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quarta-feira, 27 de julho de 2022

Relógios, produtos farmacêuticos e químicos suportam franco suíço

 

Estamos em 2022. Toda a Europa foi ocupada pela inflação… Toda? Não! Um país povoado por irredutíveis suíços resiste ainda ao invasor. Os sucessivos excedentes comerciais suíços e a inflação relativamente baixa no atual contexto mundial, de 3,6% em junho, suportam a moeda helvética, fortalecida também pela resposta atempada do Banco Nacional da Suíça (SNB). No passado dia 16 de junho, o SNB aumentou os juros em 50 pontos base, de -0,75% para -0,25%, a primeira subida desde setembro de 2007, numa tentativa de travar as pressões inflacionistas. A inflação alastrou a toda a Europa, impulsionada pela crise energética, e os maiores encargos com a importação de combustíveis fósseis têm penalizado as contas externas das economias europeias. Mesmo a Noruega que apresenta crescentes superávites na balança comercial, beneficiando da alta do preço do petróleo, divulgou uma inflação homóloga em junho de 6,3%. A Holanda, a Irlanda e a Dinamarca mostram relevantes excedentes comerciais, mas a elevada dependência dos combustíveis fósseis, respetivamente 87%, 84% e 60% tem impulsionado os preços nestes países, cuja inflação homóloga foi em junho de 9,6%, 8,6% e 8,2%, respetivamente. As restantes economias europeias revelam uma crescente deterioração das suas contas externas, a par de um gradual agravamento da inflação. A Alemanha divulgou em maio o seu primeiro défice comercial desde 1991 e a inflação fixou-se nos 7,6% em junho. Todavia, a inflação em França, de 5,8% em junho, é, a seguir à da Suíça, a mais baixa da Europa, atenuada pela produção doméstica de energia nuclear que representa 36% da matriz de consumo energético primário francês, sendo a principal fonte de energia gaulesa.      

De regresso à Suíça, os combustíveis fósseis representam 47% da matriz energética primária helvética (35% petróleo e 12% gás natural), o nuclear 16% e as hidroelétricas 32%. Apesar de um referendo em 2017, sobre a Estratégia Energética 2050, ter determinado a eliminação gradual do nuclear, a Suíça tem atualmente em funcionamento três centrais nucleares e quatro reatores, o que lhe permite, a par da energia hídrica, uma relativa independência energética. Ademais, desde o início do conflito na Ucrânia, os inquéritos realizados mostram que os suíços estão novamente mais recetivos ao nuclear, justificado pelas crescentes preocupações com a segurança energética. A abundância de lagos aumenta a soberania energética, cuja capacidade instalada das hidroelétricas equivale a mais de 15 GW. A barragem suíça Grande Dixence, uma das maiores da Europa, dispõe de uma capacidade instalada de 2070 MW, quase o dobro dos 1158 MW da ‘giga bateria’ recentemente inaugurada na Zona do Tâmega e quatro vezes superior aos 520 MW do Alqueva. Alguma autonomia energética e a relativa robustez do franco suíço (CHF), atenuando os preços das importações, travam o aparecimento de inflação mais elevada. A economia suíça é uma das mais abertas do mundo, e em 2021 as exportações totalizaram CHF 259,5 mil milhões e as importações quedaram-se pelos CHF 200,8 mil milhões, culminando num excedente comercial de CHF 58,7 mil milhões. Pedras e metais preciosos, nomeadamente ouro, representaram cerca de CHF 110 mil milhões das exportações e das importações. Mas as contribuições líquidas vieram dos produtos químicos e farmacêuticos, cerca de CHF 75 mil milhões em 2021, bem como das exportações de relógios que ascenderam a CHF 22,3 mil milhões (a título de comparação de valor, as 382,6 toneladas de ouro detidas pelo Banco de Portugal valem 20 mil milhões de euros), com os principais mercados a permanecerem nos EUA, China e Hong Kong. Por exemplo, se com 100 kg de aço, que custam 15 euros, podemos produzir milhares de parafusos com um valor total de 1.000 euros, então se forem molas para relógios o valor pode alcançar os 100.000 euros e muito mais ainda, ou seja milhões de euros, se forem molas para relógios suíços. O elevado valor acrescentado dos produtos suíços permite um robusto crescimento económico e uma inflação controlada. No primeiro semestre deste ano, o superávite comercial diminuiu para CHF 16 mil milhões (em junho o excedente comercial foi de CHF 2,6 mil milhões). Baixa inflação e excedentes comerciais conferem à Confederação Helvética a designação de ‘aldeia irredutível’ no velho continente europeu. O ordoliberalismo, modelo económico que domina o país desde a 2ª guerra mundial, tem alicerçado a economia suíça e promovido a sua competitividade e atratividade. A robustez da banca suíça confere o músculo financeiro necessário a todos os investimentos helvéticos que sejam viáveis.

