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quarta-feira, 28 de setembro de 2022

As expectativas para a inflação e a curva de Phillips


A curva de Phillips representa a relação inversa entre inflação e desemprego, ou seja, quando o emprego aumenta, a inflação tende a aumentar também. E essa correlação será tanto mais significativa quanto mais peso tiverem os salários na estrutura de custos de uma empresa e, em termos mais generalizados, na economia como um todo. Nos EUA o peso dos salários corresponde atualmente a cerca de 45% do PIB e os juros, rendas e lucros respondem pelo remanescente. Certo é que são os rendimentos do trabalho, ou seja, os salários que mais influenciam a procura, a evolução do consumo e por conseguinte os índices de preços no consumidor e respetiva inflação.

A maioria da população é assalariada e geralmente tem apenas esse rendimento. Quem usufrui de outros rendimentos como juros, rendas e lucros, além dos salários, tem habitualmente um património financeiro considerável e não são oscilações do mesmo que influenciam a sua postura mais ou menos consumista. Além de que a propensão marginal ao consumo tende a diminuir à medida que o rendimento aumenta, logo rendimentos elevados são quase irrelevantes na evolução da inflação. É mais dinheiro na mão de muitas pessoas, e não mais dinheiro na mão de poucas pessoas, que perseguem mais produtos e impulsionam os preços do cabaz de bens e serviços que serve de referência à taxa de inflação.

Sendo assim, é a grande maioria das pessoas assalariadas, excluindo os que usufruem de remunerações mais elevadas, juntamente também com os rendimentos daqueles que auferem montantes menos relevantes de juros, rendas e lucros (mais nos EUA onde as pessoas têm parte do seu património em bolsa), que influenciam a evolução dos preços dos alimentos, do vestuário, da educação, da saúde, das telecomunicações, dos carros e o valor das rendas de casa que pesam um terço no índice de preços no consumidor dos EUA.

Posto isto, a curva de Phillips, grosso modo, é a relação direta entre salários e desemprego. Se o custo da mão de obra subir, as empresas terão mais dificuldade em contratar trabalhadores, a não ser que existam ganhos relevantes de produtividade. Tal como se a taxa de desemprego aumentar, os trabalhadores estarão disponíveis para trabalhar mais barato e vice-versa.

Apesar de a curva de Phillips ser muito útil e válida numa perspetiva de curto prazo, ela perde grande parte da sua racionalidade no longo prazo. No curto prazo, as expectativas para inflação estão ancoradas habitualmente em níveis baixos, muito devido às perceções nominais dos agentes económicos (ilusão monetária de Keynes), mantendo válido o trade-off entre a taxa de desemprego e a taxa de inflação. Mas tudo muda numa perspetiva de longo prazo. Imaginemos que um governo num período pré-eleitoral opta por uma política económica expansionista, promovendo o aumento do emprego e a construção de estradas, pontes, escolas e hospitais. Diante dos estímulos orçamentais, as empresas vão contratar mais trabalhadores, a taxa de desemprego desce e a taxa de inflação sobe, encontrando um novo ponto de equilíbrio mais à esquerda na curva de Phillips. Se os estímulos monetários, os créditos baratos e os orçamentos despesistas permanecerem durante algum tempo, os trabalhadores começam gradualmente a associar essas mesmas políticas expansionistas à inflação que, entretanto, surgiu e vão reivindicar salários mais elevados. Perante uma inflação ancorada agora em níveis mais altos, as perceções nominais de curto prazo dos agentes económicos passam a ser gradualmente perceções reais. O aumento do custo da mão de obra desincentiva as empresas a contratarem e a produção diminui novamente para o ponto inicial, mas agora a uma taxa de inflação mais elevada. Ou seja, perante a dinâmica das expetativas adaptativas, um crescimento mais rápido dos preços, portanto, quase certamente leva a um crescimento mais rápido dos salários. Da mesma forma, o crescimento salarial mais rápido aumenta o custo de produção e este é repassado aos preços sempre que possível, caso contrário os lucos descem e a probabilidade de falência aumenta, e toda este processo ocorre em crescente círculo vicioso. Este fenómeno tende a ser substancialmente agravado se existir um choque externo, uma crise energética como a da década de 1970, culminando numa forte subida da inflação importada e expectativas mais elevadas para a inflação, tal como é atualmente observado, nomeadamente na Europa. Por isso, no longo prazo, a inflação tem pouco efeito sobre o desemprego e vice-versa e a curva de Philips tende a ser vertical, a denominada NAIRU (Non Accelerating Inflation of Rate Unemployment), ou seja, a taxa de desemprego que não “acelera” a inflação, significando que a taxa de desemprego acima da NAIRU não gera inflação, mas apenas abaixo.

