. No entanto, a Suíça é o maior centro de negociação de ‘commodities’ do mundo. A quota de mercado global está estimada em 35% para petróleo, 60% para metais e 50% para açúcar e cereais, respetivamente. A maioria das maiores empresas ‘traders’ de ‘commodities’ na suíça são: Vitol, Trafigura, Gunvor, Mercuria e Glencore. A Suíça, apesar de não possuir recursos naturais como hidrocarbonetos ou metais, tornou-se um centro influente de ‘commodities’ graças a uma combinação de privilégios fiscais para empresas registadas no país, e este facto pode-lhe permitir a abertura de algumas ‘portas’. E apesar de a Suíça ter imposto crescentes sanções à Rússia, não abandonou a sua politica de neutralidade militar mais antiga do mundo definida em 1815, o que lhe confere relativa facilidade nos negócios. 

Desde a invasão da Ucrânia pela Rússia, no passado dia 24 de fevereiro, o CHF valoriza 6% em relação ao euro, mas perde 3,5% relativamente ao dólar americano. Excetuando o rublo, a moeda dos EUA ganha, desde o início do ano, a todas as moedas mundiais, beneficiando da postura cada vez mais ‘agressiva’ da Reserva Federal dos EUA (Fed) e da ligeira melhoria das contas externas americanas nos últimos três meses. O aumento dos juros pela Fed em 25 pontos, 50 pontos e 75 pontos, nas três últimas reuniões, para travar a inflação mais elevada desde 1981, impulsiona a atratividade do dólar, reforçada também pela sua particularidade de principal moeda de refúgio global em períodos de maior volatilidade e queda dos mercados.

Por último, o balanço do SNB, atualmente de 1,07 biliões de CHF (quase 150% do PIB suíço), aumentou dez vezes desde a crise financeira de 2008 e as implicações inflacionistas preocupam as autoridades monetárias suíças. Contudo, foram as compras de euros pelo SNB, para impedir a valorização do CHF, que elevaram o balanço e culminaram no abandono do câmbio fixo a 1,20 CHF/ 1 EUR no dia 15 de janeiro de 2015, optando o SNB novamente pela sua independência monetária, numa alusão à tríade impossível (num regime de câmbios fixos, não é possível usufruir simultaneamente de livre circulação de capitais e independência monetária do banco central). Mais de 90% do ativo são investimentos em moeda estrangeira, sobretudo euros, e no passivo o ritmo de crescimento da moeda em circulação tem sido relativamente estável. Os juros baixos incentivaram a liquidez e os depósitos à ordem triplicaram no passivo, mas a inflação nunca surgiu, apesar de ser uma ameaça constante. Cerca de 20% do balanço são lucros do SNB.

PMR In VE 27/07/2022



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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.