Since December 25th, 2010

Translate

sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

A bitcoin e o canário na mina de carvão


À medida que a moeda em papel tende a ser cada vez menos utilizada, aumentando deste modo o controlo de capitais, existem cada vez mais agentes económicos que privilegiam a sua privacidade e liberdade. E se em países de África, da América Latina e do sudeste asiático, onde ter conta bancária é mais difícil, mas o acesso à internet é cada vez mais popular, as criptomoedas já facilitam algumas trocas e transferências de capitais, nas economias avançadas elas também tendem a ser cada vez mais usadas, como forma de preservar a privacidade nos pagamentos. Portanto, não será de estranhar que os pagamentos em papel moeda tendam a ser substituídos por moeda digital emitida por entidades descentralizadas.

Muitos procuram discrição, reserva e privacidade nos seus pagamentos. Além disso, uma eventual tendência de queda das taxas de juro no segundo semestre de 2023, permitiria, provavelmente, algum alívio e maior estabilidade das criptomoedas nos próximos meses, depois de mais de um ano de fortes perdas, desde novembro de 2021, muito à semelhança das quedas do índice tecnológico Nasdaq 100.
Mas é sempre crucial separar o trigo do joio, relevando a blockchain subjacente a cada criptoativo e distinguindo também as criptomoedas inflacionistas das deflacionistas, tendo estas últimas um limite de emissão. Ainda assim, uma reversão pela Fed do quantitative tightening para quantitative easing, para responder a uma recessão, poderia suportar ainda mais os criptoativos.

Entretanto, a falência da bolsa de criptoativos FTX no passado dia 11 de novembro criou alguma entropia no mercado de criptomoedas, descredibilizando este setor e impulsionando as suas quedas, e nem a bitcoin e o ethereum ficaram imunes às desvalorizações. Além do mais, ainda na semana passada, a Genesis foi mais um nome relevante dos criptoativos que não resistiu ao efeito dominó da FTX, no entanto desta vez a bitcoin não foi abalada e manteve a sua tendência de alta, registando atualmente máximos desde meados de agosto do ano passado. A fraqueza do dólar tem sido um dos pontos favoráveis à valorização da bitcoin, mas não é decididamente o único, tendo as perspetivas de alívio nas taxas de juro e uma postura acrescida de risk on desde o início de outubro, corroborada e relativamente intensificada neste início de ano, também impulsionado a principal criptomoeda global, com um capitalização de quase 450 mil milhões de dólares, respondendo por 40% do valor de todas as criptomoedas.

Também o VIX, índice que mede a volatilidade do S&P 500, está abaixo de 20, igualando os vários mínimos que foram sendo observados desde novembro de 2021, confirmando menos aversão ao risco dos investidores. Há dados macroeconómicos que atestam uma surpresa relativamente positiva neste início do ano. O mercado de trabalho norte-americano permanece bastante robusto, tendo os pedidos de subsídio de desemprego semanais descido para o valor mais baixo desde maio do ano passado nos 190 mil, reforçando a confiança num soft landing, cenário que permitiria crescimento económico num ambiente de desinflação, bastante propício para o mercado acionista, assegurando uma postura de acrescido risk on. Mas o declive negativo das curvas de rendimento continua a ser uma ameaça no horizonte, mantendo vivo o fantasma da recessão na mente dos investidores. Um recuo para uma postura de risk-off e queda dos mercados acionistas, sobretudo dos setores tecnológicos, seria penalizador para a bitcoin, de acordo com os dados históricos. Lucros e guidances desfavoráveis das grandes tecnológicas, referentes ao último trimestre do ano passado, poderiam prejudicar o mercado acionista. Todavia, seria também um teste para aferir quão correlacionado está o  setor tecnológico e a bitcoin. Em boa verdade, a bitcoin parece ser cada vez mais o canário na mina de carvão, corroborando atualmente um mercado de eventual alta.

