A bitcoin e o canário na mina de carvão
À
medida que a moeda em papel tende a ser cada vez menos utilizada, aumentando deste
modo o controlo de capitais, existem cada vez mais agentes económicos que
privilegiam a sua privacidade e liberdade. E se em países de África, da América
Latina e do sudeste asiático, onde ter conta bancária é mais difícil, mas o
acesso à internet é cada vez mais popular, as criptomoedas já facilitam algumas
trocas e transferências de capitais, nas economias avançadas elas também tendem
a ser cada vez mais usadas, como forma de preservar a privacidade nos
pagamentos. Portanto, não será de estranhar que os pagamentos em papel moeda
tendam a ser substituídos por moeda digital emitida por entidades
descentralizadas.
Muitos procuram discrição, reserva e privacidade nos seus pagamentos. Além disso,
uma eventual tendência de queda das taxas de juro no segundo semestre de 2023,
permitiria, provavelmente, algum alívio e maior estabilidade das criptomoedas
nos próximos meses, depois de mais de um ano de fortes perdas, desde novembro
de 2021, muito à semelhança das quedas do índice tecnológico Nasdaq 100.
Mas é sempre crucial separar o trigo do joio, relevando a blockchain subjacente a cada criptoativo e distinguindo também as criptomoedas
inflacionistas das deflacionistas, tendo estas últimas um limite de emissão. Ainda
assim, uma reversão pela Fed do quantitative tightening para quantitative
easing, para responder a uma recessão, poderia suportar ainda mais os
criptoativos.
Entretanto, a falência da bolsa de criptoativos FTX no passado dia 11 de
novembro criou alguma entropia no mercado de criptomoedas, descredibilizando este
setor e impulsionando as suas quedas, e nem a bitcoin e o ethereum ficaram
imunes às desvalorizações. Além do mais, ainda na semana passada, a Genesis foi
mais um nome relevante dos criptoativos que não resistiu ao efeito dominó da
FTX, no entanto desta vez a bitcoin não foi abalada e manteve a sua tendência
de alta, registando atualmente máximos desde meados de agosto do ano passado. A
fraqueza do dólar tem sido um dos pontos favoráveis à valorização da bitcoin,
mas não é decididamente o único, tendo as perspetivas de alívio nas taxas de
juro e uma postura acrescida de risk on
desde o início de outubro, corroborada e relativamente intensificada neste
início de ano, também impulsionado a principal criptomoeda global, com um
capitalização de quase 450 mil milhões de dólares, respondendo por 40% do valor
de todas as criptomoedas.
Também o VIX, índice que mede a volatilidade do S&P 500, está abaixo de 20,
igualando os vários mínimos que foram sendo observados desde novembro de 2021,
confirmando menos aversão ao risco dos investidores. Há dados macroeconómicos
que atestam uma surpresa relativamente positiva neste início do ano. O mercado
de trabalho norte-americano permanece bastante robusto, tendo os pedidos de
subsídio de desemprego semanais descido para o valor mais baixo desde maio do
ano passado nos 190 mil, reforçando a confiança num soft landing, cenário que permitiria crescimento económico num
ambiente de desinflação, bastante propício para o mercado acionista, assegurando
uma postura de acrescido risk on. Mas
o declive negativo das curvas de rendimento continua a ser uma ameaça no
horizonte, mantendo vivo o fantasma da recessão na mente dos investidores. Um
recuo para uma postura de risk-off e
queda dos mercados acionistas, sobretudo dos setores tecnológicos, seria
penalizador para a bitcoin, de acordo com os dados históricos. Lucros e guidances desfavoráveis das grandes
tecnológicas, referentes ao último trimestre do ano passado, poderiam prejudicar
o mercado acionista. Todavia, seria também um teste para aferir quão correlacionado
está o setor tecnológico e a bitcoin. Em
boa verdade, a bitcoin parece ser cada vez mais o canário na mina de carvão,
corroborando atualmente um mercado de eventual alta.
Entretanto, os bancos centrais procuram responder à proliferação das
criptomoedas, trabalhando na implementação das suas próprias moedas digitais
(Central Bank Digital Coins, CBDC). Mas as CBDC sendo centralizadas marcam uma
diferença fundamental em relação às criptomoedas. E uma das principais
condições de alguns agentes económicos perante a crescente digitalização da
moeda e o gradual desaparecimento da moeda papel, é terem ao seu alcance uma
moeda descentralizada, ou seja, uma criptomoeda de ledger público, mas anónima. As CBDC não são de todo uma ameaça às
criptomoedas, bem pelo contrário, incentivam-nas, concorrendo apenas com as
suas próprias moedas fiduciárias, penalizando-as. Todavia, os bancos centrais são importantes
na organização e supervisão do sistema bancário e financeiro, tendo tido sempre
um papel importante na resolução de crises financeira quando os detentores de
aforro se recusam a emprestar, diante de ambientes de elevada incerteza e
risco. E mesmo na presença de um juro bem atrativo, mais de 10% ou 20%, muitas
pessoas abdicam de emprestar, pois é o risco de crédito que está em causa e não
a dimensão do juro.
PMR in VE 27 janeiro 2023
Sem comentários:
Enviar um comentário