Há uma perceção generalizada de que quando o valor das
obrigações sobe, as ações normalmente desvalorizam e vice-versa. No entanto,
uma correlação positiva ou uma relação inversa entre a evolução dos preços das
ações e das obrigações depende muito da fase do ciclo económico, refletida quer
pelo grau de crescimento económico, quer pelo nível de inflação. Poderemos,
então, definir quatro diferentes fases.
Atualmente, a economia encontra-se numa fase inflacionista e
de fraco crescimento económico, ou seja, um cenário de quase estagflação,
afastado apenas pela taxa de desemprego baixa e pela resiliência do mercado de
trabalho. Nesta fase os bancos centrais aumentam as taxas de juro, tentando
travar a elevada inflação. As obrigações são penalizadas pela alta dos juros e
as ações, sobretudo aquelas mais sensíveis às taxas de juro, apresentam também
um desempenho desfavorável, refletindo, assim, a atual correlação positiva e direta
entre a evolução das obrigações e das ações. Desde o início do ano as
obrigações e ações desvalorizam significativamente, apresentando em conjunto um
dos piores desempenhos dos últimos 50 anos.
Uma outra fase é definida pelo forte crescimento e pela
elevada inflação. Neste estágio, a tendência de alta das taxas de juro, para
refrear as pressões inflacionistas, penaliza as obrigações, mas as ações tendem
a refletir um desempenho favorável diante da robusta atividade económica e das
perspetivas de melhores receitas e lucros para as empresas. Por isso, numa fase
com estas características, a correlação entre a ações e obrigações é
habitualmente negativa.
Numa terceira fase, marcada pelo fraco crescimento económico
e pela inflação baixa, as obrigações tendem a mostrar-se resilientes e a
valorizar, nomeadamente as soberanas, devido à postura monetária expansionista
dos bancos centrais, refletida na redução das taxas de juro para impulsionar a
atividade económica. Todavia, as ações tendem a ser penalizadas pela fraca
atividade económica ou mesmo recessão, prejudicando também as obrigações das
empresas.
Numa quarta e última fase, caracterizada por baixa inflação
e forte crescimento económico, as ações tendem a registar um desempenho melhor,
espelhando uma atividade económica mais robusta. No entanto, a baixa inflação é
acompanhada pela manutenção das taxas de juro em níveis baixos, penalizando as
obrigações com risco taxa de juro. Contudo, poder-se-á observar alguma
valorização das obrigações, ganhos mais concentrados nas obrigações de
empresas, devido ao menor risco de crédito determinado pelo crescimento
económico e melhor ambiente para a atividade das empresas. Esta conjuntura de
baixa inflação e de elevado crescimento é das mais favoráveis para as ações.
Em momentos de incerteza e volatilidade nos mercados
acionistas, as obrigações tendem a ser um porto seguro e a correlação negativa
é uma realidade, dando lugar à valorização das obrigações e queda dos preços
das ações, fenómeno conhecido por ”flight-to-quality”. No entanto, se a
incerteza e a volatilidade nos mercados financeiros forem extremas, como
aconteceu em outubro de 2008 e em março de 2020, então a desvalorização em
simultâneo de ações e obrigações, bem como de metais e de produtos agrícolas, é
uma realidade, apresentando-se o dólar americano como um dos poucos ativos de
refúgio, caracterizado pela preferência por liquidez.
É importante olhar de forma desagregada para cada classe de
ativos. Por exemplo, ações de crescimento e de valor tendem a apresentar
desempenhos diferentes em cada fase do ciclo económico. Também nas obrigações
deveremos olhar de maneira diferente para o soberano e para o “corporate”, bem
como para os “ratings” melhores ou mais fracos (“investiment grade” ou “high
yield”), risco de crédito, risco de taxa de juro e risco de liquidez.
Em suma, e regressando ao momento atual da economia, uma
descida da inflação nos próximos meses reduziria o risco de taxa de juro e
impulsionaria as obrigações, mais as soberanas com melhores “ratings”, mas
também as obrigações de empresas de qualidade. As ações também tenderiam a
registar um desempenho melhor, diante de uma menor inflação, sobretudo aquelas
mais sensíveis às taxas de juro. Ou seja, com a diminuição da inflação e
consequente baixa dos juros, os títulos com maior “duration”, mais sensíveis
aos juros, tendem a registar um comportamento positivo. Mais crescimento
económico seria positivo para as ações em geral e para as obrigações com risco
de crédito.
PMR in VE 2/11/2022
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