Uma das principais estratégias de sucesso no Jogo da Bolsa é apostar em títulos
que sejam bastante voláteis. A volatilidade permite ganhos consideravelmente elevados
desde que o jogador esteja do lado certo, quer na subida quer na descida. Por
exemplo, as criptomoedas têm subjacente elevada volatilidade e permitem aos
jogadores alcançarem os lugares cimeiros do Jogo da Bolsa, desde que estes
assumam posições longas (compradoras) nas criptomoedas quando estas sobem e
posições curtas (vendedoras) quando as criptomoedas caem.
Todavia, a adoção de uma constante postura ativa em títulos voláteis tem riscos
elevados associados e que são exponenciados quando esta estratégia é
acompanhada por alavancagem. Esta tática poderá colocar em causa o património.
O binómio risco retorno está aqui bem patente, sob a milenar premissa de que
quanto maior é o retorno, maior é o risco.
A volatilidade tem marcado a
vida das criptomoedas desde a criação da primeira há 13 anos, a Bitcoin (BTC).
Gradualmente foram surgindo mais, denominadas de altcoins, e ainda hoje continuam a proliferar.
A BTC nasce na esteira da
grande recessão de 2008 e 2009 como reação à resposta dos principais bancos
centrais das economias desenvolvidas à crise financeira. O BoJ, a Fed e o BCE
procuraram mitigar a incerteza e a desconfiança que se vivia no mercado
monetário com a expansão significativa dos seus balanços no intuito de
estabilizar os mercados financeiros e estimular a economia. A nova política
monetária energicamente expansionista (QE) permite comprar títulos de dívida,
em grande parte pública, e fornecer à economia toda a liquidez necessária para
fomentar o crescimento económico. Todavia, a quantidade de moeda, desde dólares
a euros, cresceu significativamente e os balanços da Fed e do BCE aumentaram
quase dez vezes nos últimos 13 anos.
A volatilidade da BTC é um
relevante entrave à sua condição de reserva de valor, mas, em boa verdade, as
subidas têm superado em muito as descidas e a tendência é altista. Para que
algo seja usado como reserva de valor precisa de ter algum valor intrínseco.
Por exemplo, o ouro tem propriedades físicas ímpares e valor histórico que o acompanha
desde os primórdios das civilizações humanas. O império Inca na América do Sul,
sem contacto com o resto do mundo, desde cedo valorizou as qualidades
intrínsecas do ouro. Na Grécia Antiga, eram utilizadas moedas de ouro para
facilitar as trocas. Todavia, se a BTC não tiver sucesso como meio de troca, dificilmente
terá utilidade prática e, portanto, o seu valor intrínseco será colocado em
causa e poderá perder a atratividade como reserva de valor. Alguns entusiastas
da BTC referem que a sua criptomoeda é apenas reserva de valor e não foi criada
nem para facilitar as trocas, nem para ser uma referência de preços como
unidade de conta. No entanto, o padrão-ouro é uma reserva de valor, facilita as
trocas e serve como unidade de conta e foi utilizado a nível mundial até 1971.
Quando as mercadorias competem pelo papel da moeda, aquela que com o passar do
tempo consegue manter o seu valor toma o lugar de principal moeda. O uso do
ouro como dinheiro tem milhares de anos.
A BTC tem relativas
dificuldades em desempenhar a função de unidade de conta, isto é, fornecer um
referencial para os preços dos bens e serviços devido também à sua elevada
volatilidade. E ainda como unidade de conta, nem a maioria das empresas, nem
nenhum país, excetuando El Salvador, a aceitou como pagamento.
Apesar da robusta expansão
monetária, na última década, a taxa de inflação, quer do dólar quer do euro,
manteve-se sempre bastante ancorada. Alguns anos foram mesmo marcados por
períodos deflacionistas alicerçados nos avanços tecnológicos e na crescente
globalização e entrada da China no comércio mundial há cerca de 30 anos.
Todavia, apesar da inflação não ter acelerado como era expectável pela
comunidade da BTC, em consequência da musculada criação de moeda pelos bancos
centrais, cada BTC valorizou significativamente de 0,10 dólares em meados de
2010 para os atuais 58 mil dólares.
Em 2018, a Fed tentou reverter a política monetária, mas desistiu, após 20
meses, devido à desaceleração económica. No entanto, nesse ano a BTC perdeu
mais de 70%.
Os futuros das taxas de juro da Fed negociados na Bolsa de Derivados de Chicago
antecipam, atualmente, três subidas de um quarto de ponto cada, em maio, julho
e dezembro, ou seja, terminar 2022 no intervalo de 0,75% a 1%. Este facto
corrobora uma retirada total dos estímulos monetários de 120 mil milhões de
dólares de compras mensais ainda no primeiro trimestre de 2022. Este cenário de
regularização poderá suportar o dólar relativamente à BTC, mas aumenta o risco
de abrandamento económico.
A BTC é teoricamente uma moeda deflacionista porque a emissão está limitada a
21 milhões de unidades de acordo com o protocolo da sua Blockchain. Neste
momento existem 18,8 milhões de moedas e, em média, a cada 10 minutos são
emitidas 6,25 BTC, o que perfaz 900 BTC diariamente e um total de 328 500 BTC
num ano. Logo, temos, atualmente, uma criação de 1,7% de BTC anualmente, o que
lhe confere este cariz inflacionista, ainda que residual.
As moedas fiduciárias, sendo o dólar e o euro as principais a nível global,
permitem aos bancos centrais mitigar crises financeiras, dar liquidez ao mercado,
estimular a economia e reestabelecer ou impulsionar a confiança no sistema, mas
a criação de moeda não está limitada, tem um carater inflacionista. A inflação
é um custo para os detentores de moeda, mas beneficia quem tem dívidas.
A moeda fiduciária estimula mais crescimento económico via endividamento, mas
há uma probabilidade acrescida de aparecimento de inflação indesejável. Uma
moeda mercadoria, ou seja, com emissão limitada como a BTC, dificulta a
superação de uma crise financeira. Os detentores de moeda mercadoria como a BTC
podem recusar-se a ceder crédito, e, consequentemente, projetos de interesse
relevante, espelhados em mais trabalho produtivo e bens e serviços de crescente
utilidade, podem ficar para trás, implicando menos crescimento económico e
menor maximização do bem-estar da população.
Paulo Monteiro Rosa, In Jornal de Negócios, 29 de novembro 2021
A transversalidade e Universalidade da ciência económica. O objecto de estudo da economia é a maximização do bem-estar do ser humano, mas não deixa de ser em sentido estrito. A ciência económica é mais abrangente. A todos os seres vivos e não vivos. Ver página "descrição do blog".
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sexta-feira, 26 de novembro de 2021
“Veni, vidi, vici” com a volatilidade das criptomoedas
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- Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.
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