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sexta-feira, 22 de março de 2019

A REALIDADE DO "DÉJÀ VU" DO BCE

O Indicador Macro Composto da União Europeia (CMI), medido pelo Bank of America, manteve-se pela primeira vez depois de 12 meses a cair. Embora a tendência do ciclo permaneça descendente, mas muito perto do suporte dos 20 pontos, prováveis melhorias no próximo mês de abril poderão dar lugar a uma rotação em termos de risco, que passaria pelo aumento do apetite pelo risco, nas ações da União Europeia (UE) a partir de maio. Segundo o CMI, a economia está melhor neste mês de março, provavelmente a beneficiar das expetativas dos investidores em virtude da atuação e dos discursos dos bancos centrais mundiais nos últimos tempos, que fizeram uma pausa na política monetária contracionista. O Banco Central Europeu (BCE), na passada quinta-feira, dia 7 de março, referiu que irá regressar às medidas monetárias "não convencionais".

No final de 2011, o BCE tinha recorrido pela primeira vez a estes instrumentos com o intuito de solucionar a crise das dívidas soberanas na Zona Euro, provocada pela crise financeira de 2008, que havia desequilibrado os "spreads" das taxas de rentabilidades ("yields") das obrigações dos vários países da Zona Euro, designadamente entre os países setentrionais que viram as suas taxas de juro de longo prazo descerem e os países mediterrânicos onde as taxas subiram vertiginosamente, devido aos elevados défices orçamentais, e que culminaram nos resgates financeiros de Portugal, Grécia e Irlanda. Até 2008, e desde a criação da moeda única, o "euro", as "yields" tinham-se mantido relativamente semelhantes.

O BCE, a partir de setembro, recomeçará com os "Targeted Long Term Refinancing Operations" (TLTROs), que se constituem como financiamentos dos bancos através de empréstimos de longo prazo com o objetivo bem definido de os bancos comerciais (OIM – Outras Instituições Monetárias, que não o BCE), colocarem dinheiro junto dos agentes económicos famílias e empresas, sob pena de serem penalizados (nas taxas, …). Os primeiros LTRO, como não tinham o objetivo bem definido, na prática foram impulsionadores das cotações dos mercados acionistas e obrigacionistas, e por isso foram criados mais tarde os TLTRO, anunciados pela primeira vez a 5 de junho de 2014. O objetivo do BCE foi sempre bem claro, defender a sobrevivência do euro, cimento agregador da União Europeia, através do reequilíbrio das taxas de rentabilidades das obrigações do tesouro dos países da Zona Euro e do estreitamento dos spreads entre as várias "yields". Hoje, em abono da verdade, poderemos dizer que Mario Draghi salvou o a moeda única! E o amanhã? Esperemos que no futuro sejam feitos progressos, quer num orçamento único quer no reequilíbrio das contas e dívidas públicas, para consolidar uma Europa próspera, onde a paz possa continuar a perdurar, como acontece desde a 2ª Grande Guerra.

Porém, estamos a protelar as reformas e a empurrar os problemas para as gerações futuras – vejamos elevadas e crescentes dívidas públicas dos países desenvolvidos e o agudizar do aumento das dívidas privadas, estimuladas pelo crédito cada vez mais barato. Muito deste novo dinheiro deverá continuar a incentivar a "bolha" imobiliária, na correspondente redução nos "spreads" de crédito que poderão quebrar a importante fasquia de 1% e cair para valores à volta de 0.8%. Também deverão estimular o mercado acionista e obrigacionista (as cotações das obrigações, para muitos analistas, encontram-se em valores exageradamente elevados).

Provavelmente, pouco dinheiro chegará à economia real, excetuando a construção e o imobiliário (o que beneficiaria mais os setores de "construção & obras públicas" e de "materiais & equipamento"), e poderá incrementar ainda mais as cotações das ações e obrigações por via da perceção de maior riqueza, mais rendimento disponível, refúgio.