A Fed precisa desesperadamente de manter as expectativas de inflação o mais baixo possível, especialmente as expectativas de curto prazo, que podem ser incorporadas aos salários nominais e ao crescimento dos preços. O argumento mais convincente para uma perspetiva de inflação benigna é que as expectativas de inflação de longo prazo permaneceram ancoradas onde os bancos centrais precisam que elas estejam, ou seja, nas economias avançadas nos 2%. Por exemplo, o duplo mandato da Fed de pleno emprego sustentável e estabilidade de preços manteve-se nos últimos 10 anos, refletindo uma curva de Phillips quase horizontal, praticamente achatada. E os economistas ocidentais, nomeadamente os norte-americanos, consciencializaram-se de que a economia pode sustentar um desemprego muito menor do que pensavam sem níveis preocupantes de inflação, mas os fatores deflacionistas nas últimas décadas como os avanços tecnológicos e a globalização, sobretudo com a entrada da China na Organização Mundial do Comércio, contribuíram consideravelmente para a baixa inflação nas economias avançadas, associada a baixo desemprego. Por isso, convém sublinhar que a curva de Phillips não implica que o crescimento causa inflação. Bem pelo contrário, o aumento do crescimento, tudo o mais constante, reduzirá a inflação no longo prazo. A inflação é sempre, e em toda parte, um fenómeno monetário.

Por último, de acordo com os dados da Reserva Federal de Nova Iorque e da Universidade de Michigan, as expetativas para a inflação norte-americana “a 12 meses” desancoraram-se no final do primeiro semestre de 2021, quando superaram os 4%. Esta superação foi também observada em 1990, 2008 e 2011, mas durante apenas alguns meses. Nas últimas quatro décadas, as expetativas para a inflação a 12 meses andaram normalmente centradas entre os 2,5% e os 3,5%. À volta dos 3,5% nas décadas de 1980 e 1990 e em torno dos 2,5% nas últimas duas décadas de 2000 e 2010. Atualmente, as expetativas para inflação estão desancoradas, ou seja, acima do que seria desejável, há cerca de um ano e meio, mas têm diminuído nos últimos meses, de 5,4% em abril para 4,6% em setembro, a de Michigan, e de 6,8% em junho para 5,7% em agosto, a de Nova Iorque. Se as expetativas para a inflação continuarem a desacelerar nos próximos meses impulsionadas pela descida do preço da gasolina, pela queda das rendas de casa e abrandamento da alta dos salários, a atual postura da Fed de não esperar para ver os resultados da subida dos juros poderá pecar por excesso de zelo.


PMR In VE 28 setembro 2022




quarta-feira, 21 de setembro de 2022

Petróleo e gás natural, armas estratégicas de dois mundos

Em resultado do choque petrolífero de 1973-1974, o preço do barril de petróleo quase quadruplicou em menos de um ano. Esta crise energética teve início com o embargo de várias nações árabes produtoras de petróleo, lideradas pela Arábia Saudita, aos países que apoiaram Israel na guerra do Yom Kippur, de 6 a 25 de outubro de 1973, conflito travado entre Israel e uma coligação de países árabes encabeçados pelo Egito e pela Síria. As nações inicialmente visadas pelo bloqueio foram o Canadá, o Japão, a Holanda, o Reino Unido e os EUA, embora o embargo se tenha estendido mais tarde a Portugal e outros países.

