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sexta-feira, 26 de novembro de 2021

“Veni, vidi, vici” com a volatilidade das criptomoedas

Uma das principais estratégias de sucesso no Jogo da Bolsa é apostar em títulos que sejam bastante voláteis. A volatilidade permite ganhos consideravelmente elevados desde que o jogador esteja do lado certo, quer na subida quer na descida. Por exemplo, as criptomoedas têm subjacente elevada volatilidade e permitem aos jogadores alcançarem os lugares cimeiros do Jogo da Bolsa, desde que estes assumam posições longas (compradoras) nas criptomoedas quando estas sobem e posições curtas (vendedoras) quando as criptomoedas caem.

Todavia, a adoção de uma constante postura ativa em títulos voláteis tem riscos elevados associados e que são exponenciados quando esta estratégia é acompanhada por alavancagem. Esta tática poderá colocar em causa o património. O binómio risco retorno está aqui bem patente, sob a milenar premissa de que quanto maior é o retorno, maior é o risco.

A volatilidade tem marcado a vida das criptomoedas desde a criação da primeira há 13 anos, a Bitcoin (BTC). Gradualmente foram surgindo mais, denominadas de
altcoins, e ainda hoje continuam a proliferar.

A BTC nasce na esteira da grande recessão de 2008 e 2009 como reação à resposta dos principais bancos centrais das economias desenvolvidas à crise financeira. O BoJ, a Fed e o BCE procuraram mitigar a incerteza e a desconfiança que se vivia no mercado monetário com a expansão significativa dos seus balanços no intuito de estabilizar os mercados financeiros e estimular a economia. A nova política monetária energicamente expansionista (QE) permite comprar títulos de dívida, em grande parte pública, e fornecer à economia toda a liquidez necessária para fomentar o crescimento económico. Todavia, a quantidade de moeda, desde dólares a euros, cresceu significativamente e os balanços da Fed e do BCE aumentaram quase dez vezes nos últimos 13 anos.
 

A volatilidade da BTC é um relevante entrave à sua condição de reserva de valor, mas, em boa verdade, as subidas têm superado em muito as descidas e a tendência é altista. Para que algo seja usado como reserva de valor precisa de ter algum valor intrínseco. Por exemplo, o ouro tem propriedades físicas ímpares e valor histórico que o acompanha desde os primórdios das civilizações humanas. O império Inca na América do Sul, sem contacto com o resto do mundo, desde cedo valorizou as qualidades intrínsecas do ouro. Na Grécia Antiga, eram utilizadas moedas de ouro para facilitar as trocas. Todavia, se a BTC não tiver sucesso como meio de troca, dificilmente terá utilidade prática e, portanto, o seu valor intrínseco será colocado em causa e poderá perder a atratividade como reserva de valor. Alguns entusiastas da BTC referem que a sua criptomoeda é apenas reserva de valor e não foi criada nem para facilitar as trocas, nem para ser uma referência de preços como unidade de conta. No entanto, o padrão-ouro é uma reserva de valor, facilita as trocas e serve como unidade de conta e foi utilizado a nível mundial até 1971. Quando as mercadorias competem pelo papel da moeda, aquela que com o passar do tempo consegue manter o seu valor toma o lugar de principal moeda. O uso do ouro como dinheiro tem milhares de anos.

A BTC tem relativas dificuldades em desempenhar a função de unidade de conta, isto é, fornecer um referencial para os preços dos bens e serviços devido também à sua elevada volatilidade. E ainda como unidade de conta, nem a maioria das empresas, nem nenhum país, excetuando El Salvador, a aceitou como pagamento.

Apesar da robusta expansão monetária, na última década, a taxa de inflação, quer do dólar quer do euro, manteve-se sempre bastante ancorada. Alguns anos foram mesmo marcados por períodos deflacionistas alicerçados nos avanços tecnológicos e na crescente globalização e entrada da China no comércio mundial há cerca de 30 anos. Todavia, apesar da inflação não ter acelerado como era expectável pela comunidade da BTC, em consequência da musculada criação de moeda pelos bancos centrais, cada BTC valorizou significativamente de 0,10 dólares em meados de 2010 para os atuais 58 mil dólares.

Em 2018, a Fed tentou reverter a política monetária, mas desistiu, após 20 meses, devido à desaceleração económica. No entanto, nesse ano a BTC perdeu mais de 70%.

Os futuros das taxas de juro da Fed negociados na Bolsa de Derivados de Chicago antecipam, atualmente, três subidas de um quarto de ponto cada, em maio, julho e dezembro, ou seja, terminar 2022 no intervalo de 0,75% a 1%. Este facto corrobora uma retirada total dos estímulos monetários de 120 mil milhões de dólares de compras mensais ainda no primeiro trimestre de 2022. Este cenário de regularização poderá suportar o dólar relativamente à BTC, mas aumenta o risco de abrandamento económico.

A BTC é teoricamente uma moeda deflacionista porque a emissão está limitada a 21 milhões de unidades de acordo com o protocolo da sua Blockchain. Neste momento existem 18,8 milhões de moedas e, em média, a cada 10 minutos são emitidas 6,25 BTC, o que perfaz 900 BTC diariamente e um total de 328 500 BTC num ano. Logo, temos, atualmente, uma criação de 1,7% de BTC anualmente, o que lhe confere este cariz inflacionista, ainda que residual.

As moedas fiduciárias, sendo o dólar e o euro as principais a nível global, permitem aos bancos centrais mitigar crises financeiras, dar liquidez ao mercado, estimular a economia e reestabelecer ou impulsionar a confiança no sistema, mas a criação de moeda não está limitada, tem um carater inflacionista. A inflação é um custo para os detentores de moeda, mas beneficia quem tem dívidas.

A moeda fiduciária estimula mais crescimento económico via endividamento, mas há uma probabilidade acrescida de aparecimento de inflação indesejável. Uma moeda mercadoria, ou seja, com emissão limitada como a BTC, dificulta a superação de uma crise financeira. Os detentores de moeda mercadoria como a BTC podem recusar-se a ceder crédito, e, consequentemente, projetos de interesse relevante, espelhados em mais trabalho produtivo e bens e serviços de crescente utilidade, podem ficar para trás, implicando menos crescimento económico e menor maximização do bem-estar da população.

Paulo Monteiro Rosa, In Jornal de Negócios, 29 de novembro 2021



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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.