Apesar de alguma independência energética, a Suíça é um ‘landlocked’ que depende de ‘pipeline’ para o abastecimento de gás natural, nomeadamente para uso doméstico das famílias (por exemplo, a Alemanha utiliza uma parte relevante na indústria). Como a Suíça não pertence à União Europeia, não há acordos firmados no que concerne ao aumento do fornecimento de gás por ‘pipeline’ para suprir as necessidades do próximo inverno. Potenciais dificuldades podem impulsionar a inflação e penalizar o CHF. No entanto, a Suíça é o maior centro de negociação de ‘commodities’ do mundo. A quota de mercado global está estimada em 35% para petróleo, 60% para metais e 50% para açúcar e cereais, respetivamente. A maioria das maiores empresas ‘traders’ de ‘commodities’ na suíça são: Vitol, Trafigura, Gunvor, Mercuria e Glencore. A Suíça, apesar de não possuir recursos naturais como hidrocarbonetos ou metais, tornou-se um centro influente de ‘commodities’ graças a uma combinação de privilégios fiscais para empresas registadas no país, e este facto pode-lhe permitir a abertura de algumas ‘portas’. E apesar de a Suíça ter imposto crescentes sanções à Rússia, não abandonou a sua politica de neutralidade militar mais antiga do mundo definida em 1815, o que lhe confere relativa facilidade nos negócios. 

Desde a invasão da Ucrânia pela Rússia, no passado dia 24 de fevereiro, o CHF valoriza 6% em relação ao euro, mas perde 3,5% relativamente ao dólar americano. Excetuando o rublo, a moeda dos EUA ganha, desde o início do ano, a todas as moedas mundiais, beneficiando da postura cada vez mais ‘agressiva’ da Reserva Federal dos EUA (Fed) e da ligeira melhoria das contas externas americanas nos últimos três meses. O aumento dos juros pela Fed em 25 pontos, 50 pontos e 75 pontos, nas três últimas reuniões, para travar a inflação mais elevada desde 1981, impulsiona a atratividade do dólar, reforçada também pela sua particularidade de principal moeda de refúgio global em períodos de maior volatilidade e queda dos mercados.

Por último, o balanço do SNB, atualmente de 1,07 biliões de CHF (quase 150% do PIB suíço), aumentou dez vezes desde a crise financeira de 2008 e as implicações inflacionistas preocupam as autoridades monetárias suíças. Contudo, foram as compras de euros pelo SNB, para impedir a valorização do CHF, que elevaram o balanço e culminaram no abandono do câmbio fixo a 1,20 CHF/ 1 EUR no dia 15 de janeiro de 2015, optando o SNB novamente pela sua independência monetária, numa alusão à tríade impossível (num regime de câmbios fixos, não é possível usufruir simultaneamente de livre circulação de capitais e independência monetária do banco central). Mais de 90% do ativo são investimentos em moeda estrangeira, sobretudo euros, e no passivo o ritmo de crescimento da moeda em circulação tem sido relativamente estável. Os juros baixos incentivaram a liquidez e os depósitos à ordem triplicaram no passivo, mas a inflação nunca surgiu, apesar de ser uma ameaça constante. Cerca de 20% do balanço são lucros do SNB.

