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sexta-feira, 15 de julho de 2022

Mitos urbanos da inflação



1. Mito: a criação de dinheiro pelos bancos centrais determina sempre um aumento da inflação de preços ao consumidor em proporções semelhantes. Realidade: o aumento dos preços no consumidor depende não só da oferta de moeda, mas também da procura da mesma, bem como da oferta e da procura de bens e serviços. E a oferta monetária vai muito além da moeda criada pelos bancos centrais. As autoridades monetárias determinam apenas a base monetária, moeda em circulação acrescida das reservas bancárias, e através da criação desta moeda central procuram influenciar a quantidade total de moeda numa economia (massa monetária), estimulando os bancos comerciais a emprestarem mais dinheiro e os agentes económicos a endividarem-se, no intuito de acelerar a atividade económica, o emprego, a produção e o bem-estar. A nova moeda criada pelos bancos centrais é utilizada, por exemplo, para comprar títulos da dívida pública, fomentando a sua valorização e consequente diminuição dos seus juros. Gradualmente o mecanismo de queda dos juros transmite-se a todo o sistema financeiro e, como referiu Cantillon, a nova moeda não beneficia todos em simultâneo, mas desfasadamente. As ações e restantes obrigações, cujas remunerações se tornam mais atrativas, valorizam. A baixa dos juros estende-se com mais ou menos rapidez à economia, nomeadamente ao setor imobiliário. E, num regime de reservas fracionárias, a nova moeda central (refletida ‘grosso modo’ na queda dos juros) alcançará todos os agentes económicos, através da moeda crédito criada pelos bancos comerciais, se existir solicitação da mesma e o analista de crédito de cada banco comercial aprovar os empréstimos. Os bancos centrais não cedem dinheiro diretamente ao público. Entre 2007 e 2014 o balanço da Reserva Federal dos EUA quadruplicou, mas a inflação anual de preços ao consumidor manteve-se à volta de 1,5% nesse período. Numa política monetária expansionista, o objetivo das autoridades monetárias é fomentar o investimento, estimular o consumo e desincentivar a poupança. Contudo, os bancos centrais criam moeda central e os bancos comerciais criam moeda crédito e estas duas moedas constituem a massa monetária. Atualmente nos EUA a moeda central, medida pela base monetária, equivale a cerca de 25% do total da massa monetária quando medida pelo agregado M1, moeda em circulação acrescida dos depósitos à ordem. A teoria quantitativa da moeda, útil para perceber o mecanismo dos preços, relaciona a variação de preços na economia com a quantidade de moeda disponível, e é dada pela identidade MV=PT (massa monetária x velocidade de circulação equivalente à produção x preços, ou seja, o montante de dinheiro e a velocidade da sua circulação equivalem ao PIB nominal). Antes do aparecimento do dinheiro, aquando da troca direta, a igualdade era dada pela produção = produção, por isso é uma identidade, ou seja, uma equação que admite infinitas soluções. Entretanto, não é a base monetária que aparece no cálculo, mas a massa monetária que representa o total de moeda na economia. Quanto à velocidade, esta pode variar muito no curto prazo e é dada em termos matemáticos pelo rácio entre o PIB nominal e a massa monetária (PT/M). A velocidade de circulação da moeda depende da evolução da atividade económica, e esta é ditada sobretudo pelo nível tecnológico, globalização, demografia e pelos preços das importações, nomeadamente matérias-primas essenciais, cuja elasticidade é muito rígida. Uma maior velocidade será tanto mais inflacionista, quanto menor for a sua capacidade em aumentar a quantidade de bens e serviços na economia.

2. Mito: A deflação é tão ou mais grave que a inflação. Realidade: a queda dos preços como resultado de um acréscimo significativo de produção, fruto por exemplo dos avanços tecnológicos e de uma maior globalização, é obviamente bem-vinda. E diante da expectativa de queda de preços, não é da natureza humana adiar o consumo e, deste modo, o investimento. Existe deflação quando a oferta agregada supera a procura agregada. Mas a oferta cria a sua própria procura, tal como referiu Say. Durante a década de 1920, a oferta de carros pela Ford iniciou a democratização dos automóveis. Um trabalhador da Ford conseguia comprar um modelo T com cerca de 4 meses de salário. Em 1926 a Ford instituiu a semana de 5 dias e 40 horas. Em 1929, nos EUA, cerca de 20% da população conduzia e existiam 27 milhões de carros (algumas famílias tinham 5 carros na garagem). Estas poupanças fortaleceram o crescimento económico e criaram uma pujante classe média norte-americana. Todavia, a deflação, esta indesejável, que se seguiu ao ‘crash’ bolsista de 1929, resultou de ajustamentos de créditos, como por exemplo para comprar carro ou para especular na bolsa. Além do mais, as respostas políticas de fixação de salários aceleraram ainda mais a crise e conduziram a falências. Quanto à inflação, esta é negativa sempre que exista açambarcamento, menos produção, menos consumo.

PMR in VE 13/07/2022



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Naturalidade Angolana
Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.