Considerando que a propensão marginal ao consumo diminui à
medida que os rendimentos aumentam, também a inflação tende a ser cada vez
menos influenciada pelos rendimentos à medida que estes vão aumentando. A
inflação é determinada pelos rendimentos que procuram os bens e serviços que
compõe o cabaz subjacente ao índice de preços no consumidor. Esse cabaz é
flexível, ou seja, quando os seus bens e serviços ficam mais caros são
habitualmente substituídos por sucedâneos sempre que possível. E os sucedâneos
não são procurados pelos rendimentos mais elevados. Além de que as pessoas com
rendimentos altos são poucas, logo insuficientes para influenciarem os preços.
Portanto a inflação não é determinada pelos rendimentos elevados, quer eles
sejam salários, juros, rendas ou lucros.
Na ciência económica existe um “trade-off”, nomeadamente no curto prazo,
entre desemprego e inflação, evidenciado em vários estudos, sobretudo na curva
de Phillips. As políticas económicas expansionistas, orçamentais ou monetárias,
adotadas pelas autoridades, aumentam a procura agregada e diminuem o
desemprego, mas tendencialmente à custa de uma inflação mais alta. Por outro
lado, se as autoridades implementarem políticas económicas restritivas,
contraindo a procura agregada, tal como acontece atualmente, a inflação tende a
diminuir, mas à custa de uma taxa de desemprego temporariamente mais elevada.
O dilema persiste e penaliza mais a população assalariada e com vínculos
laborais mais precários, bem como pequenas empresas familiares, cujos negócios estejam
mais dependentes do ciclo económico e mais focados em bens discricionários ou
na prestação de serviços menos essenciais e sem “princing power” (poder
de fixação de preços). A inflação diminui o rendimento real de todas as
famílias, sendo uma das variáveis macroeconómicas mais adversas. Todavia, o
aumento da taxa de desemprego, para travar a elevada inflação, não afeta todos
equitativamente, penalizando mais os trabalhadores jovens, sobretudo na Europa
onde a antiguidade é relevante, cujos vínculos laborais sejam mais precários ou
que trabalhem em setores mais afetados pelo ciclo económico, penalizando também
empresas que produzam bens e serviços menos essenciais.
A situação da maior parte da população já é difícil diante da elevada inflação,
mas é mais grave ainda para as famílias que contraíram empréstimos,
nomeadamente crédito à habitação, devido ao aumento dos juros pelos bancos
centrais, subida essa dos juros que poderá culminar numa recessão, aumentando o
desemprego. O BCE penaliza a dívida, mas esta, desde que equilibrada, é
importante no impulso da atividade económica, permitindo o financiamento de
bons projetos e impedindo que investimentos interessantes fiquem na gaveta,
promovendo os avanços tecnológicos e o crescimento económico. Voltando aos que
têm vínculos laborais mais precários, muitas vezes os mais jovens e que
contraíram empréstimos, são eles os mais afetados pela elevada inflação, sendo
penalizados pela alta dos preços, pela subida dos juros e pelo aumento do
desemprego. Isto porque os bancos centrais procuram ajustar a procura agregada
à menor oferta agregada. Não poderia ser diferente? Um maior empenho no aumento
da oferta agregada, uma cabal investigação dos açambarcamentos, muitas vezes na
origem dos “bottlenecks”, uma política fiscal mais eficiente no início
da cadeia de valor capaz de mitigar ou anular a generalização da inflação, uma
maior fiscalização da cartelização, uma promoção do comércio internacional, um
aumento das competências do capital humano, uma maior independência energética.
Não nos limitarmos apenas a esperar pela atuação dos estabilizadores
automáticos em caso de recessão.
Antes da pandemia, a economia estava em equilíbrio no ponto A. Entretanto, as
dificuldades nas cadeias de abastecimento, durante e depois da pandemia,
diminuíram a oferta, penalizando o crescimento económico, deslocando a curva da
oferta agregada para a esquerda (de AS1 para AS2), sendo o novo equilíbrio no
ponto B, um crescimento menor e uma inflação mais elevada. Entretanto, as
políticas monetárias recessivas dos bancos centrais, espelhadas em
significativos aumentos das taxas de juro, que procuram travar a elevada
inflação, prometem desacelerar acentuadamente o crescimento económico e
aumentar a probabilidade de recessão. Estas políticas dos bancos centrais
travam o consumo, deslocando a curva da procura agregada para esquerda (de AD1
para AD2), do ponto B para o ponto C. Ao atual cenário de potencial recessão
poder-se-á seguir uma recessão refletida no ponto C, uma inflação mais baixa,
mas à custa do aumento do desemprego e de um crescimento menor.
Os juros mais elevados penalizam tanto o consumo como o investimento, existindo
também em vários países uma consolidação orçamental e uma redução do rácio da
dívida pública face ao PIB nominal, aproveitando a elevada inflação. Tem sido
insuficiente a política fiscal no início da cadeia de valor, mitigando muito
pouco a elevada inflação, maioritariamente do lado da oferta, energética e
importada. Os impostos deveriam ser visivelmente mais baixos a montante da
cadeia de valor. O que existe atualmente é uma relativa transferência de
riqueza do setor privado para o setor público, um claro efeito crowding-out que
penaliza o crescimento económico. Se as políticas recessivas das autoridades
monetária e orçamental fossem mais moderadas, estimulando-se também a oferta
agregada e controlando-se os açambarcamentos e as cartelizações, o ponto A
poderia ser recuperado novamente. Ou seja, ao cenário inicial no ponto A, e ao
seguinte no ponto B devido à pandemia, seguir-se-ia o ponto C, idêntico ao
ponto A. A procura agregada manter-se-ia a mesma (AD1) e a oferta agregada
também (depois de ser ter deslocado do ponto A para o B e por último para o
ponto C, regressando novamente ao ponto A).
PMR in VE 23 novembro 2022
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