Entretanto, os bancos centrais procuram responder à proliferação das criptomoedas, trabalhando na implementação das suas próprias moedas digitais (Central Bank Digital Coins, CBDC). Mas as CBDC sendo centralizadas marcam uma diferença fundamental em relação às criptomoedas. E uma das principais condições de alguns agentes económicos perante a crescente digitalização da moeda e o gradual desaparecimento da moeda papel, é terem ao seu alcance uma moeda descentralizada, ou seja, uma criptomoeda de ledger público, mas anónima. As CBDC não são de todo uma ameaça às criptomoedas, bem pelo contrário, incentivam-nas, concorrendo apenas com as suas próprias moedas fiduciárias, penalizando-as. Todavia, os bancos centrais são importantes na organização e supervisão do sistema bancário e financeiro, tendo tido sempre um papel importante na resolução de crises financeira quando os detentores de aforro se recusam a emprestar, diante de ambientes de elevada incerteza e risco. E mesmo na presença de um juro bem atrativo, mais de 10% ou 20%, muitas pessoas abdicam de emprestar, pois é o risco de crédito que está em causa e não a dimensão do juro.

PMR in VE 27 janeiro 2023



sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

Inflação e bancos centrais em 2023

 

Muito provavelmente, a inflação homóloga em Portugal deverá atingir o seu valor mais elevado no atual quarto trimestre de 2022, prevendo-se que os efeitos base diminuíam gradualmente a partir do primeiro trimestre de 2023 e mais consideravelmente a partir da primavera, permitindo por esta via a queda da inflação. Entretanto, a variação mensal da inflação já desacelerou em novembro e os preços subiram apenas 0,3% depois da alta de 1,2% em outubro. A inflação em Portugal, tal como na Europa, é maioritariamente do lado da oferta e tem sido impulsionada pelo preço da energia e da alimentação, sobretudo após o início da guerra Ucrânia. À medida que os preços da energia diminuem, as cadeias de abastecimento se regularizam e as tensões geopolíticas no leste europeu abrandam, o aumento dos preços no consumidor tendem a aliviar em Portugal. Também o significativo aumento das taxas de juro, associado à elevada inflação, deteriora cada vez mais o rendimento disponível, penalizando a já frágil procura portuguesa, aumentando a probabilidade de recessão e contribuindo para uma tendência sustentada de desaceleração dos preços no consumidor em Portugal, sendo de esperar uma substancial descida da inflação na segunda metade de 2023. Os preços no produtor já estão a cair na Europa, nomeadamente na Alemanha os números relativos a novembro caíram 3,9%. Essa foi a segunda vez consecutiva que os preços no produtor germânicos caíram significativamente em comparação com o mês anterior (-4,2% outubro de 2022). Em comparação com o mês anterior, outubro de 2022, os preços da energia caíram 9,6%, devido principalmente à diminuição dos preços do gás natural, seguidos dos preços da eletricidade. Embora os números da inflação no consumidor continuem junto aos máximos em vários países da UE, a tendência de queda dos preços no produtor generaliza-se por toda a Europa. A pressão de custos tem diminuído principalmente devido à queda dos preços da energia e à redução das dificuldades nas cadeias de suprimentos. O preço do petróleo já está abaixo dos níveis do início da guerra na Ucrânia. Desde o início de outubro, a valorização do euro face ao dólar à volta de 12% tem contribuído para uma desaceleração da inflação importada, embaratecendo também o barril de petróleo em euros. Cerca de três quartos das importações portuguesas são provenientes da UE e parte desses produtos importados, nomeadamente combustíveis fósseis, metais industriais e produtos agrícolas, têm origem fora da Europa e são cotados sobretudo em dólares, sendo os principais responsáveis pelo avanço da inflação europeia nos primeiros noves meses. As importações portuguesas pesam cerca de 40% no PIB nacional, podendo ter um caráter inflacionista ou deflacionista para a evolução da inflação portuguesa, dependendo se os seus preços estão a aumentar ou a diminuir. Entretanto, a inflação na Alemanha deverá fixar-se em 7,5% em 2023, segundo o gabinete de economia e finanças da UE nas perspetivas de outono. Deverá ser de 7% na UE e 6,1% na área do euro. O mesmo gabinete da UE antecipa para Portugal uma taxa de inflação de 5,8% em 2023, abaixo das expectativas para Europa. O OE 2023 do executivo português aponta para 4% e o FMI referiu em outubro que a Inflação desaceleraria para 4,7% no próximo ano. As projeções para a inflação portuguesa em 2023 são das mais baixas a nível europeu, mostrando que esta não está tão enraizada e generalizada como na Europa, beneficiando da menor dependência do gás natural russo. Qualquer melhoria da inflação na UE e uma abrandamento dos preços das “commodities”, conduziria a inflação portuguesa no final de 2023 para valores abaixo dos 4%, sendo que uma recessão aceleraria ainda mais essa queda da inflação.

