Será este o ambiente perfeito
para o ouro se afirmar no atual contexto monetário e cambial e substituir, em
alguns aspetos, algumas das principais moedas fiduciárias mundiais? Na fase de
maior pânico de vendas em meados do mês de março, quando todos os títulos
caíam, desde ações a obrigações, passando pelos REIT e pelo ouro, tendo o dólar
norte-americano sido o grande refúgio por excelência.
Num momento de agudizado pânico no mercado, foi o dólar o refugio e não o ouro.
O metal amarelo chegou mesmo a perder cerca de 10%, enquanto a moeda fiduciária
dólar, moeda dominante há cerca de 100 anos, registou a maior procura dos
últimos anos. A preferência por liquidez foi uma característica marcante no mercado.
Nos pagamentos, os agentes económicos mantêm-se muito fiéis à moeda fiduciária
suportada pelo crédito concedido e débito tomado, em detrimento das
dificuldades de pagamento com ouro físico.
Houve também uma considerável subida nas "margin calls". Em março, a
procura de dólares foi significativa por parte de todos os investidores, e,
atualmente, continua a ser, nomeadamente pelos países emergentes.
O índice do Dólar (Dollar Index) atingiu os 103 pontos, máximos dos últimos
anos, aquando dos mínimos dos mercados acionistas a 16 de março. Hoje, está nos 97, perante o aumento do "Risk-On", do apetite pelo
risco, dos máximos históricos das bolsas.
Todavia, como reserva de valor, o ouro poderá ir tomando o lugar do dólar à
medida que o balanço da Reserva Federal norte-americana vai aumentando, o que
acontece há décadas, e está bem espelhado na escalada da cotação do ouro, que
quase decuplicou nos últimos 20 anos, quando cotava à volta dos 200 dólares por
onça, e hoje ronda os 1700 dólares. Numa alusão à famosa lei de Gresham, em que
a má moeda expulsa a boa moeda da circulação, e esta última é retida para
reserva de valor, também o dólar expulsa o ouro de circulação, enquanto o metal
amarelo é guardado como reserva. As características dos pagamentos também
impelem a moeda fiduciária para pagamentos, pois o ouro físico dificulta os
pagamentos. Devido às taxas de juro de zero, o ouro, que não gera renda,
consegue mais facilmente competir com as principais moedas fiduciárias.
Mas podem ser criados certificados bancários do ouro que temos depositado ou
guardado. Mas esse facto está na génese da moeda fiduciária. Mais tarde voltará
tudo ao mesmo?! É certo que os pagamentos eletrónicos são cada vez mais
utilizados e podem ser suportados por reservas de ouro, caso haja um colapso da
principal moeda fiduciária do mundo. E os pagamentos de certas atividades
ilícitas que não deveriam existir? A moeda papel ou mesmo o ouro são excelentes
no cumprimento dessa função, facilitando essa forma de pagamento, e há quem
refira que as moedas virtuais, nomeadamente o bitcoin, também desempenham
facilmente essa função.
Mesmo assim, não é ouro, mas obrigações que os investidores desejam. Compram a
nova emissão de obrigações da PayPal cujo cupão é de 3,25%, classificação de
crédito de BBB, e maturidade 2050. Como o pioneiro da transferência de dinheiro
online se sairá nos próximos 30 anos? O comprador de hoje está a ser compensado
por esses riscos? O ouro pode ter um recorde milenar de serviço monetário
honroso, mas são os preços das obrigações que estão em máximos históricos. Os
investidores desejam que os preços dos seus ativos subam, e o
"quantítative easing" responde a essa necessidade.
A história não pode prever exatamente o resultado da criação sem precedentes de
dinheiro por parte da Reserva Federal, mas é indiscutível a crescente
fragilidade do papel-moeda perante os recordes de "impressão
monetária", do aumento considerável dos vários agregados monetários, desde
a massa monetária medida pelo Ml ou pelo M2, e o crescimento do balanço do banco
central norte-americano, e do BCE, BoJ, BoE, BNS, e ainda mais significativo
nos bancos centrais dos países emergentes.
Porém, a moeda fiduciária goza da obrigação de aceitação generalizada como meio
de pagamento e da imposição pelo Estado, das quais o ouro não beneficia e, em
boa verdade, já houve períodos da História em que os Estados proibiram mesmo a
posse de ouro. Em suma, o risco legal e regulatório também tem uma palavra a
dizer.
Paulo Rosa, In Vida Económica, 5 de junho 2020
A transversalidade e Universalidade da ciência económica. O objecto de estudo da economia é a maximização do bem-estar do ser humano, mas não deixa de ser em sentido estrito. A ciência económica é mais abrangente. A todos os seres vivos e não vivos. Ver página "descrição do blog".
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