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sexta-feira, 17 de setembro de 2021

A Evergrande e o Lehman Brothers

As dificuldades financeiras da Evergrande, uma das maiores promotoras imobiliárias chinesas, há muito são conhecidas. O governo chinês está alertado para esse facto e, em boa verdade, as regulamentações mais rígidas sobre os níveis de dívida instituídas pelas autoridades chinesas no ano passado, como parte do esforço do presidente Xi Jinping contra a desigualdade, aceleraram a crise da Evergrande e criaram algumas dificuldades acrescidas aos restantes promotores imobiliários. Em 2017, Xi Jinping havia referido que as casas são para morar, não para especular…

A par da Evergrande, as promotoras Country Garden e a Vanke têm uma dimensão semelhante e receitas anuais à volta dos 650 mil milhões de renmimbi (perto de 100 mil milhões de euros), seguem-se a Sunac China, Poly Real Estate, China Overseas e Greenland com um volume de vendas cerca de 300 mil milhões de renmimbi. As desvalorizações destas promotoras aceleraram nos últimos meses e perdem cerca de metade do seu valor em bolsa desde os máximos de 2018, mas a dívida, apesar de uma queda à volta dos 10% no último trimestre, mantém-se cotada ao par, nos 100%. A S&P Global Ratings reafirmou a classificação de crédito da Country Garden Holdings em "BB +", no passado dia 19 de julho, e manteve a perspetiva positiva. Quanto à Vanke reafirmou o ‘rating’ estável de ‘BBB’ no passado dia 29 de junho. Todavia, a Guangzhou R&F Properties com receitas de 100 mil milhões de renmimbi e a Xinyuan Real Estate com 20 mil milhões, apresentam dificuldades e a sua dívida é negociada nos 70%, que compara com os anteriores 100% há apenas alguns meses. A classificação de crédito da Guangzhou R&F foi revista no dia 14 de setembro pela Fitch para ‘B+’ com perspetiva negativa e a Xinyuan tem rating de ‘B-‘ e perspetiva negativa. 

As ações da Evergrande já perderam 90% do seu valor em bolsa nos últimos três anos e a desvalorização das obrigações acelerou nos últimos três meses de 100% para 25%, antecipando um desfecho pouco otimista para a empresa. As classificações de crédito têm sido sucessivamente revistas em baixa pelas principais casas de ‘rating’ a nível mundial. A Fitch Ratings no passado dia 7 de setembro referiu provável ‘default’ da Evergrande e reduziu a classificação de crédito para ‘CC’ do anterior ‘rating’ de ‘CCC+’ atribuído no dia 28 de julho.

Esta semana a Evergrande tem alertado constantemente para as suas crescentes dificuldades de liquidez e avisou que pode deixar de pagar as suas dívidas a qualquer momento. Crescem os atrasos nos pagamentos dos seus produtos de gestão de património e fundos. Estes adiamentos nos pagamentos podem desencadear incumprimentos cruzados. Muitas instituições financeiras têm exposição à Evergrande através de empréstimos diretos e participações indiretas mediante diferentes instrumentos financeiros. O passivo da Evergrande envolve mais de 128 bancos e mais de 121 instituições não bancárias, de acordo com a carta que Evergrande enviou ao governo no final do ano passado. O China Minsheng Bank é provavelmente o banco chinês com maior exposição à Evergrande, e a sua cotação em bolsa desceu gradualmente nos últimos cinco anos cerca 50%, mas a negociação da sua dívida mantém-se estável à volta dos 100%. A Fitch Ratings manteve a classificação de crédito do banco em ‘BB +’ e ‘outlook’ estável no passado dia 31 de agosto.

No mercado de títulos em dólar, a Evergrande responde por 4% do ‘High Yield’ do setor imobiliário chinês, de acordo com o banco DBS de Singapura. Qualquer incumprimento descontrolado desencadearia liquidações no mercado de crédito ‘High Yield’.

O passivo da Evergrande relativo às contas de 2020 era de 2 biliões de renmimbi (260 mil milhões de euros) e o ativo de 2,3 biliões. Os projetos em desenvolvimento representavam metade do ativo e as reclamações devido às casas inacabadas são crescentes, refletindo as dificuldades da Evergrande, apesar do imobiliário chinês valorizar há 6 anos.

Será a Evergrande o Lehman Brothers chinês? Não parece. As dificuldades financeiras vividas serão semelhantes, mas a postura das autoridades aparenta ser diferente. O Lehman Brothers teve um desfecho ‘descontrolado’ e, atualmente, tudo leva a crer que a resolução da ‘crise Evergrande’ seja um evento controlado e suportado pelas autoridades chinesas. Em 2018, o Banco Popular da China destacou no seu relatório de estabilidade financeira que empresas como a Evergrande poderiam representar riscos sistémicos para o sistema financeiro do país.

Paulo Monteiro Rosa,  In Vida Económica17 de setembro de 2021




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