PMR In VE 27/07/2022



sexta-feira, 22 de julho de 2022

Espada de Dâmocles paira sobre o BCE

 



O Banco Central Europeu (BCE) está preocupado com a recente fraqueza do euro, mas a sua capacidade em oferecer um cabal suporte à moeda única europeia continua a ser limitada. Uma arrojada subida das taxa de juro permitiria a sustentabilidade do euro, mas aceleraria uma eventual recessão e poderia espoletar um aumento ainda maior dos ‘spreads’ entre a dívida ‘core’ da Zona Euro, nomeadamente os rendimentos soberanos alemães, e as ‘yields’ da dívida pública da periferia, especificamente Itália, Espanha, Portugal e Grécia. O BCE não pode errar e sobre a sua ‘cabeça’ pende uma espada de Dâmocles. Se um eficaz mecanismo ‘anti fragmentação’ afasta o perigo, o inverno que se avizinha nos próximos meses e uma crise no fornecimento de gás natural acentua novamente a ameaça. Em defesa do euro, o BCE tem uma tarefa hercúlea.  

Um euro fraco agrava a inflação da Zona Euro via importações, sobretudo de combustíveis fósseis, refletindo a dependência energética do exterior, cuja elasticidade da procura de petróleo e gás natural é muito rígida devido à sua importância na atividade económica. Uma subida significativa dos juros poderia travar a inflação e a queda do euro, mas poria em causa o financiamento e a sustentabilidade das dívidas públicas dos países mais endividados da Zona Euro, sobretudo de Itália, e, consequentemente, a coesão europeia.    

A fraqueza do euro não é apenas em relação ao dólar, mas também relativamente às principais moedas mundiais, com exceção do iene japonês. Apesar da inflação estar controlada no Japão, a economia nipónica padece de algumas fragilidades idênticas às da Zona Euro: um agravamento das contas externas, em resultado de uma considerável dependência energética do exterior, nomeadamente de combustíveis fósseis, e uma política monetária expansionista. O BCE inicia, agora, as primeiras subidas de juros desde 2011, mas o Banco Central do Japão mantem os seus juros inalterados, postura que pressiona a moeda nipónica (o iene desvaloriza cerca de 7% em relação ao euro desde o início do ano).

As recentes posturas mais ‘hawkish’ do discurso do BCE, no entanto, falharam em oferecer um suporte ao euro, e uma linguagem prospetiva mais agressiva do que o esperado pode não ser suficiente para suportar o euro. A sustentabilidade da moeda única europeia viria provavelmente de uma audaciosa política ‘anti fragmentação’, tal como aconteceu há 10 anos com Mario Draghi, mas nessa altura não existia inflação, permitindo que países como a Alemanha corroborassem a enérgica flexibilização monetária adotada pelo BCE (Quantitative Easing europeu) que manteve coesa a União Europeia. Mais recentemente, a incerteza política em Itália aumentou ainda mais o problema para o BCE.

O tamanho e a duração de um novo esquema de compra de títulos pelo BCE deve ser capaz de aumentar a confiança no compromisso do banco central da Zona Euro em combater os chamados riscos de fragmentação, mas a deceção dos investidores pode ocorrer se o tamanho for exíguo. Quanto mais resiliente for o instrumento ‘anti fragmentação’, menor será o risco de ser testado pelos mercados. Muito provavelmente, o sucesso do programa ‘anti fragmentação’ depende do comprometimento da Alemanha com o mesmo, mas a elevada inflação é um entrave ao pleno envolvimento germânico. Além disso, a economia alemã tem, atualmente, os seus próprios problemas e perde força a cada dia que passa com o adensar da crise energética e o aproximar do inverno. Pela primeira vez desde 1991, a balança comercial alemã foi deficitária em maio. Atualmente, não são só os italianos que têm problemas, o coração da economia europeia, a Alemanha, debate-se também com sérias contrariedades e desta vez a União Europeia dificilmente poderá contar com o suporte e a força da economia germânica.        

As perspetivas económicas europeias deterioram-se. A inflação ainda está acelerar e o crescimento abranda acentuadamente. A estagflação e uma crise energética são cada vez mais uma realidade. O ‘trade-off’ que o BCE enfrenta é mais grave do que qualquer um dos outros grandes bancos centrais (maior mesmo que o do Banco Central do Japão, onde não há inflação e a potencial crise cambial pode ser mitigada com uma cabal subida dos juros).

