Ainda que o ano de 2020 tenha iniciado com um elevado
otimismo dos investidores, no último trimestre de 2019, em resposta aos sinais
de abrandamento da economia global, as políticas monetárias expansionistas
praticadas pelos bancos centrais das maiores economias, ao longo da última
década, acentuaram-se ainda mais contribuindo para a ausência de ativos
financeiros geradores de um rendimento estável e com baixo risco de preço. As
políticas mais flexíveis de estímulo monetário, espelhadas num reforço
acrescido de liquidez aos mercados, aos investidores e às economias,
impulsionaram os níveis de apetite por ativos financeiros com maior risco,
culminando em máximos consecutivos das bolsas norte-americanas, e do principal
índice alemão, DAX30, já em 2020.
Os preços alcançados por esses ativos atingiram níveis apenas justificados pela
falta de alternativas de investimento e pela crença que o ano de 2020, se iria
desenrolar sem sobressaltos de maior. Os mercados, até ao fenómeno Covid-19,
registavam valorizações significativas nos últimos anos, e as ações
norte-americanas subiam há 11 anos consecutivos, no que foi o maior período de
tendência altista, vulgarmente conhecido por bull market, de sempre
das bolsas. O Covid-19 foi o trigger. O pavio estava lá, seco e
quente, apenas à espera da faísca.
Ora, quando se avaliam ativos incertos com base em pressupostos que se
aproximam de um cenário de perfeição, a realidade tende, mais cedo ou mais
tarde, a revelar-se menos perfeita. Essa constatação invariavelmente reflete-se
em correções mais ou menos violentas dos preços dos ativos, que têm sido, neste
caso, impactadas negativamente pelo a alastrar do Coronavírus, e pelas
perspetivas, que vão sendo consecutivamente revistas em baixa, para o
crescimento económico. A recessão económica é uma realidade, desconhecendo-se a
sua magnitude…
Os restantes meses do ano 2020 continuarão a ser afetados pela evolução e ritmo
da propagação do vírus Covid-19, especialmente se houver uma 2ª ou mesmo uma 3ª
vaga! Atualmente, o coronavírus é responsável por uma das maiores quedas de
sempre do mercado acionista, comparáveis à grande depressão de 1929. À medida
que o tempo passe, tomaremos conhecimento detalhado dos impactos económicos das
restrições à circulação de pessoas. O encerramento de muitos organismos
públicos, de estabelecimentos comerciais e paulatinamente das fábricas, quer
pelo aparecimento de colaboradores infetados ou por falta de encomendas ou
mesmo de matérias-primas, terão um impacto significativamente negativo na
economia. Assistiremos ao aparecimento de algum “cisne negro”? Estará para
acontecer algo inimaginável, com um impacto económico impossível de mensurar?
Os subsídios de desemprego, um leading indicator importante da
economia norte-americana, registou esta semana uma subida de 70 mil novos
subsídios, para um total de 281 mil, valor mais alto desde meados de 2018. As
perspetivas são de agudização nos próximos tempos, alcançando, muito
provavelmente, os 400 mil em finais de abril. O mercado aguarda igualmente, com
bastante expectativa, os números da confiança empresarial relativos ao mês de
março, os denominados PMI. O vírus propaga-se, os impactos económicos
agravam-se e as revisões em baixa das empresas relativamente aos seus
resultados multiplicam-se.
Ninguém sabe o rumo que esta pandemia irá tomar. No entanto, ainda que se
mantenham os níveis relativamente baixos de letalidade nos 2%, concentrados
principalmente na população mais idosa e com morbilidade associadas,
acreditamos que este cenário poderá causar uma disrupção significativa nas
estruturas económicas globais no 2º trimestre, uma visão realista neste
momento. Eventualmente, com algum otimismo, poderemos assistir a uma
recuperação no 2º semestre do ano. Uma vez que estamos a lidar com elevados
índices de incerteza, há a necessidade imperiosa de nos adaptarmos
continuamente face às informações oficiais que nos chegam sobre este tema. Será
essencial, portanto, para as empresas, ajustarem rapidamente a sua estratégia à
realidade.