O que poderemos esperar do BCE e da Fed no próximo ano? Um abrandamento no aumento das taxas de juro de curto prazo e uma aceleração dos “quantitative tightening”, podendo esta diminuição dos balanços limitar a queda das taxas de juro de longo prazo, mas uma recessão e consequente queda da inflação acima do previsto poderia acelerar a queda dos rendimentos do tesouro. Os bancos centrais tentam mitigar ou mesmo reverter a atual inclinação negativa das curvas de rendimento que além de indiciarem uma tendência económica recessiva, têm penalizado sobretudo os tomadores de empréstimos indexados a taxas de juro de curto prazo. Atualmente o mercado antecipa uma taxa de juro terminal de 3,45% na Zona Euro em meados do próximo verão (era 2,83% antes da reunião de 15 de dezembro do BCE) e de 5% nos EUA. Atualmente as taxas de juro da Fed estão no intervalo de [4,25% a 4,50%] e de acordo com o mercado tudo indica que a Fed proceda a dois aumentos de 25 pontos base em cada uma das suas primeiras duas reuniões do próximo ano, a 1 de fevereiro e a 22 de março, fixando a taxa de juro terminal no intervalo [4,75% a 5%]. Sendo de esperar, atualmente e de acordo com o mercado, que reverta esses mesmos dois aumentos no segundo semestre de 2023.

PMR In VE 30 dezembro 2022 



Mercados têm “Annus horribilis” em 2022



O ano de 2022 ficará marcado como um “annus horribilis” tanto para os mercados acionista, como também para os mercados de dívida. As bolsas europeias registaram o pior ano desde 2018 e as praças norte-americanas tiveram a maior queda desde 2008. O índice pan-europeu Stoxx 600 caiu 12,9%. Um ano difícil marcado por tensões geopolíticas e receios de uma recessão à medida que os bancos centrais aumentaram os juros para travarem a inflação mais elevada das últimas quatro décadas. Wall Street registou a maior queda percentual anual desde 2008 e a primeira desvalorização anual desde 2018, penalizada pelo ritmo mais rápido de aumento de juros da Reserva Federal dos EUA (Fed) desde a década de 1980.

A última semana de 2022 ficou marcada quer pela falta de liquidez, quer pelo agudizar dos receios quanto a um agravamento dos casos de covid-19 na China. O setor imobiliário continuou a apresentar uma crescente deterioração, designadamente nos EUA. Os contratos promessa caíram muito mais do que o esperado em novembro, descendo pelo sexto mês consecutivo, na mais recente indicação do forte impacto que os aumentos das taxas de juro da Fed estão a impor ao mercado imobiliário. O declínio geral nos contratos assinados corroborou a queda das vendas de casas usadas pelo décimo mês consecutivo em novembro, indiciando também uma desvalorização nos próximos meses. No entanto, apesar de o índice pan-europeu Stoxx 600 ter caído 12,9% no ano, o seu pior desempenho desde 2018, as ações de Londres superaram, valorizando quase 1% no ano, devido à forte exposição a “commodities”. Também o PSI ganhou em 2022, valorizando 2,8% no ano. A Galp Energia foi a estrela do ano com uma alta de 48%. Wall Street registou a maior queda percentual anual desde 2008, penalizada pelo ritmo mais rápido de aumento dos juros da Fed desde a década de 1980, cujos Juros subiram em 2022 do intervalo de [0% a 0,25%] no início do ano até [4,25% a 4,50%] na última reunião do banco central dos EUA em 14 de dezembro. O S&P 500 caiu quase 20% no ano passado, marcando uma queda de aproximadamente 8 biliões de dólares de valor de mercado, aproximadamente um terço da riqueza produzida num ano nos EUA. O Nasdaq desceu 33,1%, tendo a primeira queda de quatro trimestres consecutivos desde o “crash” das “dotcom”, enquanto o Dow Jones perdeu 8,9%. O índice de crescimento (“growth”) do S&P 500 caiu cerca de 30,1% este ano, enquanto o índice de valor (“value”) perdeu 7,4%, com os investidores a preferirem setores de elevados dividendos, tais como o da energia. Este setor da energia registou ganhos anuais de 58% nos EUA com o aumento dos preços do petróleo a impulsionarem o setor. Energia, petróleo e bancos são os vencedores de 2022. Setores sensíveis às taxas de juro foram os mais penalizados, tais como tecnológicas e Imobiliário.