Nota: Texto escrito em 20 de julho de 2022, PMR In VE


 

sexta-feira, 15 de julho de 2022

Mitos urbanos da inflação



1. Mito: a criação de dinheiro pelos bancos centrais determina sempre um aumento da inflação de preços ao consumidor em proporções semelhantes. Realidade: o aumento dos preços no consumidor depende não só da oferta de moeda, mas também da procura da mesma, bem como da oferta e da procura de bens e serviços. E a oferta monetária vai muito além da moeda criada pelos bancos centrais. As autoridades monetárias determinam apenas a base monetária, moeda em circulação acrescida das reservas bancárias, e através da criação desta moeda central procuram influenciar a quantidade total de moeda numa economia (massa monetária), estimulando os bancos comerciais a emprestarem mais dinheiro e os agentes económicos a endividarem-se, no intuito de acelerar a atividade económica, o emprego, a produção e o bem-estar. A nova moeda criada pelos bancos centrais é utilizada, por exemplo, para comprar títulos da dívida pública, fomentando a sua valorização e consequente diminuição dos seus juros. Gradualmente o mecanismo de queda dos juros transmite-se a todo o sistema financeiro e, como referiu Cantillon, a nova moeda não beneficia todos em simultâneo, mas desfasadamente. As ações e restantes obrigações, cujas remunerações se tornam mais atrativas, valorizam. A baixa dos juros estende-se com mais ou menos rapidez à economia, nomeadamente ao setor imobiliário. E, num regime de reservas fracionárias, a nova moeda central (refletida ‘grosso modo’ na queda dos juros) alcançará todos os agentes económicos, através da moeda crédito criada pelos bancos comerciais, se existir solicitação da mesma e o analista de crédito de cada banco comercial aprovar os empréstimos. Os bancos centrais não cedem dinheiro diretamente ao público. Entre 2007 e 2014 o balanço da Reserva Federal dos EUA quadruplicou, mas a inflação anual de preços ao consumidor manteve-se à volta de 1,5% nesse período. Numa política monetária expansionista, o objetivo das autoridades monetárias é fomentar o investimento, estimular o consumo e desincentivar a poupança. Contudo, os bancos centrais criam moeda central e os bancos comerciais criam moeda crédito e estas duas moedas constituem a massa monetária. Atualmente nos EUA a moeda central, medida pela base monetária, equivale a cerca de 25% do total da massa monetária quando medida pelo agregado M1, moeda em circulação acrescida dos depósitos à ordem. A teoria quantitativa da moeda, útil para perceber o mecanismo dos preços, relaciona a variação de preços na economia com a quantidade de moeda disponível, e é dada pela identidade MV=PT (massa monetária x velocidade de circulação equivalente à produção x preços, ou seja, o montante de dinheiro e a velocidade da sua circulação equivalem ao PIB nominal). Antes do aparecimento do dinheiro, aquando da troca direta, a igualdade era dada pela produção = produção, por isso é uma identidade, ou seja, uma equação que admite infinitas soluções. Entretanto, não é a base monetária que aparece no cálculo, mas a massa monetária que representa o total de moeda na economia. Quanto à velocidade, esta pode variar muito no curto prazo e é dada em termos matemáticos pelo rácio entre o PIB nominal e a massa monetária (PT/M). A velocidade de circulação da moeda depende da evolução da atividade económica, e esta é ditada sobretudo pelo nível tecnológico, globalização, demografia e pelos preços das importações, nomeadamente matérias-primas essenciais, cuja elasticidade é muito rígida. Uma maior velocidade será tanto mais inflacionista, quanto menor for a sua capacidade em aumentar a quantidade de bens e serviços na economia.

