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segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Hegemonia do dólar. Até quando?

O que está por detrás da valorização de uma moeda? Necessidade nos pagamentos das trocas internacionais, política cambial de um país, reserva de valor, cobertura de risco, aumento da procura pelos bancos centrais, investidores, especuladores e outros intervenientes nos mercados. Em economia, a Lei da Oferta e da Procura estabelece a relação entre a procura de um bem, serviço, moeda e a quantidade que é oferecida. Uma moeda vale mais quanto maior for a sua procura. A hegemonia de uma moeda, para além dos factores anteriores, pauta-se pela elevada liquidez e influência a nível mundial. O dólar americano é, por excelência, uma moeda de referência há mais de cem anos nas trocas internacionais em qualquer parte do mundo, assim como o inglês é a língua de entendimento entre os povos. Uma tribo no lugar mais recôndito de África ou na Papuásia pode não ter conhecimento de nenhuma língua ou moeda da civilização, mas se tiver essa língua será o inglês e a moeda o dólar. Este ganhou maior relevo a partir da 2ª guerra mundial com a conferência de Bretton Woods, cidade americana que deu nome ao acordo que estabeleceu o novo sistema monetário mundial, segundo o qual cada país deveria adoptar uma política monetária que mantivesse a taxa de câmbio da sua moeda dentro de um determinado valor indexado ao dólar, e este estaria fixo ao ouro numa base de 35 dólares por onça Troy, foi criado o FMI para suportar dificuldades temporárias de pagamento. Défices comerciais no final da década de 60 e emissão de mais moeda para lhes fazer face - passaram a existir mais dólares do que reservas de ouro – culminou em pressões crescentes na procura global por ouro. Em 1971 os EUA, que já tinham perdido quase metade das suas reservas de ouro desde 1944, suspenderam unilateralmente a conversão do dólar em ouro.

Os EUA emergem da 2ª guerra como super-potência, quase incólumes à sua destruição, com um rápido crescimento industrial, forte acumulação de capital, poderosa indústria manufactureira, enriquecendo através da venda de armas e empréstimos aos outros combatentes. Acumularam superávites durante quase 30 anos, com uma economia assente nas exportações. A partir de finais dos anos 60, meados da década de 70, surgem os primeiros défices comerciais, o consumo interno passa a ser a variável com maior peso no PIB, mas a “dolarização” da economia mundial é cada vez mais popular. Em 1990 o dólar correspondia a 60% das reservas mundiais, mais de 70% no início do novo milénio e de acordo com o gráfico1 nos últimos 10 anos perdeu 10 pontos percentuais para o euro e actualmente dólar e euro equivalem a 90% das reservas mundiais - 62% para o dólar e 28% para o euro. As relações comerciais a nível mundial eram realizadas 89% em dólares no início do novo milénio, hoje representam cerca de 86%.

No entanto a crescente procura de euros é mais um desejo de diversificação das reservas do que mérito da Europa, porque o crescimento económico permanece débil em comparação com os EUA. O euro é uma moeda comum a grande parte dos países da União Europeia que pouco têm a ver entre si. Uma manta de retalhos de países, quer pela cultura e costumes quer pela sua disciplina económica e finanças públicas, polarizados em duas regiões a setentrional e a meridional. Um Tesouro Europeu, com obrigações do tesouro do euro em detrimento de obrigações do tesouro de cada país, se fosse posto em prática com alguma relutância da Alemanha, provavelmente não seria suficiente. Uma maior integração, quiçá política, traria maior conforto e aceitação. Neste momento o euro está a ser posto à prova com a crise das finanças públicas gregas e não terá um futuro muito risonho se não forem tomadas medidas de maior integração, sob pena de por em causa a existência do euro, apesar de ser quase impossível as populações quererem ir nesse sentido. Nenhuma moeda sobrevive muito tempo se não tiver os mesmos fundamentais macroeconómicos no seu espaço, e o pacto de estabilidade exigido pela Alemanha aquando da criação da moeda única, de inflação em torno dos 2%, dívida de cada país membro abaixo dos 60% do PIB e défice público menor que 3% do PIB no longo prazo provavelmente não chega. Também a Europa se encontra bastante endividada. O crédito interno, total de crédito concedido pelos bancos às empresas, famílias – habitação, consumo e outros fins - e às administrações públicas, no Japão, Espanha, Reino Unido, Portugal corresponde a cerca de 220% do PIB, mesmo na Alemanha, França, Itália e Suécia é 150%, nos EUA e China é 110%. Poderá o euro destronar o dólar? É mais forte a remota possibilidade de desaparecimento do euro do que a remota probabilidade do euro se tornar a principal moeda de reserva. O mais provável é que daqui a 20, caso a Zona Euro consiga ultrapassar cabalmente as suas debilidades, o euro seja uma moeda de reserva da mesma dimensão do dólar.

