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sábado, 25 de dezembro de 2010

Quo vadis, mercado accionista?

A Trilogia: Taxas de Juro, Sentimento económico e Emprego.
Uma  das mais aliciantes ocupações intelectuais, para quem trabalha nos mercados financeiros, é tentar perceber a evolução dos índices accionistas. É sempre uma incógnita, passo o paradoxal pleonasmo, prever o futuro, pelo simples facto dele não ser óbvio – estamos por exemplo numa fila de supermercado ou nas portagens e escolhemos a fila que nos parece ser a mais rápida porque tem menos pessoas, menos veículos, mas podemos demorar mais tempo porque o carro que está à nossa frente avariou, o condutor perdeu o ticket ou o multibanco. Além disso a economia depende não da vontade humana mas da acção humana. Resta-nos socorrer dos dados históricos e dos padrões gráficos, regressões lineares que daí poderemos extrair, da teoria económica e das expectativas que temos sobre determinado negócio – que não deixam de ter também como base a tendência (dados históricos) que existe para consumir determinado bem ou serviço, determinado produto.

Taxas de Juro
A teoria económica, o raciocínio lógico de cada agente económico indicia que perante uma subida das taxas de juro os títulos descem, seja imobiliário – os encargos com empréstimos são mais elevados logo há uma retracção na procura, traduzindo-se numa descida do preço. Nas obrigações de taxa fixa, as novas emissões serão efectuadas com cupões superiores o que leva à venda das obrigações antigas com menor taxa de juro, além disso há uma maior propensão para os depósitos a prazo e para as obrigações indexadas.
No que concerne às acções uma política monetária contraccionista – através da subida de taxas de juro, porque também se poderia retirar liquidez ao mercado com a venda de títulos aos bancos - também se deveria traduzir numa descida das cotações devido ao maior custo com os encargos financeiros e com a fuga para produtos bancários alternativos como os depósitos a prazo.  Mas de acordo com o gráfico do quadro1, que começa a 1 de Janeiro de 1999, data da criação do euro, chegamos a uma conclusão diferente. Entre o momento A e B temos subida das taxas de juro na Zona Euro e nos EUA, acompanhada também de uma subida do índice global Morgan Stanley Capital Internacional (MSCI World Index), e nos outros momentos chegaremos à mesma inferência, no fundo isso está bem reflectido, espelhado, vê-se com facilidade à “vista desarmada” no quadro1 – existe uma correlação positiva entre o movimento das taxas de juros e a evolução do índice accionista MSCI World Index. Poderemos tentar adiantar uma explicação plausível para este padrão que passará pelos encargos de financiamento que aumentam com uma política monetária contraccionista – subida de taxas de juro – e a concorrência de activos financeiros mais atractivos (Depósitos a prazo e obrigações indexadas) mas que serão mais que compensados pelas maiores receitas e melhoria dos lucros das empresa, a própria economia  está a “inflacionar”, está a crescer, está com mais vigor, e isso é bem patente e é a prova cabal da subida das taxas de juro, caso contrário não teríamos uma política monetária contraccionista, contra-cíclica, para travar o aquecimento da economia. Em suma as taxas de juro vão subir só não se sabe quando e segundo o padrão verificado nos gráficos será favorável para a performance do mercado accionista.    
De salientar também que a Reserva Federal é a primeira sempre a iniciar os ciclos e que existe sempre uma antecipação do mercado accionista em alta(baixa) de cerca de 6 meses a um ano, caso se trate de uma política contraccionista(expansionista), o que por exemplo num momento altista poderá criar um sentimento optimista  nos detentores de acções pois os seus activos valorizam e estas pessoas provavelmente consumirão mais, as empresas obtêm mais receitas e maiores lucros e a sua performance em bolsa vai espelhar isso, criando-se por vezes um ciclo virtuoso e mais tarde uma bolha neste mercado. O mesmo acontece com o mercado accionista em baixa, os activos desvalorizam, as pessoas consomem menos e as empresas continuarão a ver as cotações descer no mercado, observando-se um ciclo vicioso no mesmo. Podemos inferir que os mercados financeiros influenciam por vezes a própria evolução da economia.   
Este padrão é também verificado em décadas anteriores.