2. Mito: A deflação é tão ou mais grave que a inflação. Realidade: a queda dos preços como resultado de um acréscimo significativo de produção, fruto por exemplo dos avanços tecnológicos e de uma maior globalização, é obviamente bem-vinda. E diante da expectativa de queda de preços, não é da natureza humana adiar o consumo e, deste modo, o investimento. Existe deflação quando a oferta agregada supera a procura agregada. Mas a oferta cria a sua própria procura, tal como referiu Say. Durante a década de 1920, a oferta de carros pela Ford iniciou a democratização dos automóveis. Um trabalhador da Ford conseguia comprar um modelo T com cerca de 4 meses de salário. Em 1926 a Ford instituiu a semana de 5 dias e 40 horas. Em 1929, nos EUA, cerca de 20% da população conduzia e existiam 27 milhões de carros (algumas famílias tinham 5 carros na garagem). Estas poupanças fortaleceram o crescimento económico e criaram uma pujante classe média norte-americana. Todavia, a deflação, esta indesejável, que se seguiu ao ‘crash’ bolsista de 1929, resultou de ajustamentos de créditos, como por exemplo para comprar carro ou para especular na bolsa. Além do mais, as respostas políticas de fixação de salários aceleraram ainda mais a crise e conduziram a falências. Quanto à inflação, esta é negativa sempre que exista açambarcamento, menos produção, menos consumo.

PMR in VE 13/07/2022



Paridade euro/dólar. E agora?



A elevada inflação norte-americana em junho consolidou a paridade do euro face ao dólar

A inflação nos EUA continua a agravar-se. O índice de preços no consumidor (IPC) norte-americano subiu 9,1% em termos homólogos em junho. O aumento mensal foi de 1,3% e os preços da gasolina responderam por 40% dessa subida. As expectativas dos investidores, de acordo com os futuros negociados na bolsa de derivados de Chicago (CME Group), são agora de um aumento da taxa de juro em 100 pontos base na próxima reunião da Reserva Federal dos EUA (Fed) em 27 de julho, cuja probabilidade é de 86%, acima dos 8% no dia anterior à divulgação do número da inflação. Há uma probabilidade de 14% de uma subida de 75 pontos base, número abaixo dos 92% antes do dado do IPC. Um aumento da taxa em 100 pontos base levaria a meta das ‘Fed Funds Rate’ para o intervalo de 2,5% a 2,75%, do seu atual nível entre 1,5% e 1,75%, e seria o maior aumento dos juros pela Fed desde agosto de 1988.

Esta semana o euro continuou a depreciar face ao dólar. Pela primeira vez em 20 anos, a cotação do principal câmbio mundial está abaixo da paridade, nos 0,9955 dólares, à medida que a crise de energia aumenta o risco de recessão, tornando mais difícil para o Banco Central Europeu (BCE) adotar uma política monetária energicamente restritiva, para travar a também elevada inflação da Zona Euro, alta dos preços que é maioritariamente do lado da oferta e sobretudo centrada nos combustíveis fósseis importados. Também o facto de o dólar ser um dos principais ativos de refúgio a nível global tem impulsionado a moeda americana, diante da crescente volatilidade e incerteza dos mercados financeiros nos últimos meses. A postura mais ‘agressiva’ adotada pela Fed na condução da sua política monetária cada vez mais restritiva, que deverá ser acelerada com o atual número da inflação de junho, eleva as expectativas das taxas de juros do dólar e incentivam a posse da moeda norte-americana em detrimento do euro, numa ótica do diferencial das taxas de juro.

O euro segue também penalizado em relação ao dólar, devido à consecutiva deterioração das contas externas europeias e diante da melhoria do défice comercial dos EUA, espelhada nos últimos números da balança comercial norte-americana em maio, cujas exportações aumentaram acima do esperado e as importações mantiveram-se controladas. No entanto, a balança comercial da Alemanha em maio registou o seu primeiro défice comercial desde 1991. A competitividade alemã é sobretudo extra-preço e um euro mais barato ajuda, mas não é a solução perante a constante deterioração dos meios de troca da economia germânica e de toda a Zona Euro, diante não só da alta dos preços dos combustíveis fósseis, petróleo e gás natural, mas também dos produtos agrícolas. 

