Na Zona Euro a inflação é sobretudo do lado da oferta e tem
sido predominantemente impulsionada pelo aumento acentuado dos preços da
energia. Não é uma inflação estimulada pela procura, por vezes sinalizando um
crescimento económico robusto, cujo aumento da procura está desfasado da
resposta da oferta. Nas últimas décadas o crescimento económico foi
caracterizado por baixa inflação, reflexo muitas vezes do excesso de capacidade
instalada nas economias avançadas, validando a lei de Say, de que a oferta cria
a sua própria procura. As empresas criam necessidades que os consumidores
desconhecem, sobretudo no setor tecnológico, desde telemóveis e relógios
inteligentes, às redes sociais e à computação em nuvem. Certo é que no último
ano a oferta agregada na economia da Zona Euro tem desacelerado
significativamente e o Banco Central Europeu (BCE) esforça-se nos últimos meses
para ajustar a já frágil procura agregada à menor oferta. Esta firme postura
monetária contracionista do BCE pressiona ainda mais a já vulnerável economia
da Zona Euro, nomeadamente do centro da Europa, penalizada essencialmente pela
elevada dependência do gás natural russo, aumentando a probabilidade de uma
recessão em toda a área do euro.
Caso a inflação persista elevada nos próximos trimestres e o
BCE continue decidido em combatê-la com uma cada vez mais agressiva alta dos
juros, a futura discursão deixará de ser se haverá ou não recessão em toda a Zona
Euro, mas quão acentuada será essa mesma recessão em 2023. Caso os juros do BCE
superem significativamente a taxa de juro natural da economia, na Zona Euro
poderá andar entre os 1,5% e os 2%. É uma tarefa hercúlea, destinada talvez ao
insucesso, combater com o aumento dos juros uma inflação maioritariamente do
lado da oferta e determinada pela dependência externa da Zona Euro,
nomeadamente dos combustíveis fósseis, culminando numa inflação importada. É
certo que a guerra na Ucrânia acelerou ainda mais a inflação energética e
agravou os preços dos alimentos, mas efetivamente a indesejável inflação na
Zona Euro está cada vez mais generalizada e os preços dos serviços vêm também
acompanhando este contínuo aumento de preços. Diante da potencial reposição de algum
poder de compra, após uma quebra significativa do rendimento disponível das
famílias, nomeadamente das assalariadas, cresce também a probabilidade de uma
espiral salários/inflação, aumentando a possibilidade de um cenário de
estagflação à semelhança do da década de 1970.
Mas como é que a inflação persiste em economias com excesso
de capacidade instalada? Os problemas nas cadeias de abastecimento, espoletados
pela pandemia e pela guerra na Ucrânia, não explicam tudo. O açambarcamento
também faz parte dessa equação, existindo agentes económicos que procuram
lucrar com a alta dos preços. Alguma da inflação existente do lado da oferta
estará, provavelmente, a ser impulsionada também pelos nefastos
açambarcamentos, agudizando as dificuldades nas cadeias de abastecimento, um dos
fenómenos que mais agrava a inflação. A aquisição de quantidades de bens
superiores às necessidades de abastecimento normal dos respetivos compradores,
agudiza ainda mais a escassez e impulsiona a inflação, penalizando a economia e
acentuando as desigualdades na distribuição do rendimento. O açambarcamento é
realizado por agentes económicos que compram mercadorias, recorrendo até por
vezes a empréstimos, armazenando-as para revendê-las mais tarde a preços mais
elevados, intensificando ainda mais o atual episódio inflacionista. Há um
estímulo acrescido a esta prática lesiva da economia sempre que a inflação é
substancialmente superior às taxas de juro. Todavia, este fenómeno tende a
reverter para uma trajetória deflacionista se a alta dos juros travar a procura
e as mercadorias precisarem rapidamente de compradores.
Os “pellets”, biomassa para aquecimento e para fornos industriais, triplicaram
de preço nos últimos dois anos e são, talvez, um exemplo paradigmático na
compreensão de alguns dos problemas nas cadeias de abastecimento. Em 2020 um
saco de “pellets” de 15 kg custava pouco mais de 3 euros e hoje o preço ronda
os 10 euros. A procura tem sido elevada na Europa e há consumidores em Portugal
que compraram quantidades significativas o ano passado, antecipando escassez e
subida de preços, alimentando uma espiral de alta de preços. Mas os
consumidores são racionais e, à medida que os preços sobem, substituem
gradualmente a caldeira a “pellets” por ar condicionado ou bomba de calor, uma
vez que o preço da eletricidade no mercado regulado não teve subidas
significativas. Esta postura diminuirá o preços dos “pellets” e se o inverno
for menos rigoroso do que antecipado, a descida pode acelerar ainda mais. No
que concerne também à energia, o preço do gás natural tem descido e assiste-se
já a excesso de oferta. Ainda esta semana, o gás natural holandês, o TTF, e o
do Texas, o “permian”, para entrega imediata foram negociados a preços
negativos, refletindo as limitações de armazenagem. Se o açambarcamento é
inflacionista, a sua reversão é deflacionista.
PMR In VE 26 outubro 2022