As respostas das autoridades para relançar a atividade económica e mitigar
eventuais efeitos negativos desta crise de saúde pública já estão em curso há
algum tempo. A China, que atualmente regressa lentamente à normalidade, iniciou
esse processo em janeiro com o banco central a renovar estímulos monetários. Já
o banco central norte americano cortou extraordinariamente duas vezes as taxas
de juro, em 50 e em 100 pontos, respetivamente, retomando-as a níveis
históricos, no intervalo entre de 0% a 0,25%, que manteve durante 7 anos, após
a crise financeira de 2008. A 23 de março, a FED avançou ainda com um Quantitative
Easing (QE) ilimitado para amparar economia dos EUA.
Por sua vez, o Banco de Inglaterra cortou também duas vezes as taxas diretoras,
em 50 e 15 pontos, respetivamente, para o nível mais baixo de sempre de 0,1% e
reforçou ainda a compra de títulos de dívida.
Finalmente, o Banco Central Europeu, após ter referido em março que iria
aumentar as compras de ativos em 120 mil milhões de euros no ano de 2020, sendo
que o QE já era de 20 mil milhões de euros mensais, decidiu posteriormente
fortificá-lo significativamente com mais 750 mil milhões de euros até ao final
do ano. O balanço do BCE aumentará para cerca de 5,5 biliões de euros, metade
do PIB da Zona Euro, valor que quintuplicou em 10 anos.
Este novo ciclo de suporte monetário será também acompanhado de um relaxamento
da política orçamental, com estímulos fiscais e aumento da despesa pública,
tanto na Europa como nos Estados Unidos. As eleições presidenciais
norte-americanas, em novembro, tinham já contribuído para a existência de maior
apoio à atividade económica pelo presidente em funções, que agora será
consideravelmente reforçada.
O resto do ano deverá continuar a ser pautado por baixas taxas de juros nos
produtos sem risco de crédito, encaminhando os investidores para as
alternativas com maior risco, isto é, para as obrigações de emitentes com menor
qualidade creditícia e para as ações. Porém, no momento atual, apesar de
aparecerem boas oportunidades nas empresas com fundamentais resilientes e
equipas de gestão de qualidade, também castigadas por este fenómeno, há uma
preferência por liquidez no curto prazo em virtude da elevada incerteza e
significativa volatilidade do mercado. As bolsas apresentaram no mês de março
um comportamento semelhante ao fatídico outubro de 2008, quando se registaram
os valores mais elevados para o VIX, o índice de volatilidade do índice
norte-americano, S&P 500.
O desempenho dos títulos em bolsa é inversamente proporcional à curva
exponencial do total de infetados com Covid-19. As ações e obrigações de maior
risco, nomeadamente as High Yield, estão a ser as mais penalizadas.
Uma recessão económica cada vez mais intensa é uma realidade perante o avanço
do Covid-19. O aumento do desemprego, e uma redução do rendimento disponível,
acarretará problemas acrescidos às famílias e empresas com dificuldades
financeiras. A subida do crédito malparado e o correspondente aumento das
imparidades dos bancos será uma realidade incontornável. Um setor bancário que
já estava há anos depauperado pelas taxas de juro negativas, que se traduziram
em margens muito estreitas, ou mesmo negativas, impactarão negativamente o
produto bancário. Também a pressão continuada sobre as comissões cobradas pelos
bancos, onde este setor ainda conseguia alguma receita substancial, deixará a
banca mais fragilizada. As linhas de financiamento do governo português,
suportadas por políticas comunitárias coordenadas, apoiarão grande parte do
tecido empresarial português, espelhado em micro, pequenas e médias empresas,
na recuperação económica e financeira das mesmas. Finalmente, um suporte
relevante às famílias mais afetadas com a recessão económica, que se avizinha,
ajudará a atenuar a pressão sobre a banca nacional, e alivar o crescimento do
malparado.
Em suma, provavelmente, teremos uma recuperação em “V”, se o 2º semestre se
comportar positivamente. Mas se as sequelas financeiras do Covid-19 forem mais
duradouras, então a recuperação será em “U” ou em “L”. A incerteza é a palavra
chave de momento…
PMR In PME Magazine 23 de março 2020
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