À semelhança do respaldo a Israel na guerra israelo-árabe em 1973, também atualmente o ocidente e demais democracias apoiam a Ucrânia no conflito no leste europeu. A este apoio a Rússia responde com um embargo de gás natural, designadamente à Europa, postura que muito provavelmente redundará numa recessão económica na Alemanha no próximo inverno, uma das economias mais vulneráveis e dependentes dos combustíveis fósseis russos. À medida que a crise energética se agrava e se alastra, outras economias ocidentais deverão entrar em recessão, tal como aconteceu em 1974 e 1975.

Mas se na década de 1970 a produção de petróleo dos EUA garantia apenas cerca de metade das necessidades de consumo do país, hoje os norte-americanos estão mais bem preparados, são autossuficientes em petróleo, são o maior produtor mundial de gás natural e o segundo maior exportador global deste hidrocarboneto, logo a seguir à Rússia. Na última década, e graças ao “shale oil”, os EUA ascenderam também a maior produtor global de petróleo, cuja produção contribuiu para estabilizar os preços desta matéria-prima energética em níveis mais baixos nos últimos 12 anos, dificultando a política de preços dos países da OPEP que responderam com a criação da OPEP+ em 2017, novo cartel que passou a integrar grandes produtores de petróleo, tais como a Rússia, o México e o Cazaquistão. É a partir deste ano que o “shale oil” perde gradualmente poder de fixação de preços, perda essa acelerada nos últimos dois anos pela pandemia e pelo desinvestimento em novas prospeções, em parte resultado do aumento das remunerações dos acionistas das empresas de “Shale oil” depois de décadas de muitos investimentos e poucos retornos.

Uma segunda crise energética surgiu em 1979, após a revolução iraniana e a queda do Xá do Irão, e mais uma vez redundou numa recessão global impulsionada pelo aumento do preço do petróleo, cuja cotação do barril triplicou em menos de um ano.

Os choques energéticos de 1973 e 1979 elevaram em simultâneo a taxa de inflação e a taxa de desemprego, invalidando os pressupostos da curva de Phillips, um fenómeno económico novo que foi apelidado de estagflação. A subida dos salários, que já existia incipientemente antes do choque petrolífero de 1973, tornou-se uma realidade nos anos seguintes com os trabalhadores a procurarem manter o seu poder de compra, culminando numa espiral salários/inflação. Também hoje em dia, apesar do menor poder sindical, a alta dos salários nos EUA de 5,2% em agosto, relativamente ao mês homólogo do ano passado, ainda que menor que na década de 1970, despertou de novo os receios dessa espiral.

Paul Volcker, nomeado presidente da Reserva Federal dos EUA (Fed) em 1979, cargo que ocuparia até 1987, muniu-se de uma política monetária energicamente contracionista para baixar as expetativas da inflação enraizadas nos agentes económicos norte-americanos. Por exemplo, as taxas de juro da Fed alcançaram quase 20% em janeiro de 1981. Esta postura desancorou as elevadas expetativas da inflação, mas redundou numa acentuada recessão entre meados de 1981 e o outono de 1982. É certo que as expectativas da inflação baixaram gradualmente ao longo da década de 1980, mas a entrada da China no comércio mundial, após a chegada de Deng Xiaoping ao poder em 1978, bem como o aumento da produção de petróleo, a aceleração da produção de energia nuclear e a descida da intensidade energética (rácio entre o consumo de energia de um país e o seu PIB), foram também variáveis deflacionistas muito importantes para o abrandamento dos preços. A inflação depende não só da interação entre a oferta e procura de moeda, mas também da oferta e da procura de bens e serviços, e um banco central apenas controla uma parte minoritária dessa oferta de moeda, mais especificamente a base monetária.