A paridade entre as duas moedas começou a ser desenhada no início da semana, após o principal gasoduto Nord Stream 1 iniciar a sua manutenção anual em 11 de julho. Os fluxos de gás devem parar durante 10 dias, mas persistem as preocupações de que o fornecimento possa não regressar aos atuais níveis após as obras. Crescem os receios de uma crise energética na Europa à medida que o inverno se aproxima.
Enquanto isso, a Fed prepara-se para uma alta de 75 ou 100 pontos bases na próxima reunião de dia 27 de junho, após um aumento acumulado de 150 pontos base desde março. Os mercados antecipam que as taxas da Fed chegam ao final do ano no intervalo 3,75% a 4%.  Todavia, o BCE só deve aumentar as sua taxas principais em 25 pontos base no final deste mês, o primeiro aumento em mais de 11 anos.
Bancos EUA
O JPMorgan, maior banco dos EUA, divulgou uma queda de 28% no lucro trimestral, maior do que o esperado, e reservou mais dinheiro para cobrir perdas potenciais diante dos riscos crescentes de um recessão. O CEO, Jamie Dimon, enfatizou a necessidade de construir reservas de capital, mas ao mesmo tempo sinalizou uma série de preocupações, incluindo a guerra na Ucrânia, inflação alta e o aperto quantitativo "nunca antes visto" como ameaças ao crescimento económico global.
Morgan Stanley falha estimativas dos analistas, penalizado por receita da banca de investimento inferior ao esperado. Os resultados do banco foram prejudicados por um declínio acentuado de 55% na receita de banco de investimento. Os resultados confirmam o que alguns analistas temiam para o Morgan Stanley, que gere uma das maiores operações de mercado de capitais de ações em Wall Street.

Empresas Semicondutores
TSMC vê vendas de chips resilientes e a aumentarem no terceiro trimestre. A TSMC prevê um crescimento de receita que pode ser o maior dos últimos 10 trimestres, referindo que está "altamente confiante" sobre as suas perspetivas de longo prazo, impulsionada pela maior procura por chips de alta tecnologia usados ​​em data centers e veículos elétricos.
Nordic Semiconductor aumentou os lucros no segundo trimestre. A empresa norueguesa de chips de computador Nordic Semiconductor ainda é caracterizada por problemas de fornecimento, mas aumentará os lucros no segundo trimestre do ano e seguirá para metas acima de mil milhões em 2023. Ebita (lucro antes de juros, impostos e amortizações) de 51,9 milhões de dólares no segundo trimestre.

Banca escandinava
O banco DNB da Noruega no 2º trimestre superou as previsões impulsionado pelos aumentos das taxas de juro. O maior credor da Noruega, o DNB, divulgou na passada terça-feira lucros trimestrais acima das previsões, apoiados por aumentos nas taxas de juro e forte atividade comercial em toda a Noruega, que o banco disse que espera continuar. O lucro líquido subiu para 7,79 mil milhões de coroas no trimestre de abril a junho (6,43 mil milhões há um ano). A ABG Sundal Collier registou uma queda nos lucros no segundo trimestre. A estagnação na atividade dos IPOs tem efeitos cascata no potencial de lucros do banco de investimento. O resultado do segundo trimestre está a descer. Um mercado caracterizado por maior incerteza e volatilidade resultou em vendas reduzidas em 50% para a ABG Sundal Collier no segundo trimestre.

PMR in JE 14/07/2022

 



sexta-feira, 8 de julho de 2022

Base monetária nos EUA desce 13% desde os máximos de dezembro

                                   
A inflação mais elevada das últimas décadas tem penalizado a atividade económica e o sentimento do consumidor. Também a postura cada vez mais ‘agressiva’ dos bancos centrais, na tentativa de travar a alta dos preços, acelera essa tendência de deterioração do sentimento à medida que as taxas de juro sobem nos mercados monetário e de capitais. Sendo assim, o risco de recessão aumenta e a inflação tende a desacelerar com o abrandamento da procura. Intensifica-se o risco de crédito e desacelera o de taxa de juro.

