As dificuldades financeiras da Evergrande, uma das maiores promotoras imobiliárias chinesas, há muito são conhecidas. O governo chinês está alertado para esse facto e, em boa verdade, as regulamentações mais rígidas sobre os níveis de dívida instituídas pelas autoridades chinesas no ano passado, como parte do esforço do presidente Xi Jinping contra a desigualdade, aceleraram a crise da Evergrande e criaram algumas dificuldades acrescidas aos restantes promotores imobiliários. Em 2017, Xi Jinping havia referido que as casas são para morar, não para especular…
A par da Evergrande, as promotoras Country
Garden e a Vanke têm uma dimensão semelhante e receitas anuais à volta dos 650
mil milhões de renmimbi (perto de 100 mil milhões de euros), seguem-se a Sunac
China, Poly Real Estate, China Overseas e Greenland com um volume de vendas
cerca de 300 mil milhões de renmimbi. As desvalorizações destas promotoras
aceleraram nos últimos meses e perdem cerca de metade do seu valor em bolsa
desde os máximos de 2018, mas a dívida, apesar de uma queda à volta dos 10% no
último trimestre, mantém-se cotada ao par, nos 100%. A S&P Global Ratings
reafirmou a classificação de crédito da Country Garden Holdings em "BB
+", no passado dia 19 de julho, e manteve a perspetiva positiva. Quanto à
Vanke reafirmou o ‘rating’ estável de ‘BBB’ no passado dia 29 de junho.
Todavia, a Guangzhou R&F Properties com receitas de 100 mil milhões de
renmimbi e a Xinyuan Real Estate com 20 mil milhões, apresentam dificuldades e
a sua dívida é negociada nos 70%, que compara com os anteriores 100% há apenas alguns
meses. A classificação de crédito da Guangzhou R&F foi revista no dia 14 de
setembro pela Fitch para ‘B+’ com perspetiva negativa e a Xinyuan tem rating de
‘B-‘ e perspetiva negativa.
As ações da Evergrande já perderam 90% do seu
valor em bolsa nos últimos três anos e a desvalorização das obrigações acelerou
nos últimos três meses de 100% para 25%, antecipando um desfecho pouco otimista
para a empresa. As classificações de crédito têm sido sucessivamente revistas
em baixa pelas principais casas de ‘rating’ a nível mundial. A Fitch Ratings no
passado dia 7 de setembro referiu provável ‘default’ da Evergrande e reduziu a
classificação de crédito para ‘CC’ do anterior ‘rating’ de ‘CCC+’ atribuído no
dia 28 de julho.
Esta semana a Evergrande tem alertado
constantemente para as suas crescentes dificuldades de liquidez e avisou que
pode deixar de pagar as suas dívidas a qualquer momento. Crescem os atrasos nos
pagamentos dos seus produtos de gestão de património e fundos. Estes adiamentos
nos pagamentos podem desencadear incumprimentos cruzados. Muitas instituições
financeiras têm exposição à Evergrande através de empréstimos diretos e
participações indiretas mediante diferentes instrumentos financeiros. O passivo
da Evergrande envolve mais de 128 bancos e mais de 121 instituições não
bancárias, de acordo com a carta que Evergrande enviou ao governo no final do
ano passado. O China Minsheng Bank é provavelmente o banco chinês com maior
exposição à Evergrande, e a sua cotação em bolsa desceu gradualmente nos
últimos cinco anos cerca 50%, mas a negociação da sua dívida mantém-se estável
à volta dos 100%. A Fitch Ratings manteve a classificação de crédito do banco
em ‘BB +’ e ‘outlook’ estável no passado dia 31 de agosto.
No mercado de títulos em dólar, a Evergrande
responde por 4% do ‘High Yield’ do setor imobiliário chinês, de acordo com o
banco DBS de Singapura. Qualquer incumprimento descontrolado desencadearia
liquidações no mercado de crédito ‘High Yield’.
O passivo da Evergrande relativo às contas de
2020 era de 2 biliões de renmimbi (260 mil milhões de euros) e o ativo de 2,3
biliões. Os projetos em desenvolvimento representavam metade do ativo e as
reclamações devido às casas inacabadas são crescentes, refletindo as
dificuldades da Evergrande, apesar do imobiliário chinês valorizar há 6 anos.
Será a Evergrande o Lehman Brothers chinês?
Não parece. As dificuldades financeiras vividas serão semelhantes, mas a
postura das autoridades aparenta ser diferente. O Lehman Brothers teve um
desfecho ‘descontrolado’ e, atualmente, tudo leva a crer que a resolução da
‘crise Evergrande’ seja um evento controlado e suportado pelas autoridades
chinesas. Em 2018, o Banco Popular da China destacou no seu relatório de
estabilidade financeira que empresas como a Evergrande poderiam representar
riscos sistémicos para o sistema financeiro do país.
Paulo Monteiro Rosa, In Vida Económica17 de setembro de 2021
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