Em Portugal é comumente aceite a afirmação de que os mercados acionistas são um
jogo. É certo de que no curto prazo poderá parecer para muitos um jogo, devido
à volatilidade ditada pela inúmera informação divulgada, por vezes disfarçada
de contra informação, que precisa de ser selecionada e esmiuçada, mas é uma perceção
totalmente incorreta, sobretudo no longo prazo. É a errada perceção do “jogar
na bolsa”, sendo provável que um investidor inexperiente veja a bolsa como um
jogo e, por isso, adote uma postura de jogador. Eventualmente, a sorte poderá
protegê-lo no curto prazo, mas no longo prazo a probabilidade de sucesso é
reduzida, a não ser que nunca aposte contra o mercado ou contra a tendência
económica. E à falta de experiência e de conhecimentos económicos e
financeiros, o investidor deve socorrer-se de profissionais habilitados. Em
suma, no longo prazo é impossível vencer o mercado, tal como é impossível
vencer os casinos (os lucros destes são perdas dos clientes).
O imobiliário é um investimento clássico dos portugueses, que nunca o
apelidaram de jogo, mas um índice acionista é também uma opção credível. No
longo prazo, o risco dos índices acionistas mais amplos das economias mais
avançadas é talvez semelhante ao das obrigações soberanas de elevada
classificação (AAA) e em média uma carteira de ações diversificada, quer
geográfica quer sectorialmente, oferece retornos interessantes no longo prazo.
A compra de um desses índices acionistas é um investimento diversificado na
economia. E se as economias dos EUA ou da Europa falhassem estruturalmente,
então a consequente deterioração do nível de vida das famílias, ditada pela subida
estrutural da taxa de desemprego e diminuição do rendimento, seria tão ou mais
grave que as perdas que se verificariam em índices como o S&P 500 ou o Stoxx
600. Por exemplo, se um investidor no início de outubro, e depois das quedas
significativas verificadas em setembro, acreditasse na melhoria dos resultados
das empresas no terceiro trimestre relativamente ao esperado e numa
desaceleração dos aumentos das taxas de juro pelos bancos centrais, refletido
num tom menos “hawkish”, adotaria uma posição compradora no mercado e
beneficiaria, no caso da aquisição de um ETF sobre o índice acionista Dow
Jones, do melhor outubro de sempre, uma alta de quase 14%. Todavia, o
comportamento das FAAMG e a reunião da Reserva Federal dos EUA no passado dia 2
de novembro travaram algum do entusiasmo dos investidores, impulsionando os
rendimentos do tesouro norte-americano (“yield” a 2 anos atingiu valores de
abril de 2007 nos 4,74%). O futuro não é óbvio e os investidores traçam
expetativas, umas serão bem-sucedidas e outras não. Os que desconhecem o
funcionamento dos mercados apelidam de especulação, num sentido negativo e
depreciativo, as expetativas relativas à evolução das ações e das obrigações.
Muitos referem que na realidade os especuladores são os grandes investidores
institucionais com liquidez suficiente para manipularem e definirem o curso do
mercado. No entanto, quem dita o rumo do mercado, nomeadamente o acionista, é a
interação de todos os agentes económicos, desde empresas, famílias e Estado,
determinando a oferta, o consumo, a evolução da atividade económica e
consequentemente o andamento dos índices acionistas.
A venda a descoberto de ações de uma empresa ou índice acionista,
denominada de short-selling, é vista como algo negativo para o funcionamento
dos mercados e que deve ser afastado na maior parte das vezes. Todavia, a venda
a descoberto permite corrigir as ineficiências do mercado, quanto há ausência
de vendedores capazes de o fazer. Esta estratégia especulativa, de vender para
comprar mais abaixo, surge apenas porque a empresa está sobreavaliada
relativamente aos seus fundamentais. Os especuladores estabilizam o mercado e
protegem os investidores mais incautos de comprarem mais caro. Os especuladores
também só vendem dívida portuguesa, e de outros países, nomeadamente
periféricos, se as contas públicas se deteriorarem ou percecionarem menor
coesão europeia. O arrojado pacote orçamental expansionista de Liz Truss no
final de setembro determinou a desvalorização da libra esterlina e
desestabilizou os fundos de pensões britânicos. Os culpados não foram os
especuladores, mas a guerra na Ucrânia, a elevada inflação e os efeitos
negativos do brexit. Por exemplo, manter
uma moeda atrelada ao dólar com diferentes fundamentais macroeconómicos aos
norte-americanos, está sujeita à ação dos especuladores que procuram ganhar com
as ineficiências do mercado.
Quando alguém refere que se deve evitar a exposição do fundo
de pensões português a ações, e apelida esse investimento de jogo, mostra o seu
completo desconhecimento sobre o funcionamento dos mercados acionistas.
PMR In VE 9 novembro 2022
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