Tal como o racionamento de energia nos EUA em 1974 e 1975, desde o limite de velocidade à extensão de dois anos do horário de verão, atualmente a Europa quer impor poupanças energéticas no próximo inverno, diminuindo o consumo de eletricidade e de gás. Várias leis foram aprovadas em meados da década de 1970 para reforçar a produção norte-americana de petróleo. É em 1975 que são criadas as reservas estratégicas de petróleo nos EUA para superarem as dificuldades em situações de emergência. Muito provavelmente, é nesta altura que surgem as primeiras consciências ambientais. Na procura de uma maior independência energética, a energia nuclear nos EUA e na Europa acelerou significativamente na década de 1970. Portugal procurou instalar uma central nuclear em Ferrel, concelho de Peniche, em 1976, mas a população de Ferrel manifestou-se contra em 15 de março desse mesmo ano, no primeiro protesto antinuclear no país. A central de Ferrel nunca saiu do papel.


PMR In VE 21/09/2022




quarta-feira, 14 de setembro de 2022

Investidores focados no alívio da inflação em 2023


Os ciclos económicos e os mercados financeiros não andam de mãos dadas. Há uma velha perceção, mais ou menos consensual, entre os investidores mais experientes de que “os mercados antecipam a economia em 6 meses”, ou pelo menos tentam, alicerçados no máximo de indicadores avançados da economia. Atualmente os investidores focam-se cada vez mais nas perspetivas para a inflação na primavera de 2023, mais precisamente na desinflação e numa possível reversão da alta dos juros, facto corroborado pela evolução mais favorável dos mercados acionistas nos últimos 3 meses. 


No passado dia 17 de junho o S&P 500 registou o valor mais baixo do ano nos 3636 pontos e nessa altura o mercado esperava que as taxas de juro da Reserva Federal dos EUA (Fed) no final do ano, após a última reunião da Fed no dia 14 de dezembro, se fixassem em 3,75%, de acordo com os futuros negociados no CME. Em meados de agosto, e apesar de as perspetivas para os juros da Fed se terem mantido ancoradas em 3,75% para o final de 2022, o S&P 500 havia recuperado quase 20% dos mínimos. No entanto, o discurso “agressivo” de Powell em Jackson Hole em 26 de agosto elevou novamente as perspetivas dos juros da Fed, agora para os 4% no final do ano, culminando numa desvalorização do S&P 500 nas semanas seguintes até aos 3900 pontos. Apesar das subidas dos rendimentos do tesouro e das perspetivas mais elevadas para as taxas da Fed, os mercados acionistas têm continuado a mostrar uma relativa resiliência e registaram mesmo cinco sessões consecutivas de ganhos até ao passado dia 12 de setembro, cuja valorização ascendeu a 6% e um índice perto dos 4150 pontos. Subidas essas travadas pelos números desfavoráveis da inflação nos EUA em agosto, divulgados em 13 de setembro, impulsionando os juros da Fed para o final do ano para os 4,5% e penalizando de novo o S&P 500 para os 3930 pontos.