Também o mês de dezembro foi negativo depois da recuperação de outubro e novembro. Em 2022, não houve lugar ao habitual rali de Natal. A Europa encerrou o mês de dezembro com uma queda de 4% e os EUA com 6%, Stoxx 600 e S&P 500 respetivamente. Os indicadores económicos e os declives negativos das curvas de rendimentos apontam para recessão, tensões geopolíticas, incluindo a guerra na Ucrânia, e o aumento de casos de COVID na China e incertezas sobre Taiwan, agravam o sentimento. Em dezembro, a produção industrial na China caiu ao ritmo mais elevado dos últimos 3 anos. Contudo, o PMI de Chicago em dezembro terminou o ano mais forte que o esperado. Os preços do gás natural na Europa voltaram aos níveis pré-guerra da Ucrânia. E o preço da eletricidade na Península Ibérica voltou a recuar nas últimas semanas, atingindo o mínimo de quase dois anos. A taxa de inflação anual em Espanha caiu para 5,8% em dezembro de 2022, de 6,8% no mês anterior, a menor desde novembro de 2021. No 2º semestre de 2022, Espanha teve mesmo deflação e os preços caíram 0,2%. Por outro lado, a taxa de inflação subjacente (“core”), que exclui itens voláteis como alimentos não processados e energia, subiu de 6,3% para 6,9%. Mensalmente, em Espanha, os preços ao consumidor subiram 0,3%, após uma queda de 0,1% em novembro. O relatório de emprego nos EUA nesta sexta-feira, nomeadamente o ritmo salarial, a taxa de desemprego, a taxa de participação e os postos de trabalho criados em dezembro, excluindo empregos agrícolas, serão fundamentais para a perceber a condução da política monetária da Fed. Sendo também de crucial importância os números da inflação norte-americana a serem publicados na quinta-feira da próxima semana, dia 12 de janeiro, antecipando-se uma queda da inflação homóloga para 6,7% em dezembro (o que seria o número mais baixo desde outubro de 2021), do número anterior de 7,1% em novembro.

PMR in VE 6 janeiro 2023



Perspetivas económicas para 2023

 

O ano de 2022 ficou marcado pela desaceleração económica global à medida que a inflação se tornou mais persistente e generalizada, nomeadamente nas economias avançadas, depois de um robusto crescimento da atividade em 2021, ditado pela gradual reabertura da economia. Após a fase mais grave da pandemia na primavera de 2020 e com a descoberta de uma vacina no final desse ano, foi possível reabrir gradualmente a economia em 2021 à medida que a vacinação avançava a nível global. No entanto, as dificuldades nas cadeias de abastecimento e o aumento significativo dos preços da energia culminaram numa subida do índice de preços do consumidor no final de 2021, agravada e acelerada pela guerra na Ucrânia no início de 2022. Sendo assim, no ano passado, os principias bancos centrais, na tentativa de travarem a mais elevada inflação das últimas décadas, adotaram uma enérgica postura monetária restritiva, subindo consideravelmente as suas taxas de juro, fragilizando ainda mais o rendimento disponível das famílias já penalizado pela elevada subida dos preços. Portanto, uma provável diminuição da procura deverá aliviar a inflação, mas pode levar à generalização de uma recessão em 2023 além do que é atualmente esperado. Em 2022, a Reserva Federal dos EUA (Fed) subiu a sua taxa de referência em 425 pontos base e o Banco Central Europeu (BCE) aumentou-a em 250 pontos. Entretanto, a economia chinesa tem permanecido num rumo distinto, sem inflação devido à sua política “zero Covid”, permitindo ao Banco Popular da China (PBoC) assumir uma política monetária expansionista. Além disso, a reabertura da segunda maior economia global no início deste ano poderá impulsionar o crescimento económico, mas é também uma ameaça ao atual recuo da inflação, sobretudo nas economias avançadas.