Em termos técnicos uma moeda é tanto mais hegemónica quanto mais apertado é a diferença entre a sua compra e venda, traduzindo-se em liquidez mais elevada. Uma moeda pode ser forte em todo o globo, caso exclusivo do dólar, aceite em qualquer parte do mundo, substituindo por vezes a moeda local, servindo não só para entesourar, mas usada nas trocas em detrimento da moeda nativa. Diversos factores explicativos: mercadorias denominadas em dólares (crude, ouro e outro metais preciosos, produtos agrícolas), presença militar dos EUA em muitas partes do mundo, pois têm o exército mais poderoso e isso quer se queira quer não é factor de sustentabilidade para o dólar. Por exemplo o médio oriente, onde países – Kuwait, Arábia Saudita, EAU, Israel - se sentem protegidos pela presença do exército dos EUA como garante da estabilidade da região. Também por ser a maior economia mundial detendo 25% do PIB como se observa no quadro3. A dimensão e população do país que não se antevê que diminua, por exemplo a hegemonia da libra manteve-se enquanto existiu o império britânico. Há moedas que são hegemónicas nas suas zonas geográficas de influência, a extinta peseta era uma moeda sem expressão em qualquer parte do mundo, mas na península ibérica rivalizava com o dólar, pois era aceite com facilidade em Portugal, o diferencial entre a compra e a venda de pesetas em Portugal era mais apertado do que em qualquer outra parte do mundo, sendo a liquidez considerável e para os portugueses uma moeda de referência a par do velho marco alemão e do dólar.
A China, maior detentor de reservas do mundo (quadro1 e 2), compra dólares para manter o yuan subvalorizado e garantir a sua competitividade. Estima-se que mais de 60% das suas reservas sejam dólares (cerca de 1.5 biliões de dólares) no entanto a China está a diversificar o seu portefólio. Em 20 de Julho de 2005 após 7 anos de paridade administrativa 1dólar/8.27 yuan, a China libertou a moeda e no dia seguinte o yuan tinha valorizado 2%. Desde Julho 2008 1dólar vale 6,83 yuan, mas se fosse o mercado a ditar provavelmente a paridade seria próximo 1dólar/3,5 yuan, uma valorização de 100%, mas poria em causa as exportações chinesas que representam quase 30% do PIB e o investimento 40% (quadro4). Os dólares em carteira como não são remunerados, a China compra obrigações do tesouro americano, activos relativamente seguros e assim recebe um juro. Estima-se que a China detenha perto de 1 bilião de dólares em obrigações do tesouro dos EUA. O Japão vem a seguir também com uma carteira considerável. Se alienassem as obrigações do tesouro levaria a uma crise financeira nos EUA? Provavelmente sim, pelo simples facto da economia americana se ver privada de financiar os seus défices – comercial, 3% do PIB e orçamental cerca de 10% (O défice comercial português é superior a 10%). Mas, China e Japão, seriam prejudicados, quer pela desvalorização das suas divisas em dólares e T-Bonds, quer pela valorização das suas moedas que colocaria em causa a competitividade, quer pela perda do seu maior cliente.
Em suma os EUA “exportam” dólares e importam produtos. Porque razão os japoneses, europeus, chineses aceitam comprar dólares? Porque todo o mundo está ligado aos EUA, é como um enorme neurónio onde se ligam inúmeras sinapses de outros neurónios que vêem os EUA como salvador pela falta de procura interna na Ásia e Europa (por esta razão uma crise financeira nos EUA espalha-se facilmente por todo mundo, através de neurotransmissores mais rápidos que corredores dos 100 metros – as praças financeiras americanas influenciam todas as outras e quando “espirram o resto do mundo apanha uma pneumonia”). Para esta estratégia funcionar os países cujas economias dependem das exportações necessitam de manter as suas moedas baixas em relação ao dólar para manter a competitividade exportadora. Os EUA surgem como um polvo que estende os seus tentáculos a todos os países, consome mais de 25% das exportações chinesas, contribuindo para um peso de 5% no PIB chinês e