O crescimento do PIB português em
2022 foi em grande medida alicerçado pelo consumo privado, permanecendo o
consumidor nacional resiliente nos primeiros nove meses à medida que os preços
foram subindo e as famílias suportando a inflação mais elevada. A melhoria das
exportações, em parte impulsionadas pelo crescentes números do turismo em
Portugal, também suportaram o crescimento da economia nacional em 2022. No
entanto, no último trimestre do ano passado o consumo privado retraiu-se, tendo
o investimento melhorado ligeiramente, depois de cair durante os primeiros três
trimestres do ano, contribuindo para o crescimento do PIB no quarto trimestre. Entretanto,
as exportações continuaram a mostrar resiliência no quarto trimestre,
registando um aumento em todos os trimestres do ano passado, sobretudo baseadas
no setor do turismo, mas as importações também cresceram, em grande medida
devido à deterioração dos termos de troca, impulsionadas pelas preços mais
elevados dos preços dos combustíveis. No entanto, houve uma ligeira melhoria no
último trimestre, ou seja, uma queda das importações nos últimos três meses do
ano relativamente ao terceiro trimestre, refletindo as sucessivas quedas dos
preços do petróleo e do gás natural nos últimos meses de 2022. Em suma, no
último trimestre do ano passado o crescimento do PIB foi em grande medida
suportado pelo investimento e pelo turismo, mas a alta dos juros penaliza
gradualmente o rendimento disponível, e, consequentemente, o consumo privado,
sendo a principal a ameaça ao crescimento económico em 2023.
A rápida subida das taxas de juro
tem deteriorado cada vez mais o rendimento disponível das famílias, penalizando
o consumo privado. Os bancos centrais tentam com a alta dos juros travar a
inflação, não só diminuindo a procura, mas também incentivando a poupança. No
quarto trimestre do ano passado, os certificados de aforro já apresentaram
rentabilidades à volta dos 3% e alguns bancos já ofereceram taxas de juros
capazes de cativar novos depósitos, estimulando a poupança, abrandando deste
modo o consumo, sobretudo de bens duradouros.
A contínua recuperação das contas
externas não foram apenas resultado do aumento das exportações, mas também fruto
da descida das importações. E se as importações diminuíram devido à
deterioração do rendimento disponível e ao incentivo à poupança, as exportações
de serviços melhoram, em grande medida, devido ao incremento do turismo. Portugal
é geograficamente um país periférico na Europa, bem afastado do atual cenário
de guerra na Ucrânia. O crescimento do turismo português no ano passado, um dos
setores mais importantes da economia nacional, poderá ter sido beneficiado pelo
nosso afastamento geográfico da guerra na Ucrânia, sendo Portugal uma cabal
alternativa ao turismo no leste europeu.
Entretanto, apesar da descida dos
preços da energia, contribuindo para uma desaceleração da inflação em Portugal,
o aumento do índice de preços no consumidor tem-se generalizado e a ameaça
tornar-se cada vez mais persistente. À medida que há um restabelecimento nas
cadeias de abastecimento, uma melhoria do lado da oferta, e os preços da
energia caem, a inflação elevada estará cada vez mais dependente da procura.
Haverá uma eventual espiral salários/inflação a alimentar o atual nível elevado
de preços? Se não são atualmente os salários que estão a impulsionar os preços,
serão, com certeza, os juros, rendas e lucros (calculando o PIB na ótica do
rendimento). Em boa verdade, o PIB nominal português cresceu 11,5% no ano
passado, cerca de 25 mil milhões de euros, existindo deste modo mais dinheiro
na economia. Na realidade, “inflação alimenta inflação” e há talvez quem
deseje que a alta dos preços se mantenha por mais alguns trimestres para “endireitar
as suas contas enfraquecidas na última década…”
A inflação na Europa, incluindo
Portugal, inicialmente impulsionada pelo lado da oferta, sobretudo devido à
alta dos preços da energia, acelerou com a invasão russa da Ucrânia. À medida
que os preços a montante da cadeia de valor (matérias-primas industriais e
energéticas, e produtos agrícolas), aumentavam depois da pandemia, a inflação
foi-se generalizando a toda a economia. Hoje está gradualmente mais focada nos
serviços e no final da cadeia produtiva, a jusante, corroborando uma inflação
subjacente cada vez mais elevada. Entretanto, a inflação em Espanha e em França
em fevereiro sinalizam uma crescente preocupação de uma inflação mais
persistente na Europa, incluindo Portugal, indiciando também uma contínua alta
dos juro pelo BCE, ameaçando o crescimento económico nos próximos semestres. Se
a Europa conseguiu evitar uma recessão económica no inverno, menos rigoroso e que
afastou os receios da escassez de gás natural, esta atual inflação elevada e
persistente renova os receios de uma eventual recessão nos próximos tempos,
resultante de uma alta das taxas de juro pelo BCE mais enérgica e mais
duradoura do que anteriormente antecipada.
PMR In VE 1 de março
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