Parece ser convicção dos investidores de que a postura cada vez mais “agressiva” da Fed seja justificada pelo excessivo foco do banco central dos EUA em indicadores desfasados, denominados de “lagging”, como emprego e inflação. Os números do emprego mostram um mercado de trabalho resiliente nos EUA, corroborado pelo atual pleno emprego, mas a confiança empresarial americana medida pelo PMI tem descido consecutivamente desde maio, indiciando uma crescente preocupação dos empresários quanto à evolução económica. Também a queda do sentimento do consumidor deverá penalizar as vendas das empresas. Todavia, os empresários inicialmente desaceleram a contratação de trabalhadores e apenas alguns meses mais tarde encetam uma política de despedimentos se a atividade económica realmente se agudizar, culminando nessa altura num agravamento do mercado de trabalho, subida da taxa de desemprego, e numa eventual recessão, indiciada atualmente pelos rendimentos mais elevados das obrigações do tesouro americano a 2 anos relativamente aos das obrigações a 10 anos. Também a inflação medida pelo índice de preços no consumidor, mais especificamente a variação homóloga, se concentra mais no passado, sendo útil para aferir a perda de poder de compra e para eventuais cálculos na reposição de rendimentos através de aumentos salariais. A variação mensal da inflação é importante para determinar a tendência dos preços no consumidor e potenciais espirais de preços como a dos salários/inflação, mas, ainda assim, existem outros indicadores que são mais “leading”, ou seja, que estão a montante da cadeia de valor e mostram com alguma antecedência a tendência futura dos preços, tais como as cotações dos combustíveis fósseis, dos metais e dos produtos agrícolas. Muitos destes indicadores antecedentes mostram atualmente sinais de deflação, tais como o ouro e o cobre. O metal amarelo tem desvalorizado desde os máximos no início de março, penalizado não só pela subida dos juros e valorização do dólar, mas também pela crescente perceção de uma descida da inflação nos próximos meses, sobretudo em 2023. A cotação do cobre tem caído ainda mais, cerca de 25% desde meados de abril, penalizada pelas perspetivas mais fracas para a procura deste metal industrial diante da desaceleração da economia chinesa e de uma potencial recessão nos EUA e na Europa, provocada pela postura cada vez mais agressiva dos bancos centrais para travar a inflação. O rácio entre o cobre e o ouro é um dos principais indicadores para prever a evolução da atividade económica e cai 15% desde o início de junho. Os preços da madeira caíram mais de 60%, minério de ferro 60%, memórias Ram (DRAM) 46% e petróleo 20%. Algodão e cereais aliviaram acentuadamente dos máximos.


Contudo, e apesar de existirem sinais deflacionistas, as expectativas para a inflação permanecem elevadas e desancoradas. A título de exemplo, o Banco Central Europeu (BCE) procura elevar a taxa de juro para níveis acima da taxa de juro neutral da economia europeia, ou seja, a taxa de juro de equilíbrio entre poupança e investimento no pleno emprego da economia e assim desancorar as expetativas para inflação dos atuais níveis elevados, firmados presentemente acima da meta de estabilidade de preços do BCE nos 2%. Atualmente a taxa de inflação de equilíbrio (breakeven inflation rate) alemã a 5 anos é de 3,1%, bem acima da meta do BCE. A taxa de inflação de equilíbrio, isto é, a expetativa para a inflação é dada pela diferença entre a rentabilidade das obrigações do tesouro (juros nominais) e as obrigações do tesouro que protegem contra a inflação (juros reais), as denominadas inflation linked bonds. Então, as expetativas para inflação são dadas pela diferença entre a taxas de juro nominais e as taxas de juro reais. Ainda há dias o BCE referiu, num cenário adverso, o risco de uma recessão em 2023, em consequência da alta dos juros, na tentativa de desancorar as expetativas da inflação. Esta postura monetária cada vez mais contracionista diminuiu o rendimento disponível das famílias e penaliza a procura, encaminhando gradualmente a economia para uma recessão, um risco cada vez mais real.


As taxas de juro caminham para "território restritivo", ou seja, valores acima da taxa de juro natural de equilíbrio entre aforradores e tomadores de crédito, os 2 a 3% nos EUA e 1,5 a 2% na Europa, cuja dimensão de superação destas fasquias ditará a gravidade da recessão. Entretanto, nas suas perspetivas para os próximos 6 meses, os investidores têm optado por relegar para segundo plano as repercussões negativas de uma recessão nas receitas e nos lucros das empresas e consequentemente nas suas cotações em bolsa, focando-se mais nos pontos positivos de um potencial alívio da inflação em 2023.

 

PMR In VE 14 setembro 2022  






sexta-feira, 9 de setembro de 2022

Fará setembro jus à tendência secular?