A atividade económica global vive uma desaceleração generalizada e mais acentuada do que o esperado. A Fed em dezembro reviu em baixa o crescimento económico para 0,5% em 2023 de 1,2% em setembro e em alta a inflação, medida pelo PCE core, de 3,1% para 3,5%, aumentando também a taxa de desemprego esperada para 2023 de 4,4% para 4,6%. Apesar de a taxa de desemprego ter sido de 3,5% em dezembro, corroborando um mercado de trabalho robusto, a desaceleração do aumento dos salários afasta gradualmente uma espiral inflacionista via salarial. O banco central dos EUA também antecipa um crescimento anémico em 2024 e 2025 de 1,6% e 1,8%, respetivamente. A crise do custo de vida, o aperto das condições financeiras na maioria das geografias, a invasão da Ucrânia pela Rússia e a relativa persistência da pandemia de covid-19, sobretudo na China, penalizam substancialmente as perspetivas. O FMI estima um crescimento de apenas 0,5% na Zona Euro e recessão económica na Alemanha e em Itália em 2023 de 0,3% e 0,2%, respetivamente. A OCDE estima também um crescimento para a Zona Euro de apenas 0,5% em 2023 e de 1,4% em 2024, confirmando também as convicções de um crescimento fraco na Europa nos próximos anos.

O FMI antecipa que o crescimento global desacelere de 6% em 2021 para 3,2% em 2022 e 2,7% em 2023. Excetuando a Grande Recessão de 2008-09 e a fase mais grave da pandemia de covid-19 na primavera de 2020, este é o crescimento mais fraco desde 2001. Depois do aumento da inflação global de 4,7% em 2021 para 8,8% em 2022, o FMI espera que os preços no consumidor desçam para 6,5% em 2023 e para 4,1% em 2024. Na última leitura económica em 11 de outubro do ano passado, o FMI referiu que a política monetária deveria continuar norteada pela estabilidade de preços, tendo a política orçamental de ser capaz de aliviar as pressões do custo de vida, todavia mantendo uma postura suficientemente rígida e alinhada com a política monetária, aproveitando a elevada inflação para diminuir o elevado rácio da dívida relativamente ao PIB nominal, sobretudo nas economias avançadas com contas públicas frágeis.

Em suma, 2023 será eventualmente o ano do recuo do fenómeno inflacionista mais elevado das últimas décadas, mas ameaça também ser o ano da recessão. Há meses que o declive negativo das curvas de rendimentos dos EUA e da Europa antecipa uma recessão económica.

PMR in VE 13 janeiro 2023




Perspetivas para inflação e economia dos EUA

Perspetivas para a inflação dos EUA de acordo com a evolução do crescimento económico

A inflação homóloga norte-americana abrandou no 2º semestre do ano passado, tendo o índice de preços no consumidor (IPC) aumentado apenas 0,2% entre junho e dezembro de 2022, em grande medida influenciado pela melhoria nas cadeias de abastecimento. A gradual diminuição do défice comercial dos EUA, a partir de abril do ano passado, fomentou o crescimento económico na segunda metade do ano, depois de uma contração económica no 1º semestre. A economia dos EUA contraiu, respetivamente, 1,6% e 0,6% nos 1º e 2º trimestres do ano passado (como se pode observar no gráfico 1). No 3º trimestre a economia norte-americana cresceu 3,2% e é esperado que aumente 3,5% no 4º trimestre, de acordo com os dados do GDP Now da Fed de Atlanta de 18 de janeiro. É visível no gráfico 1 a correlação inversa entre inflação e crescimento económico. Enquanto a inflação foi gradualmente subindo ao longo do ano de 2021 e no primeiro semestre de 2022, a economia foi desacelerando, entrando mesmo em contração na primeira metade do ano passado, no entanto a tendência de descida da taxa de desemprego manteve-se, alcançando o pleno emprego ainda no 1º trimestre de 2022, não corroborando a clássica curva de Phillips. Entretanto, o abrandamento da inflação a partir de junho de 2022 coincidiu com a retoma económica norte-americana.


