A curva de
Phillips representa a relação inversa entre inflação e desemprego, ou seja, quando
o emprego aumenta, a inflação tende a aumentar também. E essa correlação será
tanto mais significativa quanto mais peso tiverem os salários na estrutura de
custos de uma empresa e, em termos mais generalizados, na economia como um todo.
Nos EUA o peso dos salários corresponde atualmente a cerca de 45% do PIB e os
juros, rendas e lucros respondem pelo remanescente. Certo é que são os
rendimentos do trabalho, ou seja, os salários que mais influenciam a procura, a
evolução do consumo e por conseguinte os índices de preços no consumidor e
respetiva inflação.
A maioria da população é assalariada e geralmente tem apenas esse rendimento.
Quem usufrui de outros rendimentos como juros, rendas e lucros, além dos
salários, tem habitualmente um património financeiro considerável e não são
oscilações do mesmo que influenciam a sua postura mais ou menos consumista.
Além de que a propensão marginal ao consumo tende a diminuir à medida que o
rendimento aumenta, logo rendimentos elevados são quase irrelevantes na
evolução da inflação. É mais dinheiro na mão de muitas pessoas, e não mais
dinheiro na mão de poucas pessoas, que perseguem mais produtos e impulsionam os
preços do cabaz de bens e serviços que serve de referência à taxa de inflação.
Sendo assim, é a grande maioria das pessoas assalariadas, excluindo os que
usufruem de remunerações mais elevadas, juntamente também com os rendimentos
daqueles que auferem montantes menos relevantes de juros, rendas e lucros (mais
nos EUA onde as pessoas têm parte do seu património em bolsa), que influenciam
a evolução dos preços dos alimentos, do vestuário, da educação, da saúde, das
telecomunicações, dos carros e o valor das rendas de casa que pesam um terço no
índice de preços no consumidor dos EUA.
Posto isto, a curva de Phillips, grosso modo, é a relação direta entre salários
e desemprego. Se o custo da mão de obra subir, as empresas terão mais
dificuldade em contratar trabalhadores, a não ser que existam ganhos relevantes
de produtividade. Tal como se a taxa de desemprego aumentar, os trabalhadores
estarão disponíveis para trabalhar mais barato e vice-versa.
Apesar de a curva de Phillips ser muito útil e válida numa perspetiva de curto
prazo, ela perde grande parte da sua racionalidade no longo prazo. No curto
prazo, as expectativas para inflação estão ancoradas habitualmente em níveis
baixos, muito devido às perceções nominais dos agentes económicos (ilusão
monetária de Keynes), mantendo válido o trade-off entre a taxa de desemprego e a
taxa de inflação. Mas tudo muda numa perspetiva de longo prazo. Imaginemos que
um governo num período pré-eleitoral opta por uma política económica
expansionista, promovendo o aumento do emprego e a construção de estradas,
pontes, escolas e hospitais. Diante dos estímulos orçamentais, as empresas vão
contratar mais trabalhadores, a taxa de desemprego desce e a taxa de inflação
sobe, encontrando um novo ponto de equilíbrio mais à esquerda na curva de
Phillips. Se os estímulos monetários, os créditos baratos e os orçamentos
despesistas permanecerem durante algum tempo, os trabalhadores começam
gradualmente a associar essas mesmas políticas expansionistas à inflação que,
entretanto, surgiu e vão reivindicar salários mais elevados. Perante uma
inflação ancorada agora em níveis mais altos, as perceções nominais de curto prazo
dos agentes económicos passam a ser gradualmente perceções reais. O aumento do
custo da mão de obra desincentiva as empresas a contratarem e a produção
diminui novamente para o ponto inicial, mas agora a uma taxa de inflação mais
elevada. Ou seja, perante a dinâmica das expetativas adaptativas, um
crescimento mais rápido dos preços, portanto, quase certamente leva a um
crescimento mais rápido dos salários. Da mesma forma, o crescimento salarial
mais rápido aumenta o custo de produção e este é repassado aos preços sempre
que possível, caso contrário os lucos descem e a probabilidade de falência
aumenta, e toda este processo ocorre em crescente círculo vicioso. Este fenómeno
tende a ser substancialmente agravado se existir um choque externo, uma crise
energética como a da década de 1970, culminando numa forte subida da inflação
importada e expectativas mais elevadas para a inflação, tal como é atualmente
observado, nomeadamente na Europa. Por isso, no longo prazo, a inflação tem
pouco efeito sobre o desemprego e vice-versa e a curva de Philips tende a ser
vertical, a denominada NAIRU (Non Accelerating Inflation of Rate Unemployment),
ou seja, a taxa de desemprego que não “acelera” a inflação, significando que a
taxa de desemprego acima da NAIRU não gera inflação, mas apenas abaixo.
A Fed precisa desesperadamente de manter as expectativas de inflação o mais
baixo possível, especialmente as expectativas de curto prazo, que podem ser
incorporadas aos salários nominais e ao crescimento dos preços. O argumento
mais convincente para uma perspetiva de inflação benigna é que as expectativas
de inflação de longo prazo permaneceram ancoradas onde os bancos centrais
precisam que elas estejam, ou seja, nas economias avançadas nos 2%. Por
exemplo, o duplo mandato da Fed de pleno emprego sustentável e estabilidade de
preços manteve-se nos últimos 10 anos, refletindo uma curva de Phillips quase
horizontal, praticamente achatada. E os economistas ocidentais, nomeadamente os
norte-americanos, consciencializaram-se de que a economia pode sustentar um
desemprego muito menor do que pensavam sem níveis preocupantes de inflação, mas
os fatores deflacionistas nas últimas décadas como os avanços tecnológicos e a
globalização, sobretudo com a entrada da China na Organização Mundial do
Comércio, contribuíram consideravelmente para a baixa inflação nas economias
avançadas, associada a baixo desemprego. Por isso, convém sublinhar que a curva
de Phillips não implica que o crescimento causa inflação. Bem pelo contrário, o
aumento do crescimento, tudo o mais constante, reduzirá a inflação no longo
prazo. A inflação é sempre, e em toda parte, um fenómeno monetário.
Por último, de acordo com os dados da Reserva Federal de Nova Iorque e da
Universidade de Michigan, as expetativas para a inflação norte-americana “a 12
meses” desancoraram-se no final do primeiro semestre de 2021, quando superaram
os 4%. Esta superação foi também observada em 1990, 2008 e 2011, mas durante
apenas alguns meses. Nas últimas quatro décadas, as expetativas para a inflação
a 12 meses andaram normalmente centradas entre os 2,5% e os 3,5%. À volta dos
3,5% nas décadas de 1980 e 1990 e em torno dos 2,5% nas últimas duas décadas de
2000 e 2010. Atualmente, as expetativas para inflação estão desancoradas, ou
seja, acima do que seria desejável, há cerca de um ano e meio, mas têm
diminuído nos últimos meses, de 5,4% em abril para 4,6% em setembro, a de
Michigan, e de 6,8% em junho para 5,7% em agosto, a de Nova Iorque. Se as
expetativas para a inflação continuarem a desacelerar nos próximos meses
impulsionadas pela descida do preço da gasolina, pela queda das rendas de casa
e abrandamento da alta dos salários, a atual postura da Fed de não esperar para
ver os resultados da subida dos juros poderá pecar por excesso de zelo.
PMR In VE 28 setembro
2022