Historicamente setembro é para os mercados acionistas o mês com o pior desempenho do ano, fenómeno que tem sido corroborado pelo comportamento do índice americano S&P 500 desde a sua criação em 1957. Na verdade, muitos apelidam essa queda anual como o “efeito setembro”, referindo-se aos retornos tradicionalmente fracos do mercado de ações no atual mês. Nos EUA as razões avançadas para as quedas são várias, desde o regresso dos investidores das férias de verão, às necessidades financeiras das famílias para pagar as mensalidades e material escolar dos filhos que estão de volta às aulas. Outro argumento é que o ano fiscal para muitos fundos de investimento termina em setembro. Assim, esses fundos vendem para não mostrarem ganhos substanciais que poderiam ser guardados para os anos fiscais seguintes, e também, por essa via, reduzirem os seus encargos fiscais. Esta constatação nos mercados acionistas dos EUA estende-se às restantes praças mundiais, que têm um comportamento semelhante aos principais índices americanos, nomeadamente ao mais abrangente S&P 500. A hegemonia da economia dos EUA, a maior do mundo, cujo peso é de cerca de 24% da riqueza global produzida anualmente, influencia o andamento das restantes economias globais e consequentemente das principais praças financeiras mundiais. De salientar a crescente importância da economia chinesa que poderá alterar no futuro este paradigma assente essencialmente em aspetos socioeconómicos americanos.

 

Embora esses fatores possam desempenhar um papel relevante, detalhes mais técnicos e de “price action” poderão também influenciar a evolução dos mercados nas próximas semanas. No início de cada ano, os analistas tendem a ser excessivamente otimistas, forçando-os a cortar as estimativas mais tarde, geralmente após o encerramento da época de resultados do segundo trimestre em agosto. Essas reduções das suas avaliações (“downgrades”) frequentemente afetam o mercado no mês seguinte, com alguns investidores institucionais a reduzirem o risco de algumas das suas posições e a contribuírem para as tradicionais quedas em setembro. Mas será que este ano as desvalorizações em setembro poderão estar limitadas ou reverterem para ganhos? Isto porque grande parte da diminuição de risco (“de-risking”) já aconteceu, devido ao colapso histórico dos mercados acionistas durante o primeiro semestre de 2022. Será que assim que os analistas concluírem as emissões de “downgrades” desta vez, muitas ações ficarão ainda mais baratas e, nesse ponto, os investidores, nomeadamente os institucionais, serão mais ativos do que o habitual e adotarão uma postura mais compradora? Na verdade, a propensão este ano para vender no presente mês de setembro é muito menor do que habitualmente. Os investidores acumulam perdas e os fundos não têm o habitual incentivo de otimização fiscal porque os ganhos não existem. Todavia, a tendência é fundamental e a incerteza talvez seja mesmo a única certeza atualmente.

 

O certo é que para já o mercado iniciou o mês de setembro em baixa. Depois de quase dois meses e meio de recuperação, os mercados acionistas têm corrigido desde o final de agosto, penalizados pelas perspetivas de uma maior alta dos juros depois das palavras de Jerome Powell, presidente da Reserva Federal dos EUA, no simpósio de Jackson Hole, e após a resiliência do mercado de trabalho americano em agosto, dados divulgados no dia 2 de setembro. Também se intensifica a crise energética na Europa com o aproximar do inverno e, sobretudo, depois do corte do fornecimento pela Grazprom do gás russo através do Nord Stream 1, agravando ainda mais o atual contexto económico desfavorável. Serão estes três fatores negativos um prenúncio de alerta para a tendência do atual mês? Certo é que a volatilidade continuará a ser nos próximos meses a palavra de ordem. Se uma explicação convincente para o “efeito de setembro” fosse encontrada, os investidores experientes começariam imediatamente a vender em agosto, outros por sua vez tentariam antecipá-los e venderiam em julho, e o padrão histórico desapareceria rapidamente. Apesar de existir uma tendência identificada, provavelmente a estratégia de negociação até ao final do mês deve-se basear no quotidiano e não confiante de que o “efeito setembro” seja uma realidade certa e um retorno garantido. Se o mercado de ações cair durante este mês, nós saberemos, com certeza, os motivos em outubro. PMR In VE 7 setembro 2022




sexta-feira, 2 de setembro de 2022

“A inflação é a doença e a recessão é a cura”

