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sexta-feira, 19 de maio de 2023

A inflação “supercore” e a curva de Beveridge


A inflação homóloga norte-americana desacelerou para 4,9% em abril, o valor mais baixo dos últimos dois anos. No índice de preços no consumidor (IPC), a rubrica custos com moradia, representando cerca de um terço do peso do IPC e conhecido como shelter, ou seja, a soma das rendas dos inquilinos e a renda equivalente dos proprietários (quanto estes pagariam para arrendarem casa ou ganhariam se arrendassem as suas casas), tem abrandado nos últimos meses, tendo desacelerado em abril, registando um ganho mensal de apenas 0,4%, o menor aumento desde janeiro do ano passado.

Perante a desaceleração do shelter, a Reserva Federal dos EUA (Fed) foca-se cada vez mais na evolução da inflação dos serviços, ou seja, a inflação supercore, que exclui alimentos, energia e custos com moradia (shelter). A métrica de inflação de serviços supercore desacelerou em abril para 5,1% em termos homólogos. O banco central dos EUA presta cada vez mais atenção ao comportamento da inflação no setor de serviços, onde os aumentos de preços podem ficar “fixos” por mais tempo e não diminuírem tão rapidamente, porque estão mais fortemente ligados ao crescimento dos salários dos trabalhadores. No mês passado, o mercado de trabalho manteve-se resiliente, a taxa de desemprego norte-americana desceu para os 3,4% em abril, o valor mais baixo dos últimos 53 anos, tendo a economia dos EUA criado mais de 250 mil postos de trabalho e os salários aumentado 4,4% em termos homólogos, acima do valor anterior de março de 4,3%.     

Até à próxima reunião da Fed, no dia 14 de junho, existem várias leituras adicionais sobre inflação no consumidor e no produtor, habitação, produção e mercado de trabalho. No passado dia 11 de maio, os pedidos semanais de subsídio de desemprego nos EUA (Jobless Claims) aumentaram para 265 mil, o valor mais elevado desde janeiro de 2022, evidenciando uma tendência de alta. Este dado é um leading indicator para a evolução do mercado do trabalho, sobretudo para o relatório mensal do emprego, dando sinais quanto ao crescimento dos salários. A taxa de desemprego nos EUA está no nível mais baixo desde 1969 e as ofertas de emprego (medidas pelos JOLTS) permanecem perto do máximo histórico, existindo cerca de 1,7 vagas de emprego por cada desempregado, mantendo, assim, o crescimento dos salários relativamente resiliente, uma preocupação para a Fed. A relação negativa entre a taxa de desemprego e a taxa de ofertas de emprego é também conhecida como curva de Beveridge (ver gráfico).

Entretanto, a pandemia pode ter forçado a curva a deslocar-se para direita, como nunca antes visto. Será permanente? Quanta realocação e incompatibilidade de mão de obra continuarão a resultar das novas tendências de trabalho em casa, redução de viagens de negócios e simplificação e diversificação das cadeias de abastecimento? Dependendo da resposta a essas e outras perguntas, a economia apresentará mudanças no tamanho e na localização dos imóveis comerciais e na produção de inputs intermédios, desde a capacidade do sistema de transporte público à escala da indústria hoteleira. Esses ajustes estruturais vão alterar o uso da mão de obra. Em termos do modelo, uma deslocação para fora da curva de Beveridge pode, portanto, representa uma menor eficiência, causada por uma variedade de fatores subjacentes. Alterações setoriais, mudanças nos requisitos de competências dos trabalhadores e dispersão geográfica podem desempenhar um papel importante na compreensão da curva.

Uma diminuição da oferta de empregos para os níveis anteriores à pandemia, ditará atualmente uma taxa de desemprego mais elevada e uma recessão. 

Entretanto, ou o rácio das ofertas de emprego diminui ou a taxa de desemprego aumenta ou o banco central dos EUA terá de subir ainda mais as taxas de juro, receando robustos aumentos salariais?!


PMR In VE 18/05/2023











Índices acionistas perto de máximos


Nasdaq 100 em máximo dos últimos 10 meses e DAX alemão muito perto da alta histórica de 16290 pontos no dia 18 de novembro de 2021

O dólar tem-se mantido resiliente nas últimas semanas, impulsionado em parte pela subida dos juros soberanos dos EUA. O rendimento do tesouro norte-americano a dois anos subiu de 3,65% no dia 4 de maio para os atuais 4,23%, sustentando a alta do dólar, tendo o “Dollar Index” valorizado quase 3% desde essa altura. No entanto, e ao contrário das obrigações que têm sido penalizadas nas últimas semanas, os mercados acionistas têm conseguido registar gradualmente um crescimento relativamente sustentável, sobretudo as big tech, mas não só. Também os setores mais cíclicos têm recuperado nos últimos dias, inclusive o índice da banca regional norte-americana, o KBW, obtendo na passada quarta-feira o maior ganho diário desde 6 de janeiro, corroborando uma crescente melhoria do comportamento em bolsa dos títulos do setor bancário e um recuo dos receios, após o colapso em março.