Gráfico 1 - Evolução nos EUA da inflação e do PIB nos últimos 2 anos


Fonte: Banco Carregosa, Bloomberg e Reserva Federal de Atlanta

 

A melhoria do lado da oferta tem permitido um maior crescimento económico e uma descida da inflação, sendo este o cenário mais favorável para a valorização das ações, algo que tem sido observado desde o início de outubro do ano passado, com a recuperação generalizada dos mercados acionistas. Todavia, a política monetária energicamente restritiva, iniciada há quase um ano pela Reserva Federal dos EUA (Fed), ameaça o crescimento económico, comprometendo gradualmente a capacidade de financiar futuros investimentos, devido às taxas de juro mais elevadas, penalizando também os financiamentos das famílias e empresas endividadas, à medida que se renovam os empréstimos, agora a taxas de juro muito mais altas.

A procura, ainda resiliente, em grande parte devido às poupanças resultantes dos apoios aquando da pandemia e do confinamento, poderá ser paulatinamente penalizada nos próximos meses, à medida que a alta dos juros deteriora o rendimento disponível, sendo uma ameaça às vendas das empresas e ao crescimento económico.

À medida que os juros se mantêm altos por um período de tempo mais longo, cresce também a probabilidade não apenas de uma recessão, mas de quão profunda esta poderá ser. Em caso de recessão, a inflação poderia descer para perto do objetivo de estabilidade de preços da Fed. Este cenário de baixa inflação e recessão é positivo para as obrigações soberanas.

Os gráficos 2 e 3 evidenciam os cenários de melhoria da inflação, numa primeira fase devido ao gradual desaparecimento das dificuldades nas cadeias de abastecimento, crescimento do PIB e robusto mercado de trabalho (boom deflacionista), e numa segunda fase também de contínua queda da inflação, mas, neste caso, em contexto recessivo (bust deflacionista).

 

Gráfico 2 – Evolução da inflação e do PIB

Fonte: Banco Carregosa
 

Numa primeira fase o aumento da oferta agregada (AS1 para AS2) permite uma queda da inflação num ambiente de crescimento económico (ponto A para ponto B). Todavia, as taxas de juro cada vez mais elevadas penalizam a procura agregada (AD1 para AD2), aumentando a probabilidade de recessão e de aumento da taxa de desemprego, podendo este cenário ser benéfico para uma queda considerável da inflação, mas numa conjuntura recessiva (passando agora do ponto B para o C). No último relatório de dezembro, a Fed antecipou uma subida da taxa de desemprego para 4,6% em 2023, mas ainda assim espera um crescimento económico este ano, ainda que ligeiro, de 0,5%. Atualmente a taxa de desemprego nos EUA, número relativo a dezembro, fixou-se em 3,5%, e a taxa de inflação homóloga desceu para 6,5%.

 

Gráfico 3 – Evolução da inflação homóloga nos EUA (retrospetiva e perspetiva)

Fonte: Banco Carregosa


A Fed esforça-se para que os preços regressem ao objetivo de 2%, mas a dúvida persiste se o consegue com um soft ou um hard landing da economia.

Entretanto, os dados da inflação dos EUA referentes a dezembro mostraram uma resiliência da categoria shelter (rendas de habitação e rendas equivalentes dos proprietários de casas) que pesando um terço no índice de preços no consumidor (IPC), continua a impulsionar a inflação

Gráfico 4 - Evolução nos EUA dos preços casas (shiller) e do shelter CPI

Fonte: Banco Carregosa, Bloomberg

O gráfico 4 mostra que o item shelter tem um desfasamento de 12 a 18 meses relativamente à evolução dos preços das casas. E em recessão o crescimento do item shelter é de zero ou até negativo. Atualmente contribui com cerca de 3 pontos percentuais dos 6,5% do IPC dos EUA em dezembro, participando em quase metade do atual valor da inflação. É um fardo significativo e que tem impulsionado a inflação, mas à medida que os preços das casas abrandam o ajustamento em baixa tende a acontecer, podendo ser acelerado em caso de recessão.


Paulo Monteiro Rosa, 20 de janeiro 2023 in VE

Arquivo do blogue

Seguidores

Economista

A minha foto
Naturalidade Angolana
Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.