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sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

A bitcoin e o canário na mina de carvão


À medida que a moeda em papel tende a ser cada vez menos utilizada, aumentando deste modo o controlo de capitais, existem cada vez mais agentes económicos que privilegiam a sua privacidade e liberdade. E se em países de África, da América Latina e do sudeste asiático, onde ter conta bancária é mais difícil, mas o acesso à internet é cada vez mais popular, as criptomoedas já facilitam algumas trocas e transferências de capitais, nas economias avançadas elas também tendem a ser cada vez mais usadas, como forma de preservar a privacidade nos pagamentos. Portanto, não será de estranhar que os pagamentos em papel moeda tendam a ser substituídos por moeda digital emitida por entidades descentralizadas.

Muitos procuram discrição, reserva e privacidade nos seus pagamentos. Além disso, uma eventual tendência de queda das taxas de juro no segundo semestre de 2023, permitiria, provavelmente, algum alívio e maior estabilidade das criptomoedas nos próximos meses, depois de mais de um ano de fortes perdas, desde novembro de 2021, muito à semelhança das quedas do índice tecnológico Nasdaq 100.
Mas é sempre crucial separar o trigo do joio, relevando a blockchain subjacente a cada criptoativo e distinguindo também as criptomoedas inflacionistas das deflacionistas, tendo estas últimas um limite de emissão. Ainda assim, uma reversão pela Fed do quantitative tightening para quantitative easing, para responder a uma recessão, poderia suportar ainda mais os criptoativos.

Entretanto, a falência da bolsa de criptoativos FTX no passado dia 11 de novembro criou alguma entropia no mercado de criptomoedas, descredibilizando este setor e impulsionando as suas quedas, e nem a bitcoin e o ethereum ficaram imunes às desvalorizações. Além do mais, ainda na semana passada, a Genesis foi mais um nome relevante dos criptoativos que não resistiu ao efeito dominó da FTX, no entanto desta vez a bitcoin não foi abalada e manteve a sua tendência de alta, registando atualmente máximos desde meados de agosto do ano passado. A fraqueza do dólar tem sido um dos pontos favoráveis à valorização da bitcoin, mas não é decididamente o único, tendo as perspetivas de alívio nas taxas de juro e uma postura acrescida de risk on desde o início de outubro, corroborada e relativamente intensificada neste início de ano, também impulsionado a principal criptomoeda global, com um capitalização de quase 450 mil milhões de dólares, respondendo por 40% do valor de todas as criptomoedas.

Também o VIX, índice que mede a volatilidade do S&P 500, está abaixo de 20, igualando os vários mínimos que foram sendo observados desde novembro de 2021, confirmando menos aversão ao risco dos investidores. Há dados macroeconómicos que atestam uma surpresa relativamente positiva neste início do ano. O mercado de trabalho norte-americano permanece bastante robusto, tendo os pedidos de subsídio de desemprego semanais descido para o valor mais baixo desde maio do ano passado nos 190 mil, reforçando a confiança num soft landing, cenário que permitiria crescimento económico num ambiente de desinflação, bastante propício para o mercado acionista, assegurando uma postura de acrescido risk on. Mas o declive negativo das curvas de rendimento continua a ser uma ameaça no horizonte, mantendo vivo o fantasma da recessão na mente dos investidores. Um recuo para uma postura de risk-off e queda dos mercados acionistas, sobretudo dos setores tecnológicos, seria penalizador para a bitcoin, de acordo com os dados históricos. Lucros e guidances desfavoráveis das grandes tecnológicas, referentes ao último trimestre do ano passado, poderiam prejudicar o mercado acionista. Todavia, seria também um teste para aferir quão correlacionado está o  setor tecnológico e a bitcoin. Em boa verdade, a bitcoin parece ser cada vez mais o canário na mina de carvão, corroborando atualmente um mercado de eventual alta.

Entretanto, os bancos centrais procuram responder à proliferação das criptomoedas, trabalhando na implementação das suas próprias moedas digitais (Central Bank Digital Coins, CBDC). Mas as CBDC sendo centralizadas marcam uma diferença fundamental em relação às criptomoedas. E uma das principais condições de alguns agentes económicos perante a crescente digitalização da moeda e o gradual desaparecimento da moeda papel, é terem ao seu alcance uma moeda descentralizada, ou seja, uma criptomoeda de ledger público, mas anónima. As CBDC não são de todo uma ameaça às criptomoedas, bem pelo contrário, incentivam-nas, concorrendo apenas com as suas próprias moedas fiduciárias, penalizando-as. Todavia, os bancos centrais são importantes na organização e supervisão do sistema bancário e financeiro, tendo tido sempre um papel importante na resolução de crises financeira quando os detentores de aforro se recusam a emprestar, diante de ambientes de elevada incerteza e risco. E mesmo na presença de um juro bem atrativo, mais de 10% ou 20%, muitas pessoas abdicam de emprestar, pois é o risco de crédito que está em causa e não a dimensão do juro.

PMR in VE 27 janeiro 2023



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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.