Na Zona Euro, o contexto macroeconómico tem-se deteriorado e o sentimento do consumidor em junho caiu para níveis de 2013. Na Alemanha, o sentimento do consumidor, medido pelo GfK, registou um novo mínimo histórico em julho, refletindo uma diminuição da propensão a comprar e um alívio na pressão inflacionista do lado da procura. Em junho, o índice harmonizado de preços no consumidor na Alemanha desceu pela primeira vez desde outubro de 2020, queda justificada, em parte, pela redução do imposto sobre os combustíveis, mas também pela diminuição da procura. A balança comercial alemã em maio apresentou o primeiro défice desde 1991. Também as perspetivas para a atividade empresarial têm abrandado e o PMI alemão aponta, em junho, para o crescimento mais lento desde julho de 2020.

Nos EUA, a confiança do consumidor medida pela Universidade de Michigan regista níveis de 2008 e a do Conference Board assinala mínimos desde fevereiro de 2021. O PMI caiu em junho para 52,7, o nível mais baixo desde julho de 2020. O indicador GDP Now da Reserva Federal de Atlanta antecipa uma contração de 2,1% do PIB norte-americano no segundo trimestre. No entanto, o mercado de trabalho permanece resiliente, mas os pedidos de subsídio de desemprego semanais subiram, ainda que ligeiramente, para os níveis mais elevados do início do ano.    

Nos EUA, a política monetária é cada vez mais contracionista. Desde os máximos históricos em dezembro do ano passado, a base monetária desceu 13% e a rubrica reservas bancárias no passivo da Reserva Federal dos EUA (Fed) diminuiu 32%. No entanto, os depósitos junto da Fed, refletidos pela rubrica ‘reverse repo’ no passivo, registam sucessivos recordes semanais e representam atualmente mais de 25% do balanço do banco central dos EUA. Há elevada liquidez, mas esta está cada vez mais centralizada no ‘porto seguro’ da Fed e cada vez menos disponível para emprestar. Diante deste cenário, o risco de liquidez tende a aumentar, mas o mercado de ‘repo’, talvez um dos melhores barómetros para aferir as dificuldades de liquidez, não apresenta atualmente nenhuma perturbação. Enquanto a rubrica ‘repo’, no ativo do balanço da Fed, se mantiver nula (sinónimo de inexistência de necessidades urgentes de liquidez), é expectável que um problema mais grave de liquidez se mantenha afastado. Mas as dificuldades podem aparecer à medida que o ‘quantitative tightening’ da Fed, iniciado há apenas um mês, avança e retira liquidez ao mercado. A TED spread regista máximos desde a primavera de 2020, de 0,6%, e este indicador é comumente usado como medida de risco de crédito e representa a diferença entre a LIBOR do dólar a 3 meses e a taxa de juro dos títulos do tesouro dos EUA a 3 meses, estes últimos vistos como livres de risco.

Se, desde a primavera de 2020 até dezembro do ano passado, a política energicamente expansionista da Fed impulsionou a base monetária em 90%, permitindo a recuperação da economia norte-americana, o regresso ao pleno emprego e a valorização dos mercados acionistas, agora, a reversão da política da Fed, espelhada na queda da base monetária nos últimos seis meses, promete intensificar o risco de liquidez e tem influenciado negativamente os mercados acionistas.

Os investidores tentam quantificar a desaceleração da inflação e até que ponto algum alívio na subida dos juros poderá compensar os eventuais ‘profit warnings’ ditados por uma hipotética recessão. A queda da confiança empresarial e do sentimento do consumidor, a potencial recessão e a contração monetária são variáveis deflacionistas. Um abrandamento do ritmo de globalização não é inflacionista, apenas se existir um recuo da mesma. No entanto, os preços elevados dos combustíveis fósseis, penalizados pela transição e segurança energética e pela guerra, são variáveis inflacionistas. Certo é que os avanços e recuos da guerra na Ucrânia, nos próximos meses, influenciarão o nível de inflação, e a evolução da economia global e dos mercados. 

PMR In VE 8 julho 2022










sexta-feira, 1 de julho de 2022

O algodão não engana… da inflação à recessão?



