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quinta-feira, 28 de outubro de 2021

Na esteira da Modern Money Theory (MMT)

Por detrás da criação de nova moeda pelos bancos centrais ou emissão de nova dívida pelos governos estão somente assinaturas das autoridades competentes. Não existe um valor intrínseco, uma poupança, um trabalho acumulado nessa nova “riqueza” que está alicerçada unicamente na fidúcia e na força da lei. Além da confiança mútua na aceitação da moeda pelos agentes económicos, a legislação vigente força o curso da moeda e confere ao governo o privilégio de arrecadação de impostos.
O custo da criação de dinheiro pelos bancos centrais é o imposto inflacionário, espelhado inicialmente na distorção dos preços dos títulos nos mercados financeiros e dos valores do imobiliário, e é tanto maior quanto mais facilmente essa nova moeda criada alcança a economia, impulsiona o consumo no retalho, origina inflação de preços e cria desigualdades na sua distribuição. Tal como referiu há três séculos o economista francês Richard Cantillon, a nova moeda não é neutra quando entra na economia e os grandes bancos, denominados de primary dealers, são os primeiros a recebê-la. A monetização da dívida pública através do aumento do endividamento público que é tomado, ainda que indiretamente, pelos bancos centrais, tem um custo que é o aumento de impostos. Sucessivos défices públicos e crescente subida da dívida soberana em relação ao PIB nominal sinalizam impostos diferidos que serão tão mais dilatados no tempo quanto maior for a capacidade e o vigor da economia subjacente, e a perceção dos agentes económicos e investidores dessa robustez, que permita acomodar facilmente a arrecadação de receita fiscal.

O objetivo primordial da MMT é o pleno emprego e os países com um banco central podem e devem criar moeda para suportar eventuais défices orçamentais crescentes, e o limite será o aparecimento de inflação. Como tal, todos as suas despesas poderiam, em princípio, ser financiadas por meio da criação de dinheiro. Mas a Teoria Quantitativa da Moeda refere que a quantidade de moeda é igual ao PIB nominal, logo se a nova moeda alcançar a economia e a produção agregada se mantiver estável, a inflação aparecerá. O PIB per capita japonês há 25 anos era dos mais elevados do mundo, hoje figura em 30º lugar e à paridade dos poderes de compra em 40º, mas a dívida pública subiu de 40% para 240% do PIB suportada pela monetização espelhada na subida do balanço do Banco do Japão (BoJ) que detém grande parte da dívida pública nipónica, todavia a moeda permaneceu estável, alicerçada num robusto setor exportador.

Adotando a MMT, os Estados podem substituir receitas por mais endividamento e, assim, reduzir consideravelmente o peso dos impostos que recaem sobre as suas populações? A diferença fundamental entre as finanças do governo e as das empresas e famílias não é o acesso a um banco central, mas, em vez disso, o poder coercivo para aumentar os impostos. Uma empresa com prejuízos não pode reduzir essa perda impondo impostos sobre todos os outros. Um governo pode. Um trabalhador que tem um corte salarial não pode forçar os outros a compensarem a diferença. Um governo pode. Os credores compreensivelmente estão dispostos a aceitar retornos mais baixos em títulos do governo do que noutros investimentos. O risco de incumprimento do governo face a um choque económico adverso é menor. Mas os países emergentes recorrem frequentemente à desvalorização, incumprimento ou inflação e os custos de empréstimos são mais elevados. E se os bancos centrais fossem retirados dos banqueiros não eleitos e entregues a representantes fiscais eleitos? Para muitos políticos, o objetivo principal é permanecer no poder… A inflação e os impostos são, em muitos aspetos, simplesmente duas faces da mesma moeda. Os governos sem acesso às receitas fiscais podem, em vez disso, desvalorizar a moeda.
 

Paulo Rosa, Jornal de Negócios, 7 de dezembro 2020

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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.