A "yield" da obrigação do tesouro português a 10 anos está em mínimos históricos nos 1,25% e a alemã nos 0,1%, perto do mínimo de sempre, alcançado em 2016, no valor negativo de - 0,19%. É a lógica da economia Japonesa há mais de 25 anos.

É de salientar o estreitar do "spread" entre a dívida pública lusa e a germânica, de apenas 1,1%. Está aqui espelhado o trabalho de Mario Draghi na defesa de euro. Agora os governos que façam o seu…

Paulo Rosa, Semanário "Vida Económica", 22 março





sexta-feira, 8 de março de 2019

O fluxo do dinheiro inteligente

O índice do "fluxo do smart money", ou índice de "fluxo de dinheiro inteligente", é um indicador de análise técnica que tem como objetivo revelar o sentimento dos investidores. O índice foi inventado e popularizado pelo gestor financeiro Don Hays. Este indicador é construído com base em padrões de preços que são formados em diferentes momentos do dia.

O índice do "fluxo de smart money" é calculado com base em dois períodos do índice acionista norteamericano Dow Jones: os primeiros 30 minutos de negociação e a fase do fecho do mercado.

Este índice está a cair significativamente desde o início do ano e encontra-se aos níveis mais baixos desde as crises financeiras de 2008 e de 2002, depois do rebentar da bolha das "dotcoms" em 2000.

A ideia principal é que a maioria dos investidores, emocionais e vulneráveis às notícias, reagem exageradamente no início da negociação, logo pela manhã, por causa das notícias, sejam elas boas ou más.

Já os investidores "inteligentes e experientes" começam a negociar mais perto do final da sessão, tendo a oportunidade de avaliar o desempenho do mercado. Portanto, a estratégia básica é apostar contra a tendência dos preços matinais e acompanhar a tendência dos preços no final da sessão. Este tipo de índice pode ser calculado para qualquer mercado ou índice acionista.

Muito tem sido dito e estudado acerca da forte queda do Índice do "smart money". No passado, grandes quedas no índice, como a que se observa atualmente, provaram ser o início de significativas quedas nas cotações das ações. Muitos investidores e académicos procuram agora explicações sobre a dinâmica que está por detrás do declínio do índice, que não está a ser acompanhada pela queda do Dow Jones, que, apesar das fortes descidas de outubro, se encontra perto dos máximos históricos.

Porém, o índice representa simplesmente a diferença entre os primeiros 30 minutos de negociação e a última hora. A ideia que pode estar aqui subjacente é a de que os investidores mais novos, que se iniciam nos mercados acionistas, negoceiam mais nos primeiros 30 minutos e os investidores mais experientes na fase final do mercado.

A diferença reflete a negociação líquida desses investidores "mais inteligentes", mais experientes.

Todavia, a verdade é que, com o aumento significativo da popularidade dos ETF, os mercados mudaram muito na última década. A grande maioria do volume de negociação não é realizada por investidores individuais, mas por algoritmos. Além disso, a grande maioria do volume de negócios em bolsa também ocorre atualmente durante a última meia hora de negociação, já que os "algoritmos investidores" realizam os seus balanços diários necessários para corresponder aos seus "benchmark", para seguirem os índices acionistas de referência.

Ou será que estas explicações não estão certas e o "smart money" está mesmo a antecipar uma queda duradoura nas bolsas? 

PAULO ROSA, Economista/senior trader do Banco Carregosa, 16 novembro

 


Sei o que Mário Draghi quer no próximo verão...

Na ultima reunião do Banco Central Europeu (BCE), a 13 de dezembro, Mário Draghi confirmou o fim do programa de compras no final do ano, apesar de ter baixado as previsões para a taxa de inflação do próximo ano, em mais de um ponto percentual, de 1,7% para 1,6%. A estabilidade de preços - ou seja, uma inflação em torno dos 2% - é o objetivo primordial do BCE.

