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quarta-feira, 19 de outubro de 2022

Touros e ursos intensificam luta

Os principais índices acionistas norte-americanos e europeus descem há três trimestres consecutivos e o S&P 500 teve o pior setembro desde 2002. Tendencialmente, o mercado acionista, nomeadamente o índice S&P 500, tem-se mostrado resiliente junto à média móvel de 200 semanas, atualmente nos 3600 pontos, e pelo menos nos últimos 60 anos apenas quebrou essa fasquia em períodos de recessão económica. Foi assim nas recessões de 1970, 1974-75, também nas de 1980 e 1981-82, nestas duas a visibilidade foi menor, mas existiu, nas de 1990-91, 2001, 2008-09 e 2020.

No entanto, não se perspetiva uma recessão nos EUA este ano, apesar da contração do PIB no primeiro semestre. O mercado de trabalho norte-americano mantem-se robusto e a melhoria das contas externas dos EUA é uma realidade. O défice comercial tem diminuído consecutivamente desde os mínimos de março e deverá contribuir, em parte, para um crescimento do PIB no terceiro trimestre, que o GDP Now da Fed de Atlanta estima que se fixe em 2,8%. Para 2023, a Reserva Federal dos EUA (Fed) espera um ligeiro crescimento económico de 1,2%, mas na atual conjuntura as incertezas a vários trimestres de vista são muito elevadas.

As notícias não têm sido favoráveis. Desde a instabilidade das políticas orçamental e monetária no Reino Unido que tem ditado uma relativa anarquia no mercado obrigacionista britânico, à crescente crise energética na Europa com a aproximação do inverno e ao abrandamento económico na China refletido cada vez mais pela política “zero covid” e pela crise imobiliária. A inflação norte-americana, excetuando energia e alimentação, alcançou os 6,6% em setembro, o valor mais elevado desde agosto de 1982, penalizada pelas rendas de casa e equivalentes (“shelter”) e cuidados de saúde. Há também a perceção de uma escalada nas tensões geopolíticas globais. Joe Biden impôs um corte no fornecimento de chips à China por parte das empresas norte-americanas e, do outro lado, a postura de Xi Jinping de concentração de poder na sua pessoa, revertendo as principais medidas de Deng Xiaoping, ressuscita os fantasmas de uma China ao modo de Mao Tsé-Tung. Estes comportamentos apenas agravam o processo de globalização, traduzindo-se num mundo com menor crescimento e mais inflacionista, bem como mais perigoso em termos geopolíticos, como temos observado desde o início da invasão russa da Ucrânia.

O número de notícias desfavoráveis são mais do que suficientes para preocuparem até mesmo os investidores mais propensos ao risco. Nos últimos dias, as posições curtas (vendidas) abertas em opções sobre ações pelos investidores de retalho superaram em três vezes, pela primeira vez, as posições longas (compradas), refletindo o nervosismo dos pequenos investidores. A volatilidade do S&P 500 medida pelo VIX está acima dos 30 pontos, máximo dos últimos dois anos, corroborando os receios dos investidores, mas também refletindo um mercado “sobrevendido” e que procura algum alívio. Se porventura os números da inflação de outubro e novembro melhorarem, sobretudo o IPC “core” nos EUA, e os resultados das empresas no terceiro trimestre forem na generalidade acima do esperado e os “profit warnings” limitados, então as probabilidades de um quarto trimestre positivo para o S&P 500 são uma realidade plausível. A um mês ou um trimestre de vista esta hipótese é aceitável. Na recuperação do mercado acionista no passado verão, o S&P 500 alcançou os 4300 pontos em meados de agosto, precisamente a média móvel de 200 dias nessa altura. Atualmente, a média móvel está nos 4153 pontos.

A mais de um trimestre de vista a incerteza é a maior certeza. A enérgica e rápida subida dos juros pela Fed, visando ajustar a procura à oferta, no combate à inflação mais elevada dos últimos 40 anos, terá provavelmente um substancial impacto na economia. As projeções atuais antecipam que o topo dos juros da Fed seja alcançado na primeira reunião de 2023, em 1 de fevereiro, no intervalo de 4,75% a 5%, uma probabilidade de 80% de acordo com os futuros negociados na bolsa de derivados de Chicago. Entretanto, são aguardadas duas altas de 75 pontos nas próximas reuniões da Fed, em 2 de novembro e em 14 de dezembro. A atual flexibilidade da economia, adormecida e habituada a juros bastante baixos, é muito reduzida, após um longo período de mais de 10 anos de taxas de juro médias muito próximas de zero. Um erro do banco central dos EUA é uma probabilidade crescente, podendo existir um eventual excesso de zelo. Após a atual fase inflacionista e diante da agressiva postura da Fed, a possibilidade de um período deflacionista não é de descartar.

Mas em caso de um aumento do “risk-on” no presente trimestre, a força do dólar tenderia a diminuir, aliviando muitas multinacionais norte-americanas. Também qualquer ligeira reversão em baixa nas expetativas da inflação poderia atenuar as perdas do mercado obrigacionista, nomeadamente o soberano. Entretanto, a luta entre touros e ursos intensifica-se e os investidores procuram um rumo, acertando no “bullseye” do mercado.

PMR in VE 19/10/2022








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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.