Sentimento económico
O sentimento do mercadoQuadro2 - tem melhorado bastante desde o início de 2009, estando neste momento o Indicador “apetite pelo risco” das acções divulgado pela UBS a níveis superiores aos alcançados antes do começo da crise financeira no verão de 2007, também o VIX que mede a volatilidade implícita das opções sobre o índice S&P 500 está quase a níveis antes do começo da crise.
De referir a eminente ruptura do sistema financeiro após o dia 14 de Setembro de 2008, aquando da falência do banco de investimento norte-americano Lehman Brothers, o sentimento de mercado chegou a níveis de record histórico, jamais alcançados pelos dois aludidos indicadores desde que foram criados, só a partir de meados do mês de Outubro o sentimento começou a melhorar dos níveis de desconto de ruptura financeira e de depressão económica, com a intervenção dos Estados garantindo, avalizando e intervindo no sistema financeiro através de injecções massivas de capital para dar liquidez aos mercados e a contínua política monetária expansionista, concertada, por parte dos bancos centrais a nível mundial. Graças a essa política muito provavelmente escapámos de uma depressão económica profunda, mas agora temos o problema das finanças públicas de muitos países, com o deficits orçamentais a dispararem para valores acima dos 10% do PIB e a dívida pública em alguns países acima dos 100% do PIB, e infelizmente se nada for feito pelos governos, as finanças públicas de alguns países poderão por em causa a recuperação económica que se verifica neste momento. É imperioso rectificar, “purificar” as contas públicas porque de há um mês e meio a este parte os credit default swaps, em Portugal, já se agravaram de 0.7%, para 1.3%, o spread da dívida pública portuguesa em relação à alemã já é de 0.8 pontos percentuais, estando agora nos 4.2% (quando há um mês era de 3.8%) e na Grécia os credit default swaps já se agravaram de 2%, para 3.3%, o spread da dívida pública helénica em relação à alemã já é de 2.55 pontos percentuais, e a “yield” da obrigação do tesouro de referência a 10 anos ronda os 5.9% (quando há um mês era de 5.6%). Urge um orçamento de Estado sóbrio.

Emprego e Índice de preços das casas nos EUA
O relatório do emprego, nos Estados Unidos da América, que é divulgado todas as primeiras sextas-feiras de cada mês e referente ao mês anterior é o dado macroeconómico mais importante da economia norte-americana, porque o mercado de trabalho é bastante flexível nos EUA e não existem os apoios aos desempregados como na Europa, logo se existem muitas pessoas no desemprego e não têm qualquer rendimento nem subsídio, o consumo irá se retrair, as empresas vendem menos e actividade económica deteriora-se, por outro lado estas pessoas tentam arranjar emprego assim que se encontram numa situação de desemprego, dinamizando mais a economia e transferindo recursos humanos de onde já não são precisos para sectores carenciados, daí a importância deste dado. De salientar que são várias as variáveis analisadas por esse relatório, duas das mais pertinentes: os postos de trabalho criados excluindo o sector agrícola e taxa de desemprego. Os postos de trabalho criados (ou destruídos) mostram o vigor da economia e já estavam a diminuir desde o início de 2006, já aqui era visível que mais cedo ou mais tarde o mercado accionista iria ajustar, é patente uma divergência no gráfico todo o ano 2006 até Junho 2007, ano e meio de correlação negativa, após meados de 2007 até hoje vemos que existe uma correlação quase perfeita. Os postos de trabalho têm o seu ponto de inflexão em Janeiro de 2009foram destruídos quase 800.000 postos de trabalho neste mês e mais 3 milhões desde o início de 2008 até este momento - e o mercado accionista  inverteu a tendência de queda em Março de 2009.
Quanto ao  Índice S&P-Shiller composite (preços das casas) de citar que começou a sua queda em Junho de 2006, um ano antes dos mercados accionistas iniciarem a sua trajectória descendente. Os empréstimos “subprime” concedidos a pessoas denominadas de NINJA (No Income, No Job, No Assets) – sem rendimentos, emprego e activos – só com base no preço do imóvel, na garantia da casa, quando esta começou a desvalorizar, e com o desemprego a aumentar, as pessoas tomadoras destes créditos deixaram de pagar e os banco entraram em dificuldades para o seu dinheiro, pois o crédito foi concedido sem qualquer garantia. Para complicar o problema estes créditos tinham sido “empacotados” e vendidos como fundos a grande parte dos bancos a nível mundial, a doença estava disseminada e crise financeira instalada. Desde Maio de 2009 que o preço das casas tem recuperado, o que deu também um alento às cotações das acções, e se a economia continuar a recuperar e estes activos a valorizar e os postos de trabalho criados na casa dos 50.000 a 100.000 por mês, ainda, com alguma probabilidade, veremos estes activos vendidos aos supramencionados NINJA valerem alguma coisa.
Perante os factos apresentados de algum optimismo e recuperação no horizonte e numa perspectiva de médio/longo prazo numa carteira deveremos privilegiar uma maior exposição às acções, com uma ponderação entre 50%-60% da carteira, também aumentar o peso nas obrigações corporate, para cerca de 10%-15% que foram bastante penalizadas no final de 2008, chegando mesmo a descontar um cenário de depressão (em parte pela falta de liquidez e também pelo receio de falência e ruptura de muitas empresas). Diminuir ligeiramente a exposição em dívida pública, para cerca de 20%, porque sendo quase na sua totalidade de taxa fixa, tenderá a desvalorizar quando as taxas de juro começarem a subir e também a enfraquecer o “flight to quality” – fuga para qualidade (aumento da volatilidade e incerteza do mercado accionista, opta-se por vender acções e comprar dívida pública, como activo de refúgio). O remanescente em mercadorias e imobiliário.

Paulo Rosa, economista, 15 Março 2010
Publicado Diário Económico: http://economico.sapo.pt/public/uploads/epaper/DE_2010-03-15.pdf
Página X e XI Suplemento Mercados

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