Aparentemente, esta revisão em baixa da inflação, que tem sido penalizada pela baixa do preço do petróleo, não veio alterar os planos. Aliás, mesmo que em 2019 se confirme um abrandamento económico na Europa, o BCE parece estar firme na intenção de inverter a política monetária expansionista para contracionista, já a partir do final do próximo verão, com uma subida de taxas de juro.

Mas Draghi deixa uma porta entreaberta: a subida de taxas e regularização do balanço do BCE podem ficar para mais tarde se as bolsas norte-americanas e, por arrasto, as bolsas mundiais continuarem a perder terreno, culminando numa estagnação da economia dos EUA.

O mandato do BCE tem um objetivo primordial: a estabilidade de preços. E o crescimento económico e o emprego? Na Europa, subentende-se que esses são assegurados pelo Estado social. Nos EUA, um país que não é conhecido por ser um Estado social, a Reserva Federal tem como principais objetivos também o emprego e o crescimento.

As políticas monetárias têm mais sucesso nos EUA devido à flexibilidade do mercado labora, e ao crescimento e rejuvenescimento populacional. O cenário na Europa é precisamente o oposto. A população está envelhecida, além de existir resistência à entrada no mercado de trabalho devido à rigidez do mercado. Há décadas que a taxa de desemprego é significativamente mais elevada na Europa que nos EUA.

O dinheiro não cria riqueza, apenas o trabalho é produtivo. O dinheiro poderá estimular o trabalho, mas se existe uma pirâmide demográfica invertida, o dinheiro de nada vai adiantar sem uma política de natalidade ou de imigração.

Um sinal muito importante para avalizarmos o comportamento futuro de uma economia é o declive da curva de rendimentos. A "Yield Curve" norte-americana tem diminuído nos últimos tempos e está quase horizontal, continuando o movimento de alisamento. A rentabilidade da obrigação do tesouro dos EUA a 2 anos é já superior à rentabilidade da obrigação do tesouro a 5 anos. Este facto é um indício de abrandamento ou mesmo estagnação ou contração económica. Temos taxas de juro de curto prazo altas que pressionam o crédito concedido e o honrar dos compromissos e observamos taxas de juro de longo prazo aos mesmos níveis, relativamente baixas, que indiciam baixa inflação no futuro, o que é um sinal de abrandamento económico, porque, como o rendimento disponível será menor, os agentes económicos irão comprar menos, não havendo pressão sobre os preços.

As bolsas têm mostrado algum nervosismo e muita volatilidade. Existe uma grande incerteza sobre uma correção nos mercados. Desde o início de 2018 que a Reserva Federal norte-americana começou a reduzir e estabilizai' o seu balanço, e o efeito na queda das bolsas e na diminuição da liquidez foi imediato, nomeadamente nos mercados emergentes. No último trimestre de 2018, as quedas chegaram às bolsas ocidentais e às praças norteamericanas. Por isso, muitos analistas adiantam que a Reserva Federal em 2019 deverá ser mais contida na subida de taxas de juro.

O abrandamento económico na Europa não dá tréguas. O setor automóvel na Europa, que, tal como o do imobiliário, é usado para aferir o crescimento económico, cai pelo terceiro mês consecutivo, penalizando as grandes construtoras francesas, alemãs e a italiana Fiat. O setor automóvel do índice Stoxx 600 perde cerca de 25% desde o início do ano. 

Paulo Rosa, Vida Económica, 21 dezembro 2018


 


Banco Central da China alimenta mercados financeiros


O Banco Central da China anunciou, no final da semana passada, que irá diminuir as suas taxas mínimas de reserva legal em 100 pontos base. As autoridades monetárias chinesas procuram com esta medida diminuir o risco de uma desaceleração mais acentuada da segunda maior economia do mundo. O Banco Popular da China utiliza com frequência este instrumento monetário, a par das mexidas na sua taxa de juro diretora, porque tem margem para isso, com taxas acima dos 10%, algo que não acontece nos EUA ou na Zona Euro. Esta é uma medida monetária expansionista, e surge em sentido contrário das medidas monetárias contradonistas da Reserva Federal norteamericana e do final do "quantitative easing" do Banco Central Europeu, que se prepara para subir taxas depois do verão deste ano, mas só saberemos se iiá realmente acontecer essa subida em função da evolução da economia e das bolsas nos próximos tempos.