                                          


“A inflação é a doença e a recessão é a cura”. Explicitamente não foram estas as palavras proferidas por Jerome Powell em Jackson Hole na semana passada, mas na realidade foi esta a mensagem que ficou implícita nas palavras do presidente da Reserva Federal dos EUA (Fed) no simpósio no Wyoming. A prioridade é a estabilidade de preços e uma potencial recessão poderá ser um mal necessário na prossecução desse objetivo de abrandamento da inflação, apesar dos seus efeitos secundários adversos.

Apesar de a Fed ter aumentado as suas taxas de juro de referência em 225 pontos base nas suas últimas quatro reuniões, e ser aguardada mais uma alta de 75 pontos no próximo dia 21 de setembro, de acordo com os futuros negociados na bolsa de derivados de Chicago e com uma possibilidade de 73%, a liquidez no mercado ainda permanece relativamente favorável para a  inflação. Provavelmente o banco central dos EUA teria de intensificar a sua retirada de liquidez do mercado para mitigar a inflação mais elevada dos últimos 50 anos e alcançar a estabilidade de preços. A redução do balanço da Fed, iniciada no dia 1 de junho no montante mensal de 47,5 mil milhões de dólares, agora duplicada para 95 mil milhões no passado dia 1 de setembro, ainda não afetou visivelmente a liquidez nos mercado financeiros. Todavia, a tarefa da Fed é hercúlea. Entre o excesso de liquidez, nomeadamente ditado pelo suporte à crise pandémica, e a escassez de liquidez que poderá surgir nos próximos trimestres, os constantes reequilíbrios no fio da navalha requerem mestria por parte da Fed.

A queda de 15% da base monetária do banco central dos EUA desde os máximos históricos de 6,5 biliões de dólares em dezembro do ano passado, representa uma descida na liquidez, acompanhada pela queda dos mercados acionistas, sobretudo do Nasdaq 100 que desvalorizou mais de 30% dos máximos históricos do final de novembro a meados de junho. No entanto, nos últimos dois meses e meio, a queda da base monetária do banco central dos EUA não só abrandou, como subiu mesmo 85 mil milhões de dólares, para 5,582 biliões em 24 de agosto, mantendo liquidez nos mercados. O mesmo havia acontecido em março e esse movimento tinha sido acompanhado por uma recuperação das ações norte-americanas.

Também o atual mercado de trabalho resiliente poderá reforçar a posição mais austera da Fed no combate à inflação. Em boa verdade, há um regresso do “trade-off” entre inflação e desemprego especificado na curva de Philips. Um mercado de trabalho resiliente, uma taxa de desemprego de 3,5%, a mais baixa dos últimos 50 anos, a par de uma taxa de inflação à volta dos 9%, a mais elevada dos últimos 50 anos, autoriza a Fed a intensificar ainda mais a sua postura contracionista, reforçando uma retirada mais rápida da liquidez injetada nos mercados para mitigar a crise financeira ditada pela pandemia. As ofertas de emprego nos EUA (JOLTs) aumentaram em julho, corroborando ainda mais a postura do banco central dos EUA. Havia cerca de dois empregos disponíveis por candidato em julho, face a 1,8 em junho. A Fed vê as ofertas de emprego quase recordes como um potencial impulso para aumentos salariais, o que é considerado um acelerador da inflação. A atual taxa de desemprego está muito abaixo da NAIRU (Non-Accelerating Inflation Rate of Unemployment), ou seja, da taxa de desemprego que não acelera a inflação, justificando e legitimando cada vez mais uma enérgica política monetária contracionista pela Fed. O Gabinete de Orçamento do Congresso refere que a NAIRU nos EUA foi de 4,4% no segundo trimestre.

PMR In VE 31 agosto 2022



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Naturalidade Angolana
Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.