criação directa de 1 milhão de postos de trabalho por ano – pessoas que trabalham cerca de 16 horas por dia a ganhar meio dólar por hora, esperem até chegarem os sindicatos à China! As exportações canadianas, mexicanas e europeias têm também um peso idêntico, logo os EUA não está dependente de nenhum fornecedor e tem a vantagem do comércio internacional pesar pouco mais de 10% no seu PIB e por absurdo os EUA viveriam em autarcia com mais facilidade que as outras grandes nações. Ninguém pode viver em autarcia? O nosso planeta terra vive, pois não existe comércio inter-planetário. Muitos produtos fabricados na China são de empresas ocidentais, Microsoft, Apple, HP, Nokia, neste momento em que lê este artigo é bem provável que o seu teclado seja de uma marca dos EUA, mas no seu verso tenha escrito “Made in China”. Se a leitura for em papel e olhar o seu telemóvel de marca ocidental é provável que seja “made in China” até a bateria. Sem os EUA, sem o seu consumo, sem o seu espaço de negócios, a crise de superprodução crónica que o capitalismo mundial sofre há mais de 3 décadas converter-se-ia num desmoronamento imparável. Encontram nos compradores norte-americanos clientes cuja procura não pode ser substituída. Não há saída fácil para a situação actual. A forma de ajustamento do dólar vai determinar a dimensão do impacto para as economias, tal como os ajustamentos das placas tectónicas provocam terramotos com avultados prejuízos financeiros e humanos.
Existem várias saídas para a nova reserva mundial. Os DES (direitos especiais de saque) podem ser declarados divisa de reserva mundial, mas a utilidade do dólar como um meio de troca internacional líquido significa que ele não será facilmente substituído. A divisa é unicamente um meio de manter registo das trocas de bens e serviços, o dinheiro é simplesmente um meio de manter a contagem e poderia ser indexado a um cabaz de 30 ou mais mercadorias, como a China propôs. Daqui a 1 ou 2 décadas o PIB chinês deverá alcançar o americano, e a China tornar-se-á no grande “player”, tal como hoje já o é, a par dos EUA, Europa e Japão. De facto, não há necessidade de os EUA ou qualquer outro país cederem a sua soberania, nem o resto do mundo ficar obrigado à ditadura unilateral inerente à utilização do dólar como a divisa de reserva mundial. Uma divisa global é outra proposta, mas pelos motivos supramencionados no euro e também se todos os governos emitirem a mesma divisa, "a oferta monetária global seria vulnerável a governos irresponsáveis que emitissem demasiado". Os fortes acabariam por dominar os fracos e a soberania nacional enfraquecida.

Existem hoje plataformas onde qualquer investidor poderá entrar no maior mercado mundial, o cambial, através de uma multiplicidade de moedas passando pelas principais paridades euro/dólar, libra/dólar, ouro/dólar. Fácil acesso a um mercado com muita liquidez, alavancagem de 100 vezes, para investir em 50.000 euros contra o dólar, é preciso na conta apenas 500 euros e ir gerindo as margens, e se o euro subir 0.01, ou seja 100 pip’s em relação dólar, obtendo um ganho de 500 euros. Pode comprar ou vender euros/dólares e as outras paridades.






















Paulo Monteiro Rosa, economista, Março 2010.

4 comentários:

  1. Excelente artigo. Aborda o relacionamento interdivisas e a interdependência do comércio internacional em aspectos em que nunca tinha pensado

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  2. Boa noite Sr. Poirot,

    Agradecido pelo seu comentário.

    Cumprimentos,
    Paulo Rosa

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  3. Boa tarde Paulo,

    Dos seus primeiros, melhores e mais úteis artigos (Não menosprezo os restantes).

    Obrigado por partilhar.

    Cumprimentos,
    André Vaz

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  4. Boa tarde,

    Obrigado pelo tributo :)

    Um abraço e bom fim de semana,
    Paulo

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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.