Esta medida de diminuição da reserva mínima legal irá fornecer ao mercado mais 1,5 triliões de yuan. Se por cada depósito à ordem que recebam os bancos são obrigados a depositar junto do Banco Popular da China menos dinheiro, neste caso menos um ponto percentual do que anteriormente, então vão ficar com mais capital para emprestai" e ceder ao mercado. Alimenta os mercados financeiros...

O corte nos coeficientes de reservas compulsórias é o primeiro em 2019 e o quinto em um ano pelo Banco Central chinês, já que a economia enfrenta o seu crescimento mais fraco desde a crise financeira de 2008 e a crescente pressão das tarifas norte-americanas, fruto da guerra comercial entre os EUA e a China, que tem penalizado a sua economia. Mas este país asiático tem as suas armas e ainda na semana passada a gigante tecnológica dos "smartphones", a Apple, emitiu um "profit warning" onde reviu em baixa as suas estimativas para as vendas, nomeadamente no mercado chinês. A "BigTech" norte-americana, uma das empresas pertencentes às FAANG, perdeu 10% em apenas uma sessão depois de emitir este aviso de redução das vendas...

A redução da reserva mínima legal será realizada em duas fases, até 15 de janeiro e 25 de janeiro, com montantes iguais em cada etapa de 0.50% cada. Os rácios de exigência de reservas são atualmente de 14,5% para os grandes bancos, que passarão para 13-5% até 25 de janeiro, e 12,5% para os bancos de menores dimensões, que verão a taxa ser 11,5% daqui a algumas semanas.

Os cortes da reserva mínima legal foram amplamente esperados, o ano passado, especialmente após uma série de dados fracos nos últimos meses que mostraram que a economia chinesa continuava a perder força. A dimensão deste movimento ficou no limite superior das expectativas do mercado, o que mostra que a medida das autoridades monetárias chinesas foi bastante arrojada. Caso a economia continue a deteriorar-se nos próximos tempos, é de esperar novos cortes desta taxa, com o intuito de fornecer mais liquidez ao mercado e continuar com a política monetária expansionista...

Segundo o atual sistema monetário baseado em reservas fracionárias, grosso modo, podemos falar na existência de dois tipos de moeda: a crédito e a central. Quando os bancos centrais produzem notas e moedas e as colocam junto dos bancos comerciais e recebem em troca títulos de dívida, nomeadamente do tesouro, estão a criar moeda central. Os bancos centrais não podem colocar dinheiro diretamente junto do público e utilizam os bancos comerciais para essa função, pois só estes podem ceder dinheiro ao público por uma questão de independência dos Estados, para não se criar moeda em excesso para financiar projetos do Estado menos rentáveis, gerando inflação e desvalorização da sua moeda.

Na Zona Euro existe cerca de 1 trilião de euros em notas e moedas.

A moeda crédito surge quando um depósito à ordem é emprestado. Na Zona Euro os depósitos à ordem andam à volta dos 4 triliões de euros, quatro vezes mais que as notas e moedas.

Em teoria a moeda tem o seu valor assegurado pelo Estado. Mas, em boa verdade, o seu valor é assegurado pela fidúcia na sua aceitação. Mas a "moeda crédito" põe em causa este débil equilíbrio, e por isso existem "bank runs" e garantias de depósitos de 100.000 euros, porque, quando se empresta dinheiro que está à ordem, quebra-se a principal regra de ouro da banca, que deve ser uma certa paridade entre os prazos e os montantes dos créditos e débitos de um banco. 

PAULO ROSA

Economista/sénior do
Banco Carregosa, 11 de janeiro de 2019


    


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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.