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sábado, 25 de dezembro de 2010

Dubai: o paraíso perdido? Nada que não se soubesse.

Estava escrito nas estrelas ou, melhor, nos "credit default swaps". Os CDS são instrumentos financeiros derivados que permitem ao seu comprador proteger-se do incumprimento de crédito do emitente e são transaccionados, em geral, em OTC ("over the...
Estava escrito nas estrelas ou, melhor, nos "credit default swaps". Os CDS são instrumentos financeiros derivados que permitem ao seu comprador proteger-se do incumprimento de crédito do emitente e são transaccionados, em geral, em OTC ("over the counter", mercado não regulamentado). A 26 de Novembro, os investidores que, apostando no incumprimento da dívida do Dubai, compraram CDS, com maturidade a 5 anos, pagaram um "spread" perto dos 6%. No dia anterior precisavam de pagar 3%, um valor já por si bastante elevado. Os CDS da Alemanha têm um "spread" de 0,22% nesta data. O país com os CDS mais baixos é a Noruega com uma taxa de 0,18%. Esta semana, os CDS do Dubai continuam a cotar perto dos 6%.

O mercado de CDS foi criado em 1994 por um conjunto de bancos liderados pela JP Morgan.

Estes instrumentos equiparam-se a "seguros" sobre obrigações ainda que com algumas diferenças. O risco de "default" é transferido para o vendedor do "swap". Bastava olhar para os números para adivinhar o que estava para acontecer.

Como demonstra o quadro 1, no início de 2009, os CDS do estado do Dubai estiveram quase nos 10%. Ou seja, para alguém - leia-se mercado - segurar a dívida deste estado dos Emirados Árabes Unidos (EAU) pedia-se um "spread" (uma taxa) de 10%. A bolha do imobiliário já era aqui bem visível e os bancos que concederam créditos, como os do Reino Unido e do Benelux, já sabiam que tinham um problema em mãos. Desfecho inevitável: os imóveis, no Dubai, valem hoje metade do que valiam no final de 2008 e vários fundos estão descapitalizados, sobretudo, os mais alavancados. Em suma, os mercados bolsistas a nível mundial já tinham este problema descontado, não é nada de novo. Estava escrito nas estrelas ou melhor nos CDS.

Os CDS da Grécia no passado dia 26 de Novembro cotaram acima dos 2%, neste momento aliviaram para 1,7% depois de o ministro Grego das Finanças afirmar que vai tomar medidas para colocar as contas públicas em ordem. A taxa aliviou, mas permanecem receios quanto a uma crise de liquidez na Grécia e, caso se confirmem, se a União Europeia aceitará ser fiadora do estado helénico.

Portugal parece estar ainda distante da situação vivida no Dubai. O mercado nunca pediu um valor acima de 1,6% para a República Portuguesa este ano.

Neste momento, os CDS da República Portuguesa estão a cotar 0,7% um preço substancialmente inferior ao do Dubai e mesmo ao da República da Irlanda (1,55%), da Grécia (1,7%) e de Espanha (0,87%). Portugal continua a ter crédito, não obstante as débeis contas públicas e o elevado endividamento externo. O "rating" da República Portuguesa é de A+ medido pela S&P. No entanto, os "ratings" das principais casas financeiras internacionais são mais favoráveis à Irlanda e Espanha -AA e AA+ medidos pela S&P. Ou seja, as casas financeiras dão pior "rating" à República Portuguesa mas a verdade é que o mercado só precisa de pagar 0,7% pelos CDS da dívida nacional, enquanto que para Espanha paga 0,87% e para a Irlanda 1,55%, que têm melhor "rating", como demonstra o quadro 2.

É pertinente referir que os valores destes "spreads" continuam excepcionalmente altos. Há dois anos, antes de rebentar a crise financeira nos Estados Unidos da América, e de esta se ter alastrado ao resto do mundo, os CDS rondavam os 0,05%-0,10% (para os EUA, Portugal, Espanha, Abu Dhabi, etc., com excepção da Argentina e outros países com problemas financeiros crónicos).

Independentemente da crise iniciada com o "subprime" e a falência da Lehman, julgo que a bolha do Dubai teria que rebentar, mais tarde ou cedo. Bolhas como esta vão continuar a aparecer por todo lado e não estão directamente relacionadas com o problema financeiro que abalou a economia mundial há dois anos.

Existe um caso "gritante" em Luanda, com origens também no imobiliário. O que remunera o bem imóvel é a renda - uma acção é o lucro e um crédito é o juro - tudo o resto são desajustes temporais entre a oferta e a procura. Existem bens imóveis que são remunerados só com 1%, 0,5% ou menos, mas o mercado continua a investir onde existem bolhas imobiliárias latentes e o catalisador está nos "ganhos de capital" que daí advêm - a tendência é a melhor conselheira dos investidores - mas que mais tarde ou mais cedo serão corrigidos pelo rebentar das aludidas bolhas, sejam elas imobiliárias, accionistas, mercadorias, etc.

Voltando aos Emirados Árabes Unidos e no que concerne agora ao Abu Dhabi, este tem uma solidez financeira razoável para o momento que atravessamos, com um "rating" de longo prazo de AA e estável. O mercado segura a respectiva dívida por 1,25% e a 24 de Novembro sustentava, ou "caucionava", essa mesma dívida por 1%.

Poderá Abu Dhabi - detentor da grande fatia das reservas de petróleo, o 6º a nível mundial, enquanto a actividade petrolífera no Dubai representa menos de 10% da actividade económica - e os restantes emirados serem fiéis avalistas do Dubai? Creio que sim. Apesar da dívida da empresa estatal Dubai World ascender a 26 mil milhões de dólares (4% do pacote de estímulos financeiros do plano de Paulson de 2008 à economia americana e quase 20% do PIB português). O Dubai, no entanto, depois de ter alavancado a sua economia nas garantias das extracções petrolíferas, das receitas do turismo e do imobiliário dos próximos anos está a hipotecar o futuro do país em termos financeiros.

O Dubai têm um Índice de Desenvolvimento Humano de 90.3, ficando só abaixo do Kuwait e do Qatar no Médio Oriente, mas está consideravelmente aquém dos países ocidentais. Seria, assim, importante que canalizasse os investimentos para áreas como a educação e a saúde, e não concentrá-los apenas nas actividades imobiliárias, turísticas e financeiras. Assim haverá vida, no Dubai, para além dos altíssimos CDS.

Em contrapartida, o Dubai, poderá perder o estatuto de centro financeiro dos Emirados Árabes Unidos para a capital Abu Dhabi. Julgo que serão essas as medidas que organizações internacionais e os Emirados irão recomendar ao Dubai. Os credores institucionais pedirão uma reestruturação da dívida e o problema, por agora, pode acabar por aqui…
Paulo Monteiro Rosa, economista, 9 de Dezembro 2009.

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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.