Depois de mais de um ano de correlação positiva entre ações e obrigações, tendo ambas as classes de ativos sido substancialmente penalizadas pela subida da inflação e, consequentemente, pela alta dos juros, há atualmente uma descorrelação entre a evolução das obrigações e das ações, estando os investidores cada vez mais focados no crescimento económico e menos na inflação. Então, uma alta dos juros tem sido, atualmente, interpretada como um sinal de crescimento económico resiliente, beneficiando as ações, na esperança de melhores resultados, mas penaliza os títulos soberanos. É certo que esta subida se deve maioritariamente à excelsa evolução das FAAMG (Meta, Amazon, Apple, Microsoft e Alphabet) desde o início do ano, tendo sido impulsionadas em boa parte pela visível e gradual maior democratização da inteligência artificial (IA) no final do ano passado, um impulso mais tangível para o crescimento económico suportado por este considerável avanço tecnológico na melhoria das relações laborais, não sendo uma ameaça ao emprego como um todo. O mais provável é que não seja a IA a afastar o ser humano do mercado do trabalho, mas os seres humanos que utilizam IA possivelmente a terem mais sucesso no mercado de trabalho do que aqueles que a não utilizam.

Entretanto, o GDP Now publicado no site da Reserva Federal de Atlanta antecipa, atualmente, uma subida de 2,9% do PIB norte-americano no presente segundo trimestre, sendo impulsionado em grande medida pelo mercado de trabalho e pela melhoria do setor da construção residencial norte-americana. Ainda esta semana, os pedidos de subsídio de desemprego nos EUA, os Jobless Claims, caíram cerca de 22 mil solicitações em relação à semana anterior, ditando novamente um mercado de trabalho ainda relativamente resiliente e capaz de suportar a economia e os resultados das empresas.

E sendo os índices acionistas nominais e tendo o PIB nominal nos EUA crescido substancialmente no ano passado, mais precisamente 9,2%, seguindo essa tendência este ano, a trajetória é de melhoria dos resultados das empresas mesmo que as margens operacionais se mantenham (um aumento da receita e dos custos operacionais em 10%, implica uma alta dos lucros operacionais em 10%, apesar de a margem se manter). Também em virtude da elevada liquidez das empresas, conseguida na última década e ditada pela política monetária enérgica expansionista da Fed, tendo ainda muitas empresas não sido sujeitos à renovação da sua dívida vencida por novas emissões aos atuais juros, os encargos financeiros de financiamento das empresas ainda não sofreram aumentos substanciais. E mesmo aquelas empresas que renovaram a dívida têm conseguido absorver esse aumento dos custos pelo aumento nominal do PIB devido à inflação.

Todavia, os resultados das empresas vão também depender da resiliência do consumidor ao aumento dos juros e à gradual deterioração do seu rendimento disponível. A quase perfeita correlação entre ações e obrigações ocorreu durante mais de um ano, mas o primeiro flight to quality (refúgio nas obrigações e venda de ações) apareceu em março, num momento de stress financeiro, representando o início da descorrelação. Agora, diante de alguma acalmia, o dinheiro regressa às ações, sobretudo às tecnológicas, apesar da alta dos juros. Um contexto de inflação e crescimento económico é mais favorável para as ações, sendo estas uma melhor aposta do que as obrigações.

 
PMR In JE 18/05/2023



sexta-feira, 12 de maio de 2023

Aumento da população empregada e turismo suportam PIB português

 

A dinâmica positiva do setor turismo e o aumento da população empregada, já muito perto dos 5 milhões de trabalhadores de acordo com o gráfico, mantêm a resiliência da economia portuguesa, tendo permitido revisões em alta do crescimento do PIB real para 2023 tanto pelo executivo português como por diversas instituições nacionais e internacionais.

População empregada e residente em Portugal (milhares) (INE. Banco Carregosa)


A população empregada em Portugal aumentou mais de 20% na última década, de 4.068.100 em janeiro de 2013 para os atuais 4.911.800 trabalhadores em março deste ano, tendo sido um dos principais impulsionadores da economia nacional. Se temos mais pessoas a trabalhar, a produção aumenta, podendo subir mais ou menos de acordo com a produtividade do trabalho. Se uma fábrica de 10 trabalhadores produz 1000 pares de sapatos, então com 12 funcionários teria um acréscimo de 20% na produção, ou seja, produziria 1200 pares de sapatos? Não necessariamente. De acordo com a lei dos rendimentos decrescentes à escala, o acréscimo de produção seria inferior aos 20%, mas, no entanto, poderia também produzir mais de 20% se a empresa apostasse em mais tecnologia recentemente desenvolvida e comprasse máquinas mais avançadas, aumentando a produtividade do trabalho, permitindo, assim, subidas reais dos salários. Desde 2013, o PIB real cresceu de 178,1 mil milhões de euros para 210,4 mil milhões de euros em 2022 (ver gráfico), um aumento de 18%, quase semelhante ao acréscimo de 21% da população empregada, ainda, assim, refletindo uma ligeira diminuição da produtividade.

Entretanto, a população residente em Portugal diminuiu, ainda que pouco, apesar dos saldos migratórios positivos, mas penalizada pelo saldo natural negativo. A população residente caiu de 10.468.400 em janeiro de 2013 para 10.301.500 em março de 2023, tendo, nesse período, o PIB real per capita aumentado de 17.013 euros para 20.851 euros, uma alta de 22,5%. Em termos nominais, representando o dinheiro que os portugueses têm na mão, o PIB per capita era de 23.292 euros no final de dezembro de 2022, de acordo com um PIB nominal em 2022 de 239,25 mil milhões de euros e uma população residente no final do ano passado de 10.271.800.

No primeiro trimestre de 2023, o PIB real (em volume) aumentou em cadeia 1,6%, ou seja, de 52.852 milhões de euros no último trimestre de 2022 para 53.700 milhões de euros no primeiro trimestre deste ano. Assim, mesmo que a riqueza produzida nos restantes três trimestres tenha um crescimento nulo, uma alta do PIB de pelo menos 1% em 2023 já estaria garantida, em grande parte empurrada não só pelo aumento da população empregada, mas também pelo turismo, devendo este intensificar-se nos meses de verão. As contas externas melhoram gradualmente, impulsionadas pelas exportações, sobretudo pelo maior contributo do turismo, esperando-se que as importações abrandem à medida que o rendimento disponível se deteriora, penalizado pela elevada inflação e pela subida das taxas de juro.  

No entanto, espera-se um crescimento económico anémico nos próximos anos, uma tendência das economias avançadas, tanto das mais robustas da União Europeia (UE), como da dos EUA, conforme detalhado pela Reserva Federal norte-americana, esperando o banco central dos EUA um crescimento de apenas 0,4% em 2023. Contudo, as economias que entraram na União Europeia nos últimos 10 ou 20 anos, tais como as economias do leste europeu, fazem o seu caminho de convergência com a UE, apresentando taxas de crescimento elevadas, impulsionadas por bases mais baixas, rigor das contas públicas e crescimento da população.   

É provável que o setor do turismo continue a mostrar resiliência nos próximos anos, impulsionando a economia portuguesa, mas é um erro alicerçar uma economia num setor exclusivamente de serviços centrado na movimentação das pessoas, mesmo que este seja competitivo extra-preço. A guerra na Ucrânia deslocalizou algum turismo do leste europeu para países como Portugal, mas o final da guerra poderia abrandar esse turismo. A dependência do turismo mostrou bem a fragilidade da economia portuguesa aquando da pandemia e consequente distanciamento social.  A economia portuguesa deveria focar-se na produção de bens e serviços mais competitivos extra-preço e menos dependentes de um maior ou menor distanciamento social, afastando-se gradualmente da competividade via preço.  PMR in VE 10 de maio de 2023


PIB português em volume (milhões de euros)







quarta-feira, 3 de maio de 2023

Regresso da luta entre touros e ursos

 


No passado mês de outubro, depois de três trimestres de quedas, os mercados acionistas regressaram às subidas, mas, durante esse mês, a luta entre investidores otimistas que apostam numa tendência de alta do mercado (touros) e investidores que acreditam numa tendência de baixa do mercado (ursos) foi intensa. Entretanto, os mercados acionistas subiram cerca de 20% nos últimos seis meses, nomeadamente o Nasdaq 100, o Stoxx 600 e o Dax alemão, destacando-se o CAC 40 com uma ganho de quase 30%, tendo o S&P 500 ficado aquém com alta de 18%.  