Os preços do algodão, de acordo com as cotações dos contratos futuros no ICE, registam mínimos desde finais de setembro do ano passado, nos 98 cêntimos de dólar por cada libra (peso), e aceleraram as perdas nas últimas duas semanas, depois dos máximos à volta de 1,55 dólares alcançados no início de maio, pressionados pelas perspetivas de consumo mais fraco devido às crescentes preocupações sobre uma possível recessão. As perspetivas na China, principal consumidora, permanecem desanimadoras devido aos contínuos confinamentos. As projeções da procura do USDA (Departamento de Agricultura dos EUA) foram reduzidas no relatório de junho, devido ao menor consumo dos maiores produtores globais de vestuário. Um dos primeiros impactos, perante uma recessão, é a redução do consumo de algodão. Quando os tempos são mais difíceis, as roupas tornam-se bens discricionários.

Nas últimas semanas têm aumentado as probabilidades de uma recessão. Os receios e as atenções dos investidores afastam-se gradualmente da inflação e concentram-se cada vez mais num cenário de contração económica. A dinâmica de uma recessão económica explica este racional e justifica a contínua diminuição dos receios de uma inflação persistentemente elevada, porque os índices de preços no consumidor tendem a abrandar à medida que a procura privada diminui, as exportações descem, a produção industrial baixa e a recessão se instala. A queda dos mercados financeiros nos últimos meses, nomeadamente dos preços das obrigações e das ações, a desvalorização das criptomoedas e a desaceleração do mercado imobiliário são deflacionistas, confirmando uma desaceleração da inflação. No entanto, a cotação do barril de petróleo à volta dos 70 ou 80 dólares seria a principal variável deflacionista, associada a uma postura construtiva da OPEP de aumento da produção. O risco tende a ser cada vez mais de crédito, à medida que a perceção de uma recessão aumenta, e menos de taxa de juro, devido à potencial postura monetária menos restritiva dos bancos centrais.

Um cenário de estagflação, ou seja, elevada inflação associada a estagnação prolongada é uma ameaça cada vez mais presente. Devido ao forte aumento da inflação, o rendimento disponível das famílias é cada vez menor, o que penaliza a procura e a agrava as perspetivas económicas. O sentimento do consumidor na Zona Euro está em mínimos desde 2013, o dos EUA medido pela Universidade de Michigan em níveis de 2008 e do Conference Board norte-americano em mínimos desde fevereiro de 2021. O sentimento do consumidor alemão, medido pelo GfK, regista mínimos históricos. Os indicadores de atividade económica avaliados pelo PMI desceram para perto dos 50 pontos. O GDP Now da Fed de Atlanta projeta um crescimento de 0,3% no 2º trimestre, após contração no primeiro. A economia germânica cresceu apenas 0,2% no 1º trimestre.

A evolução da economia influencia o comportamento dos mercados financeiros e vice-versa. Os índices acionistas cotam atualmente no limiar do ‘bull’ e do ‘bear market’ e uma clarificação da sua tendência dependerá do rumo dos dados macroeconómicos. Um aumento da probabilidade de recessão diminui as perspetivas de alta dos juros, mas implica mais ‘profit warnings’ (revisões em baixa das perspetivas de lucros das empresas) nos próximos meses.
As cotações das ações das empresas têm sido penalizadas, nos últimos seis meses, pelas crescentes perspetivas de alta dos juros que diminuem a avaliação das empresas baseada na atualização dos lucros futuros. Um abrandamento da inflação implica taxas de juro menos elevadas e, assim sendo, um regresso de avaliações mais altas das empresas, mas uma possível recessão diminui os lucros e penaliza novamente as avaliações das empresas.

Por último, a relação entre o cobre e o ouro é talvez um dos principais barómetros para monitorizar as etapas do ciclo de negócios. Este rácio começa a apresentar os primeiros sinais de desaceleração do crescimento económico como resultado das pressões inflacionistas persistentes. O cobre é um metal cíclico com diversas aplicações industriais, que tende a valorizar durante o ‘boom’ económico, mas desvalorizou quase 20% nas últimas quatro semanas. Em contraste, o ouro é visto como um ativo clássico de refúgio durante períodos de fraco crescimento, ou recessão, e inflação crescente. O rácio entre o cobre e o ouro está correlacionado com a confiança empresarial, nomeadamente o índice ISM, um indicador da atividade económica no setor manufatureiro importante para avaliar a saúde da economia em geral.

PMR In VE 1 julho 2022



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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.