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quarta-feira, 26 de outubro de 2022

Açambarcamentos, inflação, juros e BCE

Na Zona Euro a inflação é sobretudo do lado da oferta e tem sido predominantemente impulsionada pelo aumento acentuado dos preços da energia. Não é uma inflação estimulada pela procura, por vezes sinalizando um crescimento económico robusto, cujo aumento da procura está desfasado da resposta da oferta. Nas últimas décadas o crescimento económico foi caracterizado por baixa inflação, reflexo muitas vezes do excesso de capacidade instalada nas economias avançadas, validando a lei de Say, de que a oferta cria a sua própria procura. As empresas criam necessidades que os consumidores desconhecem, sobretudo no setor tecnológico, desde telemóveis e relógios inteligentes, às redes sociais e à computação em nuvem. Certo é que no último ano a oferta agregada na economia da Zona Euro tem desacelerado significativamente e o Banco Central Europeu (BCE) esforça-se nos últimos meses para ajustar a já frágil procura agregada à menor oferta. Esta firme postura monetária contracionista do BCE pressiona ainda mais a já vulnerável economia da Zona Euro, nomeadamente do centro da Europa, penalizada essencialmente pela elevada dependência do gás natural russo, aumentando a probabilidade de uma recessão em toda a área do euro.  

 

Caso a inflação persista elevada nos próximos trimestres e o BCE continue decidido em combatê-la com uma cada vez mais agressiva alta dos juros, a futura discursão deixará de ser se haverá ou não recessão em toda a Zona Euro, mas quão acentuada será essa mesma recessão em 2023. Caso os juros do BCE superem significativamente a taxa de juro natural da economia, na Zona Euro poderá andar entre os 1,5% e os 2%. É uma tarefa hercúlea, destinada talvez ao insucesso, combater com o aumento dos juros uma inflação maioritariamente do lado da oferta e determinada pela dependência externa da Zona Euro, nomeadamente dos combustíveis fósseis, culminando numa inflação importada. É certo que a guerra na Ucrânia acelerou ainda mais a inflação energética e agravou os preços dos alimentos, mas efetivamente a indesejável inflação na Zona Euro está cada vez mais generalizada e os preços dos serviços vêm também acompanhando este contínuo aumento de preços. Diante da potencial reposição de algum poder de compra, após uma quebra significativa do rendimento disponível das famílias, nomeadamente das assalariadas, cresce também a probabilidade de uma espiral salários/inflação, aumentando a possibilidade de um cenário de estagflação à semelhança do da década de 1970.   

 

Mas como é que a inflação persiste em economias com excesso de capacidade instalada? Os problemas nas cadeias de abastecimento, espoletados pela pandemia e pela guerra na Ucrânia, não explicam tudo. O açambarcamento também faz parte dessa equação, existindo agentes económicos que procuram lucrar com a alta dos preços. Alguma da inflação existente do lado da oferta estará, provavelmente, a ser impulsionada também pelos nefastos açambarcamentos, agudizando as dificuldades nas cadeias de abastecimento, um dos fenómenos que mais agrava a inflação. A aquisição de quantidades de bens superiores às necessidades de abastecimento normal dos respetivos compradores, agudiza ainda mais a escassez e impulsiona a inflação, penalizando a economia e acentuando as desigualdades na distribuição do rendimento. O açambarcamento é realizado por agentes económicos que compram mercadorias, recorrendo até por vezes a empréstimos, armazenando-as para revendê-las mais tarde a preços mais elevados, intensificando ainda mais o atual episódio inflacionista. Há um estímulo acrescido a esta prática lesiva da economia sempre que a inflação é substancialmente superior às taxas de juro. Todavia, este fenómeno tende a reverter para uma trajetória deflacionista se a alta dos juros travar a procura e as mercadorias precisarem rapidamente de compradores.

Os “pellets”, biomassa para aquecimento e para fornos industriais, triplicaram de preço nos últimos dois anos e são, talvez, um exemplo paradigmático na compreensão de alguns dos problemas nas cadeias de abastecimento. Em 2020 um saco de “pellets” de 15 kg custava pouco mais de 3 euros e hoje o preço ronda os 10 euros. A procura tem sido elevada na Europa e há consumidores em Portugal que compraram quantidades significativas o ano passado, antecipando escassez e subida de preços, alimentando uma espiral de alta de preços. Mas os consumidores são racionais e, à medida que os preços sobem, substituem gradualmente a caldeira a “pellets” por ar condicionado ou bomba de calor, uma vez que o preço da eletricidade no mercado regulado não teve subidas significativas. Esta postura diminuirá o preços dos “pellets” e se o inverno for menos rigoroso do que antecipado, a descida pode acelerar ainda mais. No que concerne também à energia, o preço do gás natural tem descido e assiste-se já a excesso de oferta. Ainda esta semana, o gás natural holandês, o TTF, e o do Texas, o “permian”, para entrega imediata foram negociados a preços negativos, refletindo as limitações de armazenagem. Se o açambarcamento é inflacionista, a sua reversão é deflacionista.   

PMR In VE 26 outubro 2022





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Naturalidade Angolana
Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.