O mercado antecipa mais uma subida de 25 pontos base pela Reserva Federal dos EUA (Fed) no dia 3 de maio, refletida por uma probabilidade de 87,5% de acordo com os futuros negociados na bolsa de derivados de Chicago, para o intervalo de [5% a 5,25%]. No entanto, talvez o banco central dos EUA devesse fazer uma pausa neste momento e avaliar a tendência da economia e da inflação, bem como a estabilidade do sistema bancário. Tendo em consideração de que o banco central dos EUA tende em não dececionar o mercado, a alta de 25 pontos é quase uma realidade, mas seria provável que a Fed não aumentasse os juros se a atual reunião de política monetária se realizasse mais tarde, daqui a algumas semanas, tendo em conta as fragilidades novamente evidenciadas no início da semana pelo sistema bancário norte-americano, sobretudo o regional, nomeadamente o First Republic. Este banco regional acabou por ser comprado pelo JPMorgan, numa tentativa de resolução e estabilização do setor bancário. Em boa verdade, aumenta cada vez mais o risco de a Fed errar por excesso de zelo na sua luta contra a inflação, intensificando, assim, os receios de instabilidade no sistema bancário e no setor imobiliário, sobretudo comercial, aumentando também as dificuldades das empresas, deterioração do rendimento das famílias, acentuando a ameaça de uma recessão e aparecimento de eventuais “cisnes negros”. É certo de que existe um desfasamento entre a subida das taxas de juro e a transmissão dessa alta à economia, dependendo do vencimento dos créditos obtidos, depois de mais de uma década de crédito fácil e barato, podendo os prazos estarem mais dilatados do que o normal. Entretanto, os rendimentos do tesouro norte-americano a 2 anos desceram cerca de 20 pontos base na terça-feira, refletindo as dificuldades do sistema bancário regional dos EUA e os receios dos investidores quanto à sua evolução e às repercussões indesejáveis na economia dos EUA, tendo, no seguimento deste desenvolvimento, aumentado as expetativas de descida das taxas de juro nas três últimas reuniões da Fed em 2023, no dia 20 de setembro, 1 de novembro e 13 de dezembro, esperando-se agora um corte de um quarto de ponto em cada uma, terminando o ano no intervalo [4,25% a 4,50%]. Ou seja, não faz muito sentido a Fed estar a aumentar atualmente as Fed Funds Rate em mais 25 pontos base para iniciar um ciclo de descidas de juros daqui a três ou quatro meses. Em 2024, nas 8 reuniões ordinárias habituais num ano, o mercado antecipa 6 cortes consecutivos de 25 pontos em cada uma das seis primeiras reuniões, finalizando o ano de 2024 no intervalo [2,25% a 3%].  

Se a crise bancária e uma eventual recessão, bem como as elevadas taxas de juro, diminuindo ou mesmo anulando o “equity premium risk”, são os principais pontos a favor de um mercado acionista de baixa, suportando a postura dos investidores “bear” (designa-se de urso, porque este animal ataca de cima para baixo), já o aumento substancial do PIB nominal nos últimos trimestres, tendo nos EUA subido 9,2% em 2022, apesar de o PIB real ter crescido apenas 0,9%, e a perspetiva de reversão do ciclo da alta dos juros no segundo semestre, são pontos favoráveis a um mercado de alta, alicerçando as expetativas dos investidores “bull” ( designa-se de touro, porque este animal ataca de baixo para cima).  

Os índices acionistas são nominais e tendem a acentuar as valorizações quanto mais elevados forem os lucros e menores forem as taxas de juro (geopolítica estável e ausência de incertezas). Como o PIB nominal nos EUA subiu quase 10% em 2022, as receitas das empresas também tenderam a crescer em média 10% e os seus lucros, desde que as margens se tenham mantido estáveis, também subiram 10%, possibilitando uma valorização em bolsa de 10% (tendo em conta um juro estável). Uma empresa com uma margem de 10% em 2021, sendo as receitas de 1100 unidades monetárias (u.m.) e os custos de 1000 u.m., se manteve a mesma margem em 2022, as receitas aumentaram para 1210 u.m. e os custos para 1100 u.m., subindo o lucro em 10% de 100 para 110 u.m. Uma recessão diminui as receitas das empresas, mas alivia os seus encargos financeiros de financiamento, podendo ou não compensar a quebra de receita, dependendo, em parte, se se trata de uma empresa mais “growth” ou mais “value”. Os ursos podem vencer os touros se no futuro a queda da inflação e do juro ou um discurso menos “hawkish” ou mesmo “dovish” da Fed for percecionado como negativo pelo mercado, dando o investidor maior relevância à recessão económica e menor importância à queda do juro para estimular a economia. Texto escrito a 3 maio 2023, antes da reunião da Fed 

PMR in